Antes
que seja tarde demais
Por
Alessandra Leles Rocha
Sinceramente, eu não sei para
onde foi o bom senso. Mas, acreditar que qualquer polarização ideológica vai
contribuir, nesse momento, para uma solução efetiva; isso já é insanidade
demais. O que está em xeque são vidas e ponto final. É preciso olhar para as
demandas de sobrevivência humana.
Culpados existem aos montes. Seja
pela ação incorreta. Seja pela omissão. Seja pela distorção e banalização dos
fatos. Seja pela intenção maquiavélica em obstaculizar quaisquer medidas de
mitigação e resolução. ... No entanto, quaisquer que sejam os fundamentos que
elevem o tom da indignação popular, todos eles não acompanham a velocidade
funesta do vírus.
Enquanto as pessoas se digladiam
nos espaços reais e virtuais da convivência humana, o país está em sobressalto
diante das inúmeras insuficiências que permeiam a cadeia de tratamento da
COVID-19 e colocam em risco a sua qualidade e dignidade a serem oferecidas.
Aliás, nesse sentido, é bom ressaltar
como a utilização do chamado “kit COVID” ou “tratamento preventivo” contribuiu
para o gargalo que se criou nos últimos meses, com o agravamento dos quadros clínicos.
Essa prática, inclusive, desconsiderou totalmente a presença de variantes
virais mais contagiantes e agressivas, as quais passaram a alterar o perfil dos
infectados. A referida contestação infundada da Ciência fez não só as pessoas
perderem tempo discutindo inutilmente a eficácia daquilo que é ineficaz para a
Pandemia; mas, as fez perder a vida por isso.
A guerra ideológica que se
estabeleceu no país criou um monstro que saiu das sombras nessa Pandemia. Se ninguém
queria enxergar o prejuízo do desmantelamento científico nas universidades
federais, tudo ficou evidente quando estas não puderam auxiliar satisfatoriamente
as linhas de frente, por falta de recursos e insumos. Então, não só as
pesquisas e as testagens foram prejudicadas; mas, os hospitais universitários
também não foram colocados a trabalhar com força máxima no atendimento pandêmico.
No campo da vacinação, o mesmo desmantelamento.
Idas e vindas decisórias. Impertinência diante dos laboratórios produtores. Preciosismos
analíticos. Ingerências burocráticas. Carência de doses. ... Um cenário que
resultou inevitavelmente no atraso da imunização no país.
O que significa que a cada obstáculo
milimetricamente posicionado nessa guerra biológica a sociedade saiu perdendo. Só
houve um vencedor até aqui; o vírus. Foi dado a ele todas as condições de
permanecer ativo, circulante e capaz de se adaptar com mais potência. Enquanto
isso, a avalanche retórica de ofensas e de comiseração seguiu seu curso.
Quase 300 mil mortos. A continuar
assim, alcançaremos em breve os 500 mil. Estranho é que as pessoas não refletem
como tudo isso não faz sentido algum. Choramingam pelo cotidiano; mas, nem se
dão ao trabalho de admitir que ele não existe sem seres humanos. Choramingam
por um retorno a “vida normal”; mas, qual é o significado da “normalidade”
quando tantos já não mais existirão?
O país se transformou no cachorro
que corre atrás do próprio rabo e não sai do lugar. Sua inércia se sustenta na
incapacidade de foco, de lucidez, de querer ser resolutivo frente as demandas. Só
que o tempo não espera. A Pandemia também não.
De modo que não dá mais para postergar;
é preciso agir. Porque tudo está escorrendo pelo ralo e corre-se o risco de não
sobrar nem escombros para recomeçar. Se transitamos até aqui sem um plano de
ação contundente, imagine só, se há um plano ou rota de fuga?!
Chega de discursos vãos! Chega de
palavras ao vento! Agora, tudo se resume em deixar viver ou deixar morrer. O que
se traduz em entender exatamente a significância dessas questões, ou seja, ultrapassando
convicções, valores e princípios. Abdicando de enxergar o mundo apenas do seu próprio
prisma e oferecendo ao outro a possibilidade de ser apenas humano, despojando-o
de eventuais rótulos e diferenças.
Embora, os dias estejam se arrastando
angustiantes, não tem que ser assim. A verdade é que tudo depende do quanto
ainda se permitirá estender as omissões, as indiferenças. Segundo Jean Cocteau,
“o tato na audácia é sabermos até onde
podemos ir”. E se a angústia toma conta da sociedade é sinal de que os
limites já foram ultrapassados e só resta parar, antes que tudo se restrinja a
um amontoado de arrependimentos coletivos inúteis.