PÁSCOA
Por
Alessandra Leles Rocha
É preciso entender que a Páscoa
não é só mais um feriado no calendário ou, simplesmente, um rito de fé com
tempo estabelecido para acontecer. Não. Trata-se de um processo de consciência
e amadurecimento sobre o nosso papel enquanto seres humanos e cidadãos que
convivem e coexistem no mundo. De modo que ela exige uma disponibilidade e um
desapego existencial que não cabe só em palavras ditas da boca para fora.
Páscoa é exercício humano imaterial, subjetivo, constante.
Deveríamos nos perguntar
diariamente, então, qual a extensão das nossas aspirações em relação as
liberdades e as transformações, para sermos capazes de mensurar nosso
engajamento pascal. Porque a quantidade de ovos de chocolate adquiridos e
distribuídos em almoços entre amigos e familiares não sustentam algo tão
profundo. Especialmente, em tempos tão adversos como o que estamos vivenciando
agora.
Ora, estamos sob o jugo de um
inimigo desconhecido e invisível. Oprimidos violentamente por uma torrente de
incertezas e medos. Transitando o calvário das dores e dos sofrimentos humanos.
Solícitos pela piedade maior que nos possa libertar e conduzir para caminhos
menos angustiantes. São muitos os flagelos que arrastam para o infortúnio as
vidas. Males de gente. Males do mundo.
Há mais de um ano a raça humana
tem tido a oportunidade de praticar a reflexão e criar condições para elaborar
em si um sentido para a Páscoa. As adversidades costumam ser bons terrenos para
florescer o entendimento mais profundo, porque revolvem as certezas,
desconstroem as pseudoestabilidades, desnudam a essência do ser e cortam na
carne as vaidades e as paixões mundanas. De modo que isso oportuniza um diálogo
silencioso entre nós e nossas expectativas diante da vida.
Mas, em face da realidade que vínhamos
desenvolvendo até então, um mundo repleto de apelos materialistas,
individualistas, consumistas, sob uma intensidade absurdamente frenética,
parece pouco provável que o contingente disposto a experimentar uma mudança de
rumo seja expressiva. Contudo, apesar de essa não ser uma tarefa nada fácil de
enfrentar, nunca ela foi tão necessária.
Afinal, a Páscoa que se propõe
celebrar, diariamente, dentro de cada um, demanda pelo recolhimento e
desaceleração, para tornar possível ver com mais clareza a si e ao mundo. Esse
panorama é que permite perceber e construir as escalas de prioridade, a fim de
que melhorias possam ser consolidadas dentro dos espaços pelos quais
circulamos. E nesse momento, isso se aflora de uma maneira muito particular. Os
seres humanos precisam se redescobrir, saberem quem realmente são, para poderem
se posicionar e seguir adiante no Pós-Pandemia, quando nada será como
antes.
Então, que não somente hoje, a
Páscoa possa iluminar nossos pensamentos e fortalecer o nosso entendimento de
que “não existe nenhum passeio fácil para
a liberdade em lado nenhum, e muitos de nós teremos que atravessar o vale da
sombra da morte vezes sem conta até que consigamos atingir o cume da montanha
dos nossos desejos” (Nelson Mandela). Mas, também, que nos proporcione admitir
que “dá para renascer várias vezes nesta
mesma vida. Basta desaprender o receio de mudar” (Martha Medeiros).