sábado, 10 de abril de 2021

A violência das Violências


A violência das Violências

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Queria entender o que leva uns e outros a acreditar que a exacerbação da violência resolve alguma coisa. Violência é expressão máxima da ignorância e da estupidez. O silêncio que tenta impingir é uma falácia, porque o som da violência não só é eloquente, como reverbera em ondas pelo infinito.  Talvez, o que ela consiga implementar é a desestruturação dialógica; na medida em que o direito de fala não se estabelece igualmente entre as partes.

Olhando para o Brasil e para o mundo vejo a raça humana em franca ebulição. Muitos podem pensar que essa minha afirmação é forte ou desesperançosa demais; mas, não é. Acontece que a violência não tem uma única forma, uma única expressão. Não é preciso estar de arma em punho para que a violência possa ser, assim, chamada. A violência se traduz por cada mínimo gesto que degrada, que humilha, que destrói a dignidade humana. Por isso, nesse exato momento, em cada componente da organização social no planeta, são inúmeras as violências se manifestando, em patamares distintos.

Uma breve passada de olhos nas manchetes midiáticas para encontrar as violências se repetindo, na mutilação dos Direitos Humanos. Fome. Miséria. Desemprego. Desassistência. Desigualdade. Analfabetismo. São exemplos de como a violência abraça o ser humano, sem que ele tenha oportunidade de se defender, e o expõe a condições de indigência absurdas. Porém, na medida em que as parcelas privilegiadas da sociedade não se dispõem a compreender bem a extensão do significado da violência, a tendência natural é de ela se cronificar, se naturalizar, mantendo-se cada vez mais presente e ativa.

Como bem escreveu Liev Tolstói, no romance Ressurreição (1889), “Admiramo-nos de ver ladroes jactando-se da sua habilidade, prostitutas da sua corrupção e assassinos da sua insensibilidade. Se, porém, nos admiramos, é porque estas espécies de indivíduos são restritas, e porque se movem em círculos e atmosferas que não têm contato com os nossos. Já não nos surpreende, por exemplo, ver homens ricos orgulharem-se da sua riqueza; - isto é, de roubo ou de usurpação – ou ainda ver os poderosos orgulharem-se do seu poder, o que significa violência e crueldade. Não notamos a maneira como a concepção natural da vida é desvirtuada por esta gente, assim como o é a primitiva significação de bem e de mal, e não só o não notamos, como não nos admiramos. E isto unicamente porque o número daqueles que partilham essa perversa concepção é grande, e porque nos achamos compreendidos nesse número”.

A grande questão, portanto, é que apesar da violência em si não querer fazer qualquer distinção social, a verdade é que ela acaba tendo um impacto muito maior nas parcelas menos favorecidas. Afinal, essas pessoas já nascem marcadas pelas violências imputadas pelas negligências do Estado. São elas que vivem sob o cotidiano das linhas do fronte. Totalmente expostas e vulneráveis a todo tipo de imprevisibilidade que a vida lhes impuser.

Então, de repente, nos damos conta dos ruídos que permeiam os discursos e narrativas em torno da violência, dada a diversidade de perspectivas e pontos de vista abordados. São muitas violências dentro das violências. Entendidas e sentidas de maneiras muito singulares. Com desdobramentos e consequências, também, muito ímpares. Algumas violências custam a vida. Outras custam os bens materiais. Há aquelas que custam a paz. Enfim...

Fato é que as bolhas do individualismo dão as violências um caráter demasiadamente complexo, porque tentam de todas as formas abstrair a sua essência coletiva. Como se as mazelas de uns pudessem ser mais ou piores do que as de outros. Ou seja, ele busca retirar o senso de humanidade que reside nelas, para poder redistribuí-lo a partir do ranking que faz da própria sociedade entre seres importantes e seres desimportantes.

Nesse tipo de olhar que é lançado as violências, a empatia, portanto, é mais um elemento inexistente. Ninguém está disposto a se colocar na posição do outro para entender mais profundamente a violência que o atinge. Cada um se limita a olhar dentro do seu próprio espectro e digerir as mazelas dentro de uma pseudoautossuficiência. Uma desagregação que, no fundo, só faz fortalecer as violências. Sim, porque as pessoas começam a cultivar uma crença de que somente elas padecem daquele tipo de violência. Então, a busca por uma solução não ocorre; pois, a violência se agigantou.

Enfim, erros crassos que a própria humanidade tece ao redor de si mesma. Isso nos dá a dimensão de como as violências são hábeis na arte de enovelar a vida e tornar tudo mais pesado, mais difícil, mais sofrido. E, por isso, é tão necessário pensar que “você nunca precisará de um argumento contra o uso da violência, você precisará de um argumento para ela” (Noam Chomsky – linguista). Afinal, como disse John Lennon, “vivemos num mundo onde temos que nos esconder para fazer amor, enquanto a violência é praticada em plena luz do dia”.