sábado, 2 de janeiro de 2021

Enquanto tudo parece dominado pela infâmia caótica...


Enquanto tudo parece dominado pela infâmia caótica...

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Há alguns anos isso seria totalmente impensado; mas, com o COVID-19 houve uma desglamourização da Medicina. A velha ideia que trazia a profissão ao pedestal do endeusamento ruiu, diante do desrespeito aviltante que toma conta da sociedade brasileira. Seja no serviço público ou privado, esses profissionais vêm sendo lançados as arenas da Pandemia, submetidos a exaustão de seus esforços e conhecimentos, conjuntamente com os demais membros dos corpos de saúde nacionais.

Isso significa que os horrores trazidos por essa recém-descoberta patológica se abateram democraticamente sobre todos. E a perda desses profissionais transforma os desafios em algo ainda mais difícil de superar, pois a complexidade logística impossibilita a sua reposição. Não se formam médicos e equipes intensivistas da noite para o dia; sobretudo, para atuar em condições tão extremas como as atuais.

A ideia romantizada do médico de família, do profissional elegante e disponível em seu consultório bem montado, trabalhando com o melhor da tecnologia disponível no mercado, ficou no passado. A realidade trouxe para a cena de guerra todos aqueles que estejam disponíveis e aptos a arregaçar as mangas. Mas, mesmo assim, a carência de profissionais ainda persiste, porque o ritmo frenético dos trabalhos e da contaminação pelo vírus compromete a manutenção plena das equipes; visto que, muitos precisam ser compulsoriamente afastados.

Enquanto isso, a mesma sociedade que reverenciava e aplaudia esses profissionais agora não se constrange em mantê-los trabalhando nessas condições. Aliás, é acintoso e curioso seu negacionismo para com a Ciência. Afinal de contas, ao mesmo tempo em que desqualificam e desconsideram às normas de prevenção à doença, sentem-se amplamente seguros pela existência desses profissionais, os quais no uso de seus conhecimentos, possam cuidá-los e assisti-los caso fiquem doentes. Tratam, portanto, as equipes de saúde como reles empregados à sua disposição.

Ao contrário do que possam pensar, mais do que qualquer glamour, o que retiram desses profissionais, a partir dessas atitudes e comportamentos, é algo muito maior e emblemático. Retiram-lhes o respeito humano e profissional, a dignidade, a sabedoria acumulada em longas e extenuantes jornadas de aprendizado e aprimoramento. O que promove uma frustração em massa e um questionamento profundo por parte desses profissionais, se vale mesmo a pena continuar esse sacrifício.

Ora, por trás de cada máscara, de cada avental, há um ser humano. Um ser que tem família, que tem amigos, que tem amores, que tem sonhos, que tem necessidades, enfim... Pessoas que escolheram servir aos outros na medida do acolhimento, do tratamento, do alívio das dores do corpo e da alma, ultrapassando, muitas vezes, os próprios limites. Dedicação absoluta por horas e horas a fio, numa corrida contra o tempo, contra as adversidades conjunturais, contra a teimosia insistente da morte.

Na vida, para o Bem ou para o Mal, as consequências são inevitáveis. Enquanto tudo parece dominado pela infâmia caótica, antes do que se possa imaginar o verdadeiro caos estará erguido. Porque pelo menos 33 países já identificaram variante mais contagiosa do COVID-19, incluindo o Brasil; o que significa, que a doença se espalha avassaladoramente.

Já vi a morte de perto e sei o que estou dizendo nessas palavras. O senso de humanidade reside em uma manifestação de via dupla. Não acredito em obrigação. Acredito em bom senso, em escolha, em vontade de fazer; especialmente, pelo outro como gostaria que fizessem por mim. Empatia? Sim; empatia fraterna, solidária, genuinamente humanitária. Porque somente assim é possível alcançar o resultado de ter mais um tijolinho na construção do que se imagina um mundo mais belo, mais justo, melhor.