Enquanto
tudo parece dominado pela infâmia caótica...
Por
Alessandra Leles Rocha
Há alguns anos isso
seria totalmente impensado; mas, com o COVID-19 houve uma desglamourização da
Medicina. A velha ideia que trazia a profissão ao pedestal do endeusamento ruiu,
diante do desrespeito aviltante que toma conta da sociedade brasileira. Seja no
serviço público ou privado, esses profissionais vêm sendo lançados as arenas da
Pandemia, submetidos a exaustão de seus esforços e conhecimentos, conjuntamente
com os demais membros dos corpos de saúde nacionais.
Isso significa que os
horrores trazidos por essa recém-descoberta patológica se abateram democraticamente
sobre todos. E a perda desses profissionais transforma os desafios em algo
ainda mais difícil de superar, pois a complexidade logística impossibilita a sua
reposição. Não se formam médicos e equipes intensivistas da noite para o dia;
sobretudo, para atuar em condições tão extremas como as atuais.
A ideia romantizada
do médico de família, do profissional elegante e disponível em seu consultório
bem montado, trabalhando com o melhor da tecnologia disponível no mercado,
ficou no passado. A realidade trouxe para a cena de guerra todos aqueles que estejam disponíveis
e aptos a arregaçar as mangas. Mas, mesmo assim, a carência de profissionais
ainda persiste, porque o ritmo frenético dos trabalhos e da contaminação pelo
vírus compromete a manutenção plena das equipes; visto que, muitos precisam ser
compulsoriamente afastados.
Enquanto isso, a
mesma sociedade que reverenciava e aplaudia esses profissionais agora não se constrange
em mantê-los trabalhando nessas condições. Aliás, é acintoso e curioso seu
negacionismo para com a Ciência. Afinal de contas, ao mesmo tempo em que
desqualificam e desconsideram às normas de prevenção à doença, sentem-se
amplamente seguros pela existência desses profissionais, os quais no uso de seus
conhecimentos, possam cuidá-los e assisti-los caso fiquem doentes. Tratam,
portanto, as equipes de saúde como reles empregados à sua disposição.
Ao contrário do que
possam pensar, mais do que qualquer glamour, o que retiram desses profissionais,
a partir dessas atitudes e comportamentos, é algo muito maior e emblemático. Retiram-lhes
o respeito humano e profissional, a dignidade, a sabedoria acumulada em longas
e extenuantes jornadas de aprendizado e aprimoramento. O que promove uma frustração
em massa e um questionamento profundo por parte desses profissionais, se vale
mesmo a pena continuar esse sacrifício.
Ora, por trás de cada
máscara, de cada avental, há um ser humano. Um ser que tem família, que tem
amigos, que tem amores, que tem sonhos, que tem necessidades, enfim... Pessoas
que escolheram servir aos outros na medida do acolhimento, do tratamento, do
alívio das dores do corpo e da alma, ultrapassando, muitas vezes, os próprios
limites. Dedicação absoluta por horas e horas a fio, numa corrida contra o
tempo, contra as adversidades conjunturais, contra a teimosia insistente da
morte.
Na vida, para o Bem
ou para o Mal, as consequências são inevitáveis. Enquanto tudo parece dominado
pela infâmia caótica, antes do que se possa imaginar o verdadeiro caos estará erguido.
Porque pelo menos 33 países já identificaram variante mais contagiosa do
COVID-19, incluindo o Brasil; o que significa, que a doença se espalha
avassaladoramente.
Já vi a morte de
perto e sei o que estou dizendo nessas palavras. O senso de humanidade reside
em uma manifestação de via dupla. Não acredito em obrigação. Acredito em bom
senso, em escolha, em vontade de fazer; especialmente, pelo outro como gostaria
que fizessem por mim. Empatia? Sim; empatia fraterna, solidária, genuinamente
humanitária. Porque somente assim é possível alcançar o resultado de ter mais
um tijolinho na construção do que se imagina um mundo mais belo, mais justo,
melhor.