Quanto
dói a desolação?
Por
Alessandra Leles Rocha
Quanto dói a desolação? Não sei
se é possível mensurar tamanha abstração. Sentimentos são sentidos e cada um os
percebe sob intensidades distintas. Talvez, tudo dependa da consistência humana
que sustente o indivíduo. Porque humanidade não é qualidade que molde a todos
de maneira única.
O fato é que, uma grande parcela
de nós brasileiros, está sim, desolada. Inebriada pela perplexidade mórbida que
varre o país como um furacão, computada por números que parecem cortar a alma em
uma frieza aterrorizante. De repente, a dor consumiu a individualidade para se
tornar propriedade coletiva, que chora por quem se conhece do mesmo modo que
por aqueles a quem nunca se viu.
Fomos unidos pelo infortúnio. Ricos
e pobres provando na mesma cuia o gosto amargo do fel. Porque ninguém poderia
supor que as diferenças e as desigualdades possibilitariam, algum dia, juntar
os extremos sob uma única bandeira. Mas, como ninguém controla o imprevisível...
o mundo girou fora do compasso.
Enquanto isso, tempos de sombra e
escuridão marcam a alma com as lágrimas derramadas sobre as cicatrizes de uma
ferida incurável, a qual insiste em abrir e sangrar diariamente. Afinal, forças
ocultas trabalham no desequilíbrio entre a vida e a morte; a tal ponto que
anjos e querubins sentem-se exauridos no empenho de seus esforços e desfalecem
com as mãos postadas em oração.
A desolação vai se desenhando ...
Assim acontece nos campos de batalha. Mas, não bastasse a doença em si, outros
caos vieram somar e superestimar a pequenez humana. Fomos abandonados à deriva.
Sem plano de fuga. Sem estratégia de enfrentamento. Sem suprimentos. Sem esperanças.
Sem nada. Com a roupa do corpo e um fiapo de fé, que pudesse estar no bolso,
para aguardar a misericórdia da Providência Divina e, então, descobrir a
grandeza da nossa própria sorte.
Por isso estamos esgotados. Não estamos
vivendo. Estamos sobrevivendo. Contando dias e mortos. Absortos pela aura de
energia pesada que emana das informações sobre a conjuntura da Pandemia no
país. Como se nos coubesse transportar sobre os ombros o fardo pesado dessa mutilação
social.
É, precisamos entender que todas as
histórias humanas foram interrompidas, de um jeito ou de outro. Algumas temporariamente.
Outras para sempre. Pedaços de uma vida que se conhecia se perderam pelos
caminhos de uma desolação que parece não ter fim. A verdade é que faltam
explicações, informações, palavras, atitudes, afeto, empatia, para tentar nos
reenquadrar dentro de uma perspectiva mais equilibrada dos acontecimentos.
No momento, a imagem que melhor
nos define seria de corpos flutuando no espaço ou em mar aberto. Vulneráveis pela
inexistência de um porto seguro, de um ponto de apoio. Dentro de uma solidão
que nos abraça asfixiando os sentidos e nos roubando o apreço pela felicidade. Corpos
tão inertes e frios quanto aqueles que foram levados pelos arautos da morte.
Como gostaríamos que tudo isso
não passasse de um pesadelo, de um transe! Porque a armadura de uma criatura inabalável
e forte é pesada demais e só faz sobrecarregar a desolação. Quando se olha para
o somatório dos dias e acontecimentos se vê, com clareza, como estamos nos
afundando em camadas flagelantes sobrepostas. Tudo em nós parece desabar. Estamos
em frangalhos; mas, a desolação continua testando os nossos limites.
Até quando? Mais uma pergunta a se somar a outras milhares sem resposta. Vai depender de muita coisa, de muita gente. Vai depender do visível e do invisível. Vai depender de vontade e disposição. Enquanto isso, estamos sendo forjados pela desolação. Transformados no âmago de nossa essência humana. Expostos a experimentação da maior de todas as desventuras. Promovidos a aprendizes das essencialidades da vida.