Sobre
a Felicidade...
Por
Alessandra Leles Rocha
Pode até soar estranho; afinal,
estes são tempos pandêmicos. Mas, discutir sobre a Felicidade, além da costumeira condição de contentamento
existencial, pode ser muito útil dentro do atual contexto, porque ela
ultrapassa as fronteiras da idealização humana e alcança repercussões muito
práticas na sociedade. Foi por essa razão que, em 28 de junho de 2012, a Assembleia
Geral das Nações Unidas estabeleceu o dia 20 de março como Dia Internacional da Felicidade (The International Day of Happiness) 1.
Ora, um mundo em que as pessoas
tenham motivos para se sentirem felizes, satisfeitas e alegres é um mundo em
que a paz e o bem-estar das sociedades estão assegurados. De modo que promover
esse movimento de “felicidade”
significa contribuir para a contenção de conflitos e guerras sociais e étnicas,
ou quaisquer outros tipos de comportamento beligerante. E assim, a proposta foi
aceita pelos 193 países-membros da Organização das Nações Unidas (ONU).
Claro que aceitar nem sempre
significa cumprir. Porque essa “felicidade”
não é um status dissociado de inúmeras questões sócio, políticas e econômicas complexas.
Por isso, para apoiar e incentivar essa prática, a ONU prepara anualmente um
relatório mundial, cujo tema a ser discutido impacta diretamente a felicidade
enquanto objetivo humano fundamental.
O primeiro relatório foi intitulado
“Felicidade e bem-estar: definindo um
novo paradigma econômico”. Nos últimos 3 anos, os temas foram “A migração dentro e fora de países” (2018),
“A relação entre felicidade e comunidade” (2019) e “Ambientes para a felicidade (social, urbano e natural) ” (2020) 2. Os responsáveis pela elaboração da
base estrutural desse trabalho são a Sustainable
Development Solutions Network (SDSN) e o Centro de Desenvolvimento
Sustentável da Universidade de Columbia, em Nova Iorque (EUA).
Como já é possível perceber,
mensurar a “felicidade” não é tão simples. Porque, além da escolha do tema em
torno do qual se concentram as análises, o resultado do ranking depende da avaliação
individual das pessoas nos últimos 3 anos, ou seja, o índice publicado em 2020,
por exemplo, se refere aos dados de 2017 a 2019. Sem contar, a importância da
ferramenta estatística utilizada, que nesse caso é a Escala da Escada (Cantril Ladder Scale) 3.
No entanto, dadas as
especificidades de cada país, a comparação entre eles só é possível a partir de
6 variáveis estabelecidas pelos pesquisadores, as quais têm potencial de
influenciar o bem-estar geral dos cidadãos. São elas: Produto Interno Bruto (PIB) per
capita, expectativa de vida, suporte social, liberdade para fazer escolhas,
generosidade e percepção da corrupção. E ao
contrário do que se possa pensar, nem todo país rico é feliz. O que se mede é o
nível de eficiência das políticas públicas para gerar dignidade e bem-estar à
população.
Daí a relevância dessas
informações. Depois de figurar na 17ª posição no ranking da “felicidade”, em 2016, o Brasil só
obteve perdas até alcançar a 32ª posição, em 2020. Mais uma vez, as raízes de
nossas mazelas não são consequência direta da Pandemia; mas, da fragilidade com
que se constitui o arcabouço de bem-estar e satisfação social no país.
O acirramento das desigualdades,
visivelmente perceptível por meio dos dados do empobrecimento e desemprego
divulgados periodicamente, reafirmam a tendência do país em se afastar cada vez
mais do conceito global de “felicidade”.
Infelizmente, a ideia de que “o brasileiro é feliz” se desconstruiu. De
repente, descobriu-se que a “felicidade” com a feição de completude, de tudo
resolvido, não existe. A verdadeira “felicidade”
é um processo contínuo, inacabado. Então, cada dia mais as razões para a
desolação e o infortúnio se multiplicam, diante das frentes que ameaçam
claramente a sobrevivência humana.
Por isso, o país perdeu o sorriso,
perdeu a graça, e a Pandemia só levou o último suspiro de motivação para
resistir. Não se tem paz. Não se tem bem-estar. Entre os indivíduos a
inquietude se inflama e perturba. O abatimento que os consome não é físico, é
moral; sobretudo, quando as tensões se elevam na linha tênue entre a vida e a
morte.
Isso significa, então, que bem
mais do que uma posição melhor no ranking da “felicidade”, o que o brasileiro precisa de agora em diante é pensar
em uma maneira eficiente para poder reverter o seu declínio humano e cidadão;
porque, “A nossa felicidade depende mais
do que temos nas nossas cabeças, do que nos nossos bolsos” (Arthur Schopenhauer
– filósofo alemão).