quarta-feira, 7 de abril de 2021

Quanto dói a desolação?


Quanto dói a desolação?

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Quanto dói a desolação? Não sei se é possível mensurar tamanha abstração. Sentimentos são sentidos e cada um os percebe sob intensidades distintas. Talvez, tudo dependa da consistência humana que sustente o indivíduo. Porque humanidade não é qualidade que molde a todos de maneira única.

O fato é que, uma grande parcela de nós brasileiros, está sim, desolada. Inebriada pela perplexidade mórbida que varre o país como um furacão, computada por números que parecem cortar a alma em uma frieza aterrorizante. De repente, a dor consumiu a individualidade para se tornar propriedade coletiva, que chora por quem se conhece do mesmo modo que por aqueles a quem nunca se viu.

Fomos unidos pelo infortúnio. Ricos e pobres provando na mesma cuia o gosto amargo do fel. Porque ninguém poderia supor que as diferenças e as desigualdades possibilitariam, algum dia, juntar os extremos sob uma única bandeira. Mas, como ninguém controla o imprevisível... o mundo girou fora do compasso.

Enquanto isso, tempos de sombra e escuridão marcam a alma com as lágrimas derramadas sobre as cicatrizes de uma ferida incurável, a qual insiste em abrir e sangrar diariamente. Afinal, forças ocultas trabalham no desequilíbrio entre a vida e a morte; a tal ponto que anjos e querubins sentem-se exauridos no empenho de seus esforços e desfalecem com as mãos postadas em oração.

A desolação vai se desenhando ... Assim acontece nos campos de batalha. Mas, não bastasse a doença em si, outros caos vieram somar e superestimar a pequenez humana. Fomos abandonados à deriva. Sem plano de fuga. Sem estratégia de enfrentamento. Sem suprimentos. Sem esperanças. Sem nada. Com a roupa do corpo e um fiapo de fé, que pudesse estar no bolso, para aguardar a misericórdia da Providência Divina e, então, descobrir a grandeza da nossa própria sorte.

Por isso estamos esgotados. Não estamos vivendo. Estamos sobrevivendo. Contando dias e mortos. Absortos pela aura de energia pesada que emana das informações sobre a conjuntura da Pandemia no país. Como se nos coubesse transportar sobre os ombros o fardo pesado dessa mutilação social.

É, precisamos entender que todas as histórias humanas foram interrompidas, de um jeito ou de outro. Algumas temporariamente. Outras para sempre. Pedaços de uma vida que se conhecia se perderam pelos caminhos de uma desolação que parece não ter fim. A verdade é que faltam explicações, informações, palavras, atitudes, afeto, empatia, para tentar nos reenquadrar dentro de uma perspectiva mais equilibrada dos acontecimentos.

No momento, a imagem que melhor nos define seria de corpos flutuando no espaço ou em mar aberto. Vulneráveis pela inexistência de um porto seguro, de um ponto de apoio. Dentro de uma solidão que nos abraça asfixiando os sentidos e nos roubando o apreço pela felicidade. Corpos tão inertes e frios quanto aqueles que foram levados pelos arautos da morte.

Como gostaríamos que tudo isso não passasse de um pesadelo, de um transe! Porque a armadura de uma criatura inabalável e forte é pesada demais e só faz sobrecarregar a desolação. Quando se olha para o somatório dos dias e acontecimentos se vê, com clareza, como estamos nos afundando em camadas flagelantes sobrepostas. Tudo em nós parece desabar. Estamos em frangalhos; mas, a desolação continua testando os nossos limites.

Até quando? Mais uma pergunta a se somar a outras milhares sem resposta. Vai depender de muita coisa, de muita gente. Vai depender do visível e do invisível. Vai depender de vontade e disposição. Enquanto isso, estamos sendo forjados pela desolação. Transformados no âmago de nossa essência humana. Expostos a experimentação da maior de todas as desventuras. Promovidos a aprendizes das essencialidades da vida.