quinta-feira, 8 de abril de 2021

Acabou-se a infância...


Acabou-se a infância...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Acabou-se a infância. Ser criança nesse mundo é tão desafiador quanto para qualquer outra faixa etária. As violências parecem caçar os sorrisos doces e ingênuos com uma fúria assombrosa. A casa e a rua se equivalem em termos de maldade. Não há proteção. Não há cuidados. Não há segurança. Não há tranquilidade para ser e crescer. A vulnerabilidade infantil não escolhe mais um lado. Qualquer status social. Qualquer raça. Qualquer gênero. A vida das crianças está por um triz.    

O discurso, no qual o sofrimento infantil era só consequência da desassistência do Estado, tornou-se inconsistente. Sim, elas permanecem padecendo pela miséria, pela fome, pelas inacessibilidades socioculturais, pela violência que adultiza sem pedir licença, pelos abusos de poder.

Mas, de repente, vem à tona um outro lado dessa história. Crianças nascidas sob condições de regalias e privilégios incontestáveis estão sob as garras do fatídico, da morte. De modo que, se fez luz sobre as tramas dessa situação horrenda.

Vamos e convenhamos, que a sociedade adora dar pitaco na vida alheia e decidir sobre modos e comportamentos para se viver. Por trás das línguas ferinas, babando veneno, é que circulam há séculos protocolos e etiquetas, visando sustentar o sistema de controle e poder social. De modo que a repetição do velho mantra acabou incorporado e repassado de geração a geração, constituindo legiões de irrefletidos cumpridores.

No entanto, maternidade e paternidade é assunto, pra lá, de sério! Não diz respeito, somente, ao poder aquisitivo para sustentar um outro ser. Não. O buraco é bem mais embaixo! Antes de tudo, se precisa disponibilidade em assumir e conservar responsabilidades contínuas e de ordem afetiva, emocional, moral, ética. Um filho não é um produto que se adquire no supermercado ou na lojinha da esquina. Filho é para sempre.

De modo que, criar está longe de ser colocar no mundo, alimentar, fazer dormir, levar à escola... Criar está fundamentado em educar, em transmitir valores e princípios, corrigir os caminhos e as condutas, transformar em ser humano de fato e de direito. Certamente, que isso dá muito trabalho! Repetir exaustivamente, a fim de fazer o outro entender e absorver as palavras, requer habilidade, competência e profunda sensibilidade.

E pensando no contexto de vida contemporâneo, com tanta pressa, tantas obrigações, tanta coisa desviando a atenção, será que as pessoas estão, realmente, conscientes e dispostas a serem mães e pais? A se desdobrarem em multitarefas e papeis todos os dias? Porque, ainda que possam contar com uma rede de apoio – tias, madrinhas e padrinhos, avós, babás, empregadas domésticas etc. – chega um momento que é deles, mães e pais, entrarem em cena.

Se não existe manual para cuidar dos filhos, também não há para ingressar na maternidade e na paternidade. Esse é um aprendizado que se aprende na prática, todos os dias.

E crianças adoecem. Fazem travessura. Fazem pirraça. Pintam o sete, o oito ... Dão nó em pingo d’água. Pais e mães deveriam saber disso, muito bem, porque já foram assim, um dia. O fato é que se esqueceram, por alguma razão. Talvez, isso seja um bom indicativo de que não estejam muitos disponíveis para recordar.

Então, por que o fazem? Vaidade? Pressão social? Descuido? Irresponsabilidade? Seja qual for o motivo é uma pena. Certamente as consequências irão bater a sua porta. Haverá frustração. Haverá desencanto. Haverá impaciência. Haverá negligência. Haverá abandono. E..., de repente, violência. Emocional. Física. Moral. Cientes de que são os mais fortes na relação, eles não irão titubear em fazer prevalecer o seu poder e as suas vontades.

E o que faz a sociedade brasileira em relação a tudo isso? Não vejo as pessoas se preocuparem com as estatísticas da mortalidade infantil no país, exceto quando algum caso de assassinato ganha repercussão nas mídias. Não vejo uma busca das pessoas sobre os números e as condições de vida das crianças abrigadas nos centros de acolhimento institucional, exceto por quem está na fila pela adoção de alguma delas. Não vejo uma cobrança das pessoas em relação à preservação dos direitos de todas as crianças brasileiras, sem exceção.

Parece que criança no Brasil, não tem status de cidadão. Que não é responsabilidade coletiva da sociedade a garantia do seu bem-estar. É como se a sociedade estivesse se abstendo de pensar no amanhã. Crianças crescem; pelo menos, as que sobreviverem as agonias de todo o absurdo de desassistências e omissões. E certamente, uma grande maioria delas, não vai reagir e se comportar com afeto e misericórdia em relação a esta sociedade que lhe virou as costas, lhe abandonou sorrateira e silenciosamente.

É fácil a sociedade estigmatizar os problemas sociais dentro dos círculos de poder aquisitivo, ou seja, pobres e ricos. Mas isso é balela! Eles só se tornam mais e mais visíveis, justamente, na intersecção que existe entre eles. Porque o ser humano é humano antes de ser rico, pobre, branco, negro, mestiço, gay, homem, mulher. Portanto, a forma que encontram para desconstruir os seus infortúnios existenciais e dar-lhes novos significados encontram-se em uma mesmo cardápio de opções. Vícios. Prostituição. Furtos. Roubos. Assassinatos. Etc.etc.etc.

Então, antes de querer impor crenças e valores extraídos da sua cabeça ou de alguém, a quem quer que seja, abra os olhos e veja a vida como ela é. Retire as vendas. Abra os ouvidos para escutar. Verifique se você, também, quer exercer a sua parcela de responsabilidade sobre o que der errado na vida dos outros. Porque a continuar limitado como está, suas atitudes não passam de bisbilhotice, intromissão, falta de ter mais o que fazer. Afinal, “você tem que ser o espelho da mudança que está propondo. Se eu quero mudar o mundo, tenho que começar por mim” (Mahatma Gandhi).