segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

As perdas e suas reflexões...


As perdas e suas reflexões...

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Sempre tive em mente que as perdas humanas chegariam com a velhice. Me enganei feio! Observando o movimento que a Pandemia tem desenhado sobre a vida, me coloquei a pensar a respeito e percebi que muito antes do esperado já havia me despedido de muita gente. Entre próximos e distantes, queridos e não tão queridos assim, a lista já se faz bem significativa para alguém que nem chegou aos 50.

Então, fui arrebatada por milhares de lembranças. Momentos especiais e triviais do cotidiano, os quais essas pessoas fizeram parte comigo. Tempos bons, em que eu nem cogitava pensar na ausência doída delas. Tempos em que tudo parecia ser para sempre; apesar da Legião Urbana cantar “...Que o pra sempre / Sempre acaba...”1. Mas, por teimosia e implicância a gente faz vista grossa e tenta não dar muita importância.

E cada luz que ia se apagando ia deixando uma marca, um gosto de quero mais, uma insuficiência do tempo compartilhado. Será que demos o melhor de nós naqueles momentos? Será que fizemos tudo o que poderíamos fazer juntos? Será que não haveria mais risos e gargalhadas? Será que usufruímos de toda a felicidade do mundo? ...

Talvez as perguntas se auto respondam. Talvez silenciem. Mas, tudo foi como deveria ser. Não cabem conjecturas a respeito. No entanto, todas elas dão conta da dimensão de como lidamos com a vida. De como construímos nossas relações, nossos afetos, nossas histórias. O que é de suma importância para mensurar o grau de comprometimento que pudemos estabelecer, para construir um lado bom mais representativo.

Viver por viver é fácil. Mas, viver no sentido de uma existência produtiva e significante é uma escolha desafiadora. Você se lança sem redes de proteção. Às vezes dá certo, outras não. E, assim, vai computando as vitórias, as derrotas, as alegrias, as tristezas, os sucessos, as frustrações... moldando a estrutura que faz de você quem é, na companhia de tanta gente que, mesmo como coadjuvante nesse processo, jamais deixou de ser essencial.

Porque seres humanos precisam de seres humanos para existir, para sobreviver, para sonhar, para produzir, ... para tudo. Ainda que a individualidade aponte nossas particularidades e especificidades, não somos autossuficientes o bastante para viver a solitude de uma solidão. Por isso, ainda que em memória suas presenças permanecem força e acalento; na medida em que conseguem extrair do mais profundo de nossas almas a energia que sempre nos uniu.

De certo modo isso nos ajuda a traçar uma outra perspectiva para o desconforto causado pelo isolamento social durante esse momento pandêmico. Porque esse é só um distanciamento temporário e que não impede o estabelecimento de contato por outras formas. Afinal, as limitações corpóreas, como abraços e beijos, não resumem o afeto, a sensibilidade, a emoção. Ainda podemos sentir e perceber a presença, a companhia, a troca por meio de vídeos, de palavras, de músicas, ...

Essa ausência de agora tem outro significado. É respeito. É carinho. É amor. É cuidado. É solidariedade. Fundamentos que dignificam o nosso senso de humanidade e nos fazem transcender as fronteiras, os espaços geográficos, para sobreviver e resistir nos campos da subjetividade existencial.  Assim, já, já, estaremos juntos de novo. Quem sabe, valorizando mais esses encontros, essas parcerias, essas presenças.

A Pandemia promoveu uma pausa. Estamos tendo tempo suficiente para pensar a respeito, para ressignificar as ausências até aqui, para extrair das reflexões preciosas lições, para olhar para a vida a partir de outras nuances. Porque, “Nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo; todos são parte do continente, uma parte de um todo. Se um torrão de terra for levado pelas águas até o mar, a Europa ficará diminuída como se fosse um promontório, como se fosse o solar de teus amigos ou o teu próprio; a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não pergunte por quem os sinos dobram; eles dobram por vós” (John Donne – Meditações VII).

 

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