domingo, 21 de março de 2021

Antes que seja tarde demais


Antes que seja tarde demais

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Sinceramente, eu não sei para onde foi o bom senso. Mas, acreditar que qualquer polarização ideológica vai contribuir, nesse momento, para uma solução efetiva; isso já é insanidade demais. O que está em xeque são vidas e ponto final. É preciso olhar para as demandas de sobrevivência humana.

Culpados existem aos montes. Seja pela ação incorreta. Seja pela omissão. Seja pela distorção e banalização dos fatos. Seja pela intenção maquiavélica em obstaculizar quaisquer medidas de mitigação e resolução. ... No entanto, quaisquer que sejam os fundamentos que elevem o tom da indignação popular, todos eles não acompanham a velocidade funesta do vírus.

Enquanto as pessoas se digladiam nos espaços reais e virtuais da convivência humana, o país está em sobressalto diante das inúmeras insuficiências que permeiam a cadeia de tratamento da COVID-19 e colocam em risco a sua qualidade e dignidade a serem oferecidas.

Aliás, nesse sentido, é bom ressaltar como a utilização do chamado “kit COVID” ou “tratamento preventivo” contribuiu para o gargalo que se criou nos últimos meses, com o agravamento dos quadros clínicos. Essa prática, inclusive, desconsiderou totalmente a presença de variantes virais mais contagiantes e agressivas, as quais passaram a alterar o perfil dos infectados. A referida contestação infundada da Ciência fez não só as pessoas perderem tempo discutindo inutilmente a eficácia daquilo que é ineficaz para a Pandemia; mas, as fez perder a vida por isso.

A guerra ideológica que se estabeleceu no país criou um monstro que saiu das sombras nessa Pandemia. Se ninguém queria enxergar o prejuízo do desmantelamento científico nas universidades federais, tudo ficou evidente quando estas não puderam auxiliar satisfatoriamente as linhas de frente, por falta de recursos e insumos. Então, não só as pesquisas e as testagens foram prejudicadas; mas, os hospitais universitários também não foram colocados a trabalhar com força máxima no atendimento pandêmico.

No campo da vacinação, o mesmo desmantelamento. Idas e vindas decisórias. Impertinência diante dos laboratórios produtores. Preciosismos analíticos. Ingerências burocráticas. Carência de doses. ... Um cenário que resultou inevitavelmente no atraso da imunização no país.

O que significa que a cada obstáculo milimetricamente posicionado nessa guerra biológica a sociedade saiu perdendo. Só houve um vencedor até aqui; o vírus. Foi dado a ele todas as condições de permanecer ativo, circulante e capaz de se adaptar com mais potência. Enquanto isso, a avalanche retórica de ofensas e de comiseração seguiu seu curso.

Quase 300 mil mortos. A continuar assim, alcançaremos em breve os 500 mil. Estranho é que as pessoas não refletem como tudo isso não faz sentido algum. Choramingam pelo cotidiano; mas, nem se dão ao trabalho de admitir que ele não existe sem seres humanos. Choramingam por um retorno a “vida normal”; mas, qual é o significado da “normalidade” quando tantos já não mais existirão?

O país se transformou no cachorro que corre atrás do próprio rabo e não sai do lugar. Sua inércia se sustenta na incapacidade de foco, de lucidez, de querer ser resolutivo frente as demandas. Só que o tempo não espera. A Pandemia também não.

De modo que não dá mais para postergar; é preciso agir. Porque tudo está escorrendo pelo ralo e corre-se o risco de não sobrar nem escombros para recomeçar. Se transitamos até aqui sem um plano de ação contundente, imagine só, se há um plano ou rota de fuga?!

Chega de discursos vãos! Chega de palavras ao vento! Agora, tudo se resume em deixar viver ou deixar morrer. O que se traduz em entender exatamente a significância dessas questões, ou seja, ultrapassando convicções, valores e princípios. Abdicando de enxergar o mundo apenas do seu próprio prisma e oferecendo ao outro a possibilidade de ser apenas humano, despojando-o de eventuais rótulos e diferenças.

Embora, os dias estejam se arrastando angustiantes, não tem que ser assim. A verdade é que tudo depende do quanto ainda se permitirá estender as omissões, as indiferenças. Segundo Jean Cocteau, “o tato na audácia é sabermos até onde podemos ir”. E se a angústia toma conta da sociedade é sinal de que os limites já foram ultrapassados e só resta parar, antes que tudo se restrinja a um amontoado de arrependimentos coletivos inúteis.