segunda-feira, 5 de abril de 2021

Teatro de marionetes


Teatro de marionetes

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Não faz muito tempo, as pessoas pensavam com a própria cabeça e, quando percebiam alguma necessidade de ampliar seus parâmetros de análise, contavam com a larga experiência de grandes especialistas e formadores de opinião. Uma pena que tudo tenha se transformado tão abruptamente e as pessoas se permitido conduzir pelas influências rasas de uns e outros e pelo próprio desânimo em fazer bom uso de sua capacidade cognitiva e intelectual.

Acho graça toda vez que alguém bate no peito e diz que manda na própria vida e nas escolhas que realiza. Quisera fosse mesmo assim! Só que não é. Cada vez mais vejo uma humanidade preguiçosa e insolente, destoando quilômetros da imagem altiva e arrogante, a qual tenta se investir para sobreviver nas arenas do mundo contemporâneo. Pura fachada! Na verdade, as pessoas estão mais e mais subservientes aos comandos e diretrizes alheias. Suas escolhas não são genuínas, mas um reflexo automatizado dos sistemas de controle sociais.

Se há algo que a Pós-Modernidade executou com maestria foi a elaboração de mecanismos bastante eficientes para toda essa alienação social, a começar pelas estratégias de consumo. A identidade humana foi totalmente atrelada ao TER. As pessoas não mais se entendem como seres de carne e osso; mas, como detentoras de bens, produtos e serviços. Enquanto, se digladiam por isso ou aquilo, elas pensam e refletem muito pouco, inclusive, sobre as reais necessidades do seu próprio cotidiano. Por isso, fatalmente, caem nas armadilhas dos labirintos de manipulação de desejos e expectativas sociais.

O que tem um caráter extremamente profundo porque atravessa não só a sua imagem corporal, mas, também, atinge o seu pensamento. Isso quer dizer que elas são levadas a abdicarem voluntariamente do seu protagonismo social para serem massificadas dentro de padrões de consumo, de imagem e de comportamento preestabelecidos por outros. E quem seriam eles? Certamente alguém com passe livre no universo midiático. Alguém que já se transformou em um produto vendável e rentável para o sistema social.

De modo que as escolhas, as vontades, a autonomia dos indivíduos desaparece, como em um passe de mágica, diante da sensação inebriante que essa influência alheia é capaz de exercer sobre a grande massa. Portanto, a humanidade está nas mãos dessas pessoas seja para o Bem ou para o Mal. Elas passaram a ser a referência existencial para milhões de seres humanos; sobretudo, adolescentes e jovens adultos.

De bens de consumo duráveis a não duráveis, ideias e opiniões, essas pessoas utilizam as Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), por meio das redes sociais, para girar as rodas do mundo entre os diferentes estratos sociais. O que acirra a competitividade; mas, também, a exclusão em um mundo já tão fragmentado pelas desigualdades. O pior é que, ao olhar para os lados, pessoas estão se tornando cada vez mais iguais na forma e no conteúdo.

Porque ao se absterem do comprometimento natural com as obrigações e os desafios de sua própria vida, elas estão se permitindo projetar na ilusão bem-sucedida de vidas alheias. Um recanto de aparências extraordinárias que não condizem necessariamente com a realidade. Temos que concordar que ninguém tem uma vida de script, sem altos e baixos. No entanto, essa nuvem de aparências se torna mensageira de sonhos, de promessas, de pensamentos, de um mundo idealizado. Algo que os faz sentir plenos de uma pseudoautonomia e autoralidade em relação a si mesmos. Assim, se exibem descolados, espertos, integrados ao movimento fluido de uma sociedade que, no fundo, se esfacela.

Mas, apesar de tudo isso, não raras as vezes, são contrariados nas suas convicções, por conta das tentações financeiras que lhes silenciam os posicionamentos pessoais. Dizer que só fazem o que querem e quando querem, não é a realidade em si. Eles acabam sendo embrulhados no pacote do sistema, que funciona assim, pelo princípio da impessoalidade, da fragilidade no senso humano. No fundo, todo esse processo relacional entre os seres humanos não passa de um verdadeiro teatro de marionetes, o qual não se constrange, em absoluto, por fazer pessoas suas peças de encenação.  

Seres sem vida própria, ao contrário do que tentam afirmar. Não escolhem nada; são escolhidos. E apegam-se aos seus fios de controle como uma tábua de salvação, pelo temor de que sem eles pudessem ser lançados aos infortúnios da invisibilidade e da desimportância social.  Sim, porque as carências subjetivas do mundo são tantas e tão pesadas que se tornam as maiores responsáveis por intermediar esses movimentos cruéis e perversos.

O pior de tudo, talvez, seja constatar que essa carência tem nos conduzido ao nível mais dramático da estupidez e da solidão materializados. O ser humano está perdido. Não sabe mais quem é. O que gosta. O que quer (ou se quer). Enfim ...

De modo que precisa existir uma reflexão responsável a respeito disso, porque as consequências destrutivas tendem a se acentuar, no Pós-Pandemia. O mundo, a ser reconstruído depois do tsunami viral que vem varrendo o planeta, estará sim, mais desigual, mais pobre, mais conflituado, com suas necessidades emergindo a partir de outras perspectivas e expectativas.

É imprescindível compreender que as pessoas necessitarão se reposicionar diante da vida. Não haverá manuais, protocolos, elaborados e prontos a serem seguidos. Cada um vai ter que usar o bom senso. Vai ter que pensar com a própria cabeça. Vai ter que influenciar o seu próprio caminho se quiser sobreviver as adversidades e seguir em frente. Para a alegria de uns e tristeza de outros, as marionetes, enfim, terão que se transformar em gente de carne e osso.