Teatro
de marionetes
Por
Alessandra Leles Rocha
Não faz muito tempo, as pessoas
pensavam com a própria cabeça e, quando percebiam alguma necessidade de ampliar
seus parâmetros de análise, contavam com a larga experiência de grandes
especialistas e formadores de opinião. Uma pena que tudo tenha se transformado
tão abruptamente e as pessoas se permitido conduzir pelas influências rasas de
uns e outros e pelo próprio desânimo em fazer bom uso de sua capacidade
cognitiva e intelectual.
Acho graça toda vez que alguém
bate no peito e diz que manda na própria vida e nas escolhas que realiza. Quisera
fosse mesmo assim! Só que não é. Cada vez mais vejo uma humanidade preguiçosa
e insolente, destoando quilômetros da imagem altiva e arrogante, a qual tenta
se investir para sobreviver nas arenas do mundo contemporâneo. Pura fachada! Na
verdade, as pessoas estão mais e mais subservientes aos comandos e diretrizes
alheias. Suas escolhas não são genuínas, mas um reflexo automatizado dos
sistemas de controle sociais.
Se há algo que a Pós-Modernidade executou com
maestria foi a elaboração de mecanismos bastante eficientes para toda essa
alienação social, a começar pelas estratégias de consumo. A identidade humana
foi totalmente atrelada ao TER. As pessoas não mais se entendem como seres de
carne e osso; mas, como detentoras de bens, produtos e serviços. Enquanto, se
digladiam por isso ou aquilo, elas pensam e refletem muito pouco, inclusive,
sobre as reais necessidades do seu próprio cotidiano. Por isso, fatalmente,
caem nas armadilhas dos labirintos de manipulação de desejos e expectativas
sociais.
O que tem um caráter extremamente profundo
porque atravessa não só a sua imagem corporal, mas, também, atinge o seu pensamento.
Isso quer dizer que elas são levadas a abdicarem voluntariamente do seu
protagonismo social para serem massificadas dentro de padrões de consumo, de
imagem e de comportamento preestabelecidos por outros. E quem seriam eles? Certamente
alguém com passe livre no universo midiático. Alguém que já se transformou em
um produto vendável e rentável para o sistema social.
De modo que as escolhas, as vontades, a
autonomia dos indivíduos desaparece, como em um passe de mágica, diante da
sensação inebriante que essa influência alheia é capaz de exercer sobre a
grande massa. Portanto, a humanidade está nas mãos dessas pessoas seja para o
Bem ou para o Mal. Elas passaram a ser a referência existencial para milhões de
seres humanos; sobretudo, adolescentes e jovens adultos.
De bens de consumo duráveis a não duráveis, ideias
e opiniões, essas pessoas utilizam as Tecnologias da Informação e Comunicação
(TICs), por meio das redes sociais, para girar as rodas do mundo entre os
diferentes estratos sociais. O que acirra a competitividade; mas, também, a
exclusão em um mundo já tão fragmentado pelas desigualdades. O pior é que, ao
olhar para os lados, pessoas estão se tornando cada vez mais iguais na forma e
no conteúdo.
Porque ao se absterem do comprometimento natural
com as obrigações e os desafios de sua própria vida, elas estão se permitindo
projetar na ilusão bem-sucedida de vidas alheias. Um recanto de aparências
extraordinárias que não condizem necessariamente com a realidade. Temos que
concordar que ninguém tem uma vida de script, sem altos e baixos. No entanto,
essa nuvem de aparências se torna mensageira de sonhos, de promessas, de
pensamentos, de um mundo idealizado. Algo que os faz sentir plenos de uma
pseudoautonomia e autoralidade em relação a si mesmos. Assim, se exibem
descolados, espertos, integrados ao movimento fluido de uma sociedade que, no
fundo, se esfacela.
Mas, apesar de tudo isso, não raras as vezes,
são contrariados nas suas convicções, por conta das tentações financeiras que
lhes silenciam os posicionamentos pessoais. Dizer que só fazem o que querem e
quando querem, não é a realidade em si. Eles acabam sendo embrulhados no pacote
do sistema, que funciona assim, pelo princípio da impessoalidade, da fragilidade
no senso humano. No fundo, todo esse processo relacional entre os seres humanos
não passa de um verdadeiro teatro de marionetes, o qual não se constrange, em
absoluto, por fazer pessoas suas peças de encenação.
Seres sem vida própria, ao contrário do que
tentam afirmar. Não escolhem nada; são escolhidos. E apegam-se aos seus fios de
controle como uma tábua de salvação, pelo temor de que sem eles pudessem ser
lançados aos infortúnios da invisibilidade e da desimportância social. Sim, porque as carências subjetivas do mundo
são tantas e tão pesadas que se tornam as maiores responsáveis por intermediar
esses movimentos cruéis e perversos.
O pior de tudo, talvez, seja constatar que essa
carência tem nos conduzido ao nível mais dramático da estupidez e da solidão
materializados. O ser humano está perdido. Não sabe mais quem é. O que gosta. O
que quer (ou se quer). Enfim ...
De modo que precisa existir uma reflexão
responsável a respeito disso, porque as consequências destrutivas tendem a se
acentuar, no Pós-Pandemia. O mundo, a ser reconstruído depois do tsunami viral
que vem varrendo o planeta, estará sim, mais desigual, mais pobre, mais
conflituado, com suas necessidades emergindo a partir de outras perspectivas e
expectativas.
É imprescindível compreender que as pessoas necessitarão se reposicionar diante da vida. Não haverá manuais, protocolos, elaborados e prontos a serem seguidos. Cada um vai ter que usar o bom senso. Vai ter que pensar com a própria cabeça. Vai ter que influenciar o seu próprio caminho se quiser sobreviver as adversidades e seguir em frente. Para a alegria de uns e tristeza de outros, as marionetes, enfim, terão que se transformar em gente de carne e osso.