Acabou-se
a infância...
Por
Alessandra Leles Rocha
Acabou-se a infância. Ser criança
nesse mundo é tão desafiador quanto para qualquer outra faixa etária. As violências
parecem caçar os sorrisos doces e ingênuos com uma fúria assombrosa. A casa e a
rua se equivalem em termos de maldade. Não há proteção. Não há cuidados. Não há
segurança. Não há tranquilidade para ser e crescer. A vulnerabilidade infantil
não escolhe mais um lado. Qualquer status social. Qualquer raça. Qualquer gênero.
A vida das crianças está por um triz.
O discurso, no qual o sofrimento
infantil era só consequência da desassistência do Estado, tornou-se
inconsistente. Sim, elas permanecem padecendo pela miséria, pela fome, pelas
inacessibilidades socioculturais, pela violência que adultiza sem pedir licença,
pelos abusos de poder.
Mas, de repente, vem à tona um
outro lado dessa história. Crianças nascidas sob condições de regalias e privilégios
incontestáveis estão sob as garras do fatídico, da morte. De modo que, se fez
luz sobre as tramas dessa situação horrenda.
Vamos e convenhamos, que a
sociedade adora dar pitaco na vida alheia e decidir sobre modos e
comportamentos para se viver. Por trás das línguas ferinas, babando veneno, é
que circulam há séculos protocolos e etiquetas, visando sustentar o sistema de
controle e poder social. De modo que a repetição do velho mantra acabou
incorporado e repassado de geração a geração, constituindo legiões de
irrefletidos cumpridores.
No entanto, maternidade e
paternidade é assunto, pra lá, de sério! Não diz respeito, somente, ao poder
aquisitivo para sustentar um outro ser. Não. O buraco é bem mais embaixo! Antes
de tudo, se precisa disponibilidade em assumir e conservar responsabilidades
contínuas e de ordem afetiva, emocional, moral, ética. Um filho não é um
produto que se adquire no supermercado ou na lojinha da esquina. Filho é para
sempre.
De modo que, criar está longe de
ser colocar no mundo, alimentar, fazer dormir, levar à escola... Criar está
fundamentado em educar, em transmitir valores e princípios, corrigir os
caminhos e as condutas, transformar em ser humano de fato e de direito. Certamente,
que isso dá muito trabalho! Repetir exaustivamente, a fim de fazer o outro
entender e absorver as palavras, requer habilidade, competência e profunda sensibilidade.
E pensando no contexto de vida contemporâneo,
com tanta pressa, tantas obrigações, tanta coisa desviando a atenção, será que
as pessoas estão, realmente, conscientes e dispostas a serem mães e pais? A se
desdobrarem em multitarefas e papeis todos os dias? Porque, ainda que possam
contar com uma rede de apoio – tias, madrinhas e padrinhos, avós, babás,
empregadas domésticas etc. – chega um momento que é deles, mães e pais,
entrarem em cena.
Se não existe manual para cuidar
dos filhos, também não há para ingressar na maternidade e na paternidade. Esse é
um aprendizado que se aprende na prática, todos os dias.
E crianças adoecem. Fazem travessura.
Fazem pirraça. Pintam o sete, o oito ... Dão nó em pingo d’água. Pais e mães
deveriam saber disso, muito bem, porque já foram assim, um dia. O fato é que se
esqueceram, por alguma razão. Talvez, isso seja um bom indicativo de que não estejam
muitos disponíveis para recordar.
Então, por que o fazem? Vaidade? Pressão
social? Descuido? Irresponsabilidade? Seja qual for o motivo é uma pena. Certamente
as consequências irão bater a sua porta. Haverá frustração. Haverá desencanto. Haverá
impaciência. Haverá negligência. Haverá abandono. E..., de repente, violência. Emocional.
Física. Moral. Cientes de que são os mais fortes na relação, eles não irão titubear
em fazer prevalecer o seu poder e as suas vontades.
E o que faz a sociedade
brasileira em relação a tudo isso? Não vejo as pessoas se preocuparem com as estatísticas
da mortalidade infantil no país, exceto quando algum caso de assassinato ganha
repercussão nas mídias. Não vejo uma busca das pessoas sobre os números e as condições
de vida das crianças abrigadas nos centros de acolhimento institucional, exceto
por quem está na fila pela adoção de alguma delas. Não vejo uma cobrança das
pessoas em relação à preservação dos direitos de todas as crianças brasileiras,
sem exceção.
Parece que criança no Brasil, não
tem status de cidadão. Que não é responsabilidade coletiva da sociedade a
garantia do seu bem-estar. É como se a sociedade estivesse se abstendo de
pensar no amanhã. Crianças crescem; pelo menos, as que sobreviverem as agonias
de todo o absurdo de desassistências e omissões. E certamente, uma grande
maioria delas, não vai reagir e se comportar com afeto e misericórdia em
relação a esta sociedade que lhe virou as costas, lhe abandonou sorrateira e
silenciosamente.
É fácil a sociedade estigmatizar
os problemas sociais dentro dos círculos de poder aquisitivo, ou seja, pobres e
ricos. Mas isso é balela! Eles só se tornam mais e mais visíveis, justamente,
na intersecção que existe entre eles. Porque o ser humano é humano antes de ser
rico, pobre, branco, negro, mestiço, gay, homem, mulher. Portanto, a forma que
encontram para desconstruir os seus infortúnios existenciais e dar-lhes novos
significados encontram-se em uma mesmo cardápio de opções. Vícios. Prostituição.
Furtos. Roubos. Assassinatos. Etc.etc.etc.
Então, antes de querer impor
crenças e valores extraídos da sua cabeça ou de alguém, a quem quer que seja,
abra os olhos e veja a vida como ela é. Retire as vendas. Abra os ouvidos para
escutar. Verifique se você, também, quer exercer a sua parcela de
responsabilidade sobre o que der errado na vida dos outros. Porque a continuar
limitado como está, suas atitudes não passam de bisbilhotice, intromissão,
falta de ter mais o que fazer. Afinal, “você
tem que ser o espelho da mudança que está propondo. Se eu quero mudar o mundo,
tenho que começar por mim” (Mahatma Gandhi).