domingo, 4 de abril de 2021

Páscoa


PÁSCOA

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

É preciso entender que a Páscoa não é só mais um feriado no calendário ou, simplesmente, um rito de fé com tempo estabelecido para acontecer. Não. Trata-se de um processo de consciência e amadurecimento sobre o nosso papel enquanto seres humanos e cidadãos que convivem e coexistem no mundo. De modo que ela exige uma disponibilidade e um desapego existencial que não cabe só em palavras ditas da boca para fora. Páscoa é exercício humano imaterial, subjetivo, constante.

Deveríamos nos perguntar diariamente, então, qual a extensão das nossas aspirações em relação as liberdades e as transformações, para sermos capazes de mensurar nosso engajamento pascal. Porque a quantidade de ovos de chocolate adquiridos e distribuídos em almoços entre amigos e familiares não sustentam algo tão profundo. Especialmente, em tempos tão adversos como o que estamos vivenciando agora.

Ora, estamos sob o jugo de um inimigo desconhecido e invisível. Oprimidos violentamente por uma torrente de incertezas e medos. Transitando o calvário das dores e dos sofrimentos humanos. Solícitos pela piedade maior que nos possa libertar e conduzir para caminhos menos angustiantes. São muitos os flagelos que arrastam para o infortúnio as vidas. Males de gente. Males do mundo. 

Há mais de um ano a raça humana tem tido a oportunidade de praticar a reflexão e criar condições para elaborar em si um sentido para a Páscoa. As adversidades costumam ser bons terrenos para florescer o entendimento mais profundo, porque revolvem as certezas, desconstroem as pseudoestabilidades, desnudam a essência do ser e cortam na carne as vaidades e as paixões mundanas. De modo que isso oportuniza um diálogo silencioso entre nós e nossas expectativas diante da vida.

Mas, em face da realidade que vínhamos desenvolvendo até então, um mundo repleto de apelos materialistas, individualistas, consumistas, sob uma intensidade absurdamente frenética, parece pouco provável que o contingente disposto a experimentar uma mudança de rumo seja expressiva. Contudo, apesar de essa não ser uma tarefa nada fácil de enfrentar, nunca ela foi tão necessária.

Afinal, a Páscoa que se propõe celebrar, diariamente, dentro de cada um, demanda pelo recolhimento e desaceleração, para tornar possível ver com mais clareza a si e ao mundo. Esse panorama é que permite perceber e construir as escalas de prioridade, a fim de que melhorias possam ser consolidadas dentro dos espaços pelos quais circulamos. E nesse momento, isso se aflora de uma maneira muito particular. Os seres humanos precisam se redescobrir, saberem quem realmente são, para poderem se posicionar e seguir adiante no Pós-Pandemia, quando nada será como antes. 

Então, que não somente hoje, a Páscoa possa iluminar nossos pensamentos e fortalecer o nosso entendimento de que “não existe nenhum passeio fácil para a liberdade em lado nenhum, e muitos de nós teremos que atravessar o vale da sombra da morte vezes sem conta até que consigamos atingir o cume da montanha dos nossos desejos” (Nelson Mandela). Mas, também, que nos proporcione admitir que “dá para renascer várias vezes nesta mesma vida. Basta desaprender o receio de mudar” (Martha Medeiros).