As
perdas e suas reflexões...
Por
Alessandra Leles Rocha
Sempre tive em mente que as
perdas humanas chegariam com a velhice. Me enganei feio! Observando o movimento
que a Pandemia tem desenhado sobre a vida, me coloquei a pensar a respeito e
percebi que muito antes do esperado já havia me despedido de muita gente. Entre
próximos e distantes, queridos e não tão queridos assim, a lista já se faz bem
significativa para alguém que nem chegou aos 50.
Então, fui arrebatada por milhares
de lembranças. Momentos especiais e triviais do cotidiano, os quais essas
pessoas fizeram parte comigo. Tempos bons, em que eu nem cogitava pensar na ausência
doída delas. Tempos em que tudo parecia ser para sempre; apesar da Legião
Urbana cantar “...Que o pra sempre / Sempre acaba...”1.
Mas, por teimosia e implicância a gente faz vista grossa e tenta não dar muita importância.
E cada luz que ia se apagando ia deixando
uma marca, um gosto de quero mais, uma insuficiência do tempo compartilhado.
Será que demos o melhor de nós naqueles momentos? Será que fizemos tudo o que poderíamos
fazer juntos? Será que não haveria mais risos e gargalhadas? Será que usufruímos
de toda a felicidade do mundo? ...
Talvez as perguntas se auto
respondam. Talvez silenciem. Mas, tudo foi como deveria ser. Não cabem
conjecturas a respeito. No entanto, todas elas dão conta da dimensão de como
lidamos com a vida. De como construímos nossas relações, nossos afetos, nossas
histórias. O que é de suma importância para mensurar o grau de comprometimento
que pudemos estabelecer, para construir um lado bom mais representativo.
Viver por viver é fácil. Mas,
viver no sentido de uma existência produtiva e significante é uma escolha
desafiadora. Você se lança sem redes de proteção. Às vezes dá certo, outras
não. E, assim, vai computando as vitórias, as derrotas, as alegrias, as
tristezas, os sucessos, as frustrações... moldando a estrutura que faz de você quem
é, na companhia de tanta gente que, mesmo como coadjuvante nesse processo,
jamais deixou de ser essencial.
Porque seres humanos precisam de
seres humanos para existir, para sobreviver, para sonhar, para produzir, ...
para tudo. Ainda que a individualidade aponte nossas particularidades e
especificidades, não somos autossuficientes o bastante para viver a solitude de
uma solidão. Por isso, ainda que em memória suas presenças permanecem força e
acalento; na medida em que conseguem extrair do mais profundo de nossas almas a
energia que sempre nos uniu.
De certo modo isso nos ajuda a
traçar uma outra perspectiva para o desconforto causado pelo isolamento social
durante esse momento pandêmico. Porque esse é só um distanciamento temporário e
que não impede o estabelecimento de contato por outras formas. Afinal, as limitações
corpóreas, como abraços e beijos, não resumem o afeto, a sensibilidade, a
emoção. Ainda podemos sentir e perceber a presença, a companhia, a troca por
meio de vídeos, de palavras, de músicas, ...
Essa ausência de agora tem outro
significado. É respeito. É carinho. É amor. É cuidado. É solidariedade. Fundamentos
que dignificam o nosso senso de humanidade e nos fazem transcender as
fronteiras, os espaços geográficos, para sobreviver e resistir nos campos da
subjetividade existencial. Assim, já,
já, estaremos juntos de novo. Quem sabe, valorizando mais esses encontros,
essas parcerias, essas presenças.
A Pandemia promoveu uma pausa. Estamos
tendo tempo suficiente para pensar a respeito, para ressignificar as ausências até
aqui, para extrair das reflexões preciosas lições, para olhar para a vida a
partir de outras nuances. Porque, “Nenhum
homem é uma ilha, isolado em si mesmo; todos são parte do continente, uma parte
de um todo. Se um torrão de terra for levado pelas águas até o mar, a Europa
ficará diminuída como se fosse um promontório, como se fosse o solar de teus
amigos ou o teu próprio; a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte
do gênero humano. E por isso não pergunte por quem os sinos dobram; eles dobram
por vós” (John Donne – Meditações VII).