O
tênue limite entre o medo e a irresponsabilidade
Por
Alessandra Leles Rocha
Essa não é a
primeira e, com certeza, não será a última epidemia a assolar o planeta 1. O que a torna tão assustadora, talvez,
não esteja exatamente no seu grau de virulência, mas na conjuntura
socioambiental que dispomos. Depois de tantas revoluções industriais, de tanta
urbanização, de tanto crescimento populacional seria interessante parar e
pensar diante desse momento tão intenso.
O desconhecido é
sempre um enigma a ser desvendado. No caso da Ciência, cada novo vírus que
emerge entre nós demanda o seu próprio tempo para ser plenamente conhecido e
tratado satisfatoriamente. Até agora, por exemplo, há uma corrida científica
para se descobrir o hospedeiro ou os hospedeiros possíveis para o COVID-19 2.
Do ponto de vista
microbiológico, tendo em vista se tratar de um RNA vírus, tal como o Ebola,
Hepatite C e o HIV, alguns países já pensam em utilizar medicamentos
retrovirais destinados ao tratamento da AIDS para tratar o COVID-19 3; mas, outras possibilidades, também,
estão sendo testadas.
Enquanto os olhos
do mundo se voltam para a nova epidemia global, a vida no seu cotidiano parece
ficar em suspenso. O que começou pela China, um dos grandes gigantes da economia
mundial, fez com que o impacto sobre a cadeia global de suprimentos
tecnológicos fosse imediato, em razão da suspensão na produção, ou seja,
paralisia das atividades. Como consequência, as bolsas de valores começaram a
cair e o temor em relação à desaceleração econômica mundial cresce a cada novo
boletim de notícias 4.
Quem
diria que algo invisível seria capaz de colocar em xeque-mate o mundo
globalizante e globalizado! Um vírus. Apenas um tipo e tamanha perplexidade se
instalou entre nós. A questão é que estamos literalmente imersos em um oceano
deles. Uma grande maioria encontra-se na natureza. Principalmente em áreas
florestais. Todos invisíveis. Todos imperceptíveis até...
Mas,
alheio a esse fato se alastra pelo Brasil o discurso do progresso pelo
progresso, o que se inicia pela destruição maciça das nossas reservas naturais
ou florestais, como queiram. Incêndios. Desmatamentos. Garimpagem ilegal em
reservas indígenas. Enfim... Chega, então, pelos veículos de comunicação e
informação que, na atual conjuntura, sem nenhum constrangimento, um deputado
federal do Estado de Roraima impôs a força de uma motosserra para derrubar o
bloqueio que dá acesso à Terra indígena Waimiri
Atroari, ocupada pelo povo Kinja, na
BR-174 5.
Na
visão dele e de tantos outros apenas a “libertação” para o
desenvolvimento
nacional. Quando, na verdade, se trata da mais pura tradução do
progresso
irrefletido. Nas entrelinhas da devastação natural escondem-se
mistérios, os quais não sonha “nossa vã filosofia”. A perda da Biota e a
usurpação do espaço indígena
para apropriação pelo homem branco, no fim das contas, não passa da
ponta do
iceberg.
Armazenados
em reservatórios biológicos existentes nesses espaços geográficos estão inúmeras
espécies de vírus, bactérias, protozoários, helmintos e fungos que podem gerar
transtornos inimagináveis; sobretudo, pelo fato de que muitos são ainda
desconhecidos pela própria Ciência. Os impactos sentidos pela sociedade
brasileira, na atualidade, quanto à Dengue, Zika e Chikungunya, por exemplo, já
fornecem demonstrações suficientes para, ao menos, dimensionarmos o que estaria
pela frente.
No
caso dos exemplos acima, eles estão situados dentro de um grande grupo denominado
Arbovírus (Arthropod-borne virus). Isso
significa que “parte do seu ciclo de replicação
ocorre nos insetos, podendo ser transmitidos aos seres humanos e outros animais
pela picada de artrópodes hematófagos. Dos mais de 545 espécies de Arbovírus conhecidos,
cerca de 150 causam doenças em humanos. As arboviroses têm representado um
grande desafio à saúde pública, devido às mudanças climáticas e ambientais e
aos desmatamentos que favorecem a amplificação, a transmissão viral, além da
transposição da barreira entre espécies” 6·.
O
senso de responsabilidade nacional precisa, portanto, estar além do que se vê
ou se imagina. Em pleno século XXI, ainda, somos vítimas da Dengue, da Febre Amarela,
da Malária, da Tuberculose, da Esquistossomose, da Hanseníase, conhecidas como Doenças
Tropicais. “Presentes em 149 países, as
doenças tropicais negligenciadas representam um inimigo que se aproveita da
fragilidade social e econômica. São vírus, bactérias e parasitos que atingem um
bilhão de pessoas, sobretudo na faixa tropical do globo, onde se concentram as
populações mais vulneráveis dos países em desenvolvimento. Com a intensa
circulação de pessoas, o problema se torna cada vez mais uma questão global.
[...] Mais do que um problema para a saúde, as doenças negligenciadas
configuram um entrave ao desenvolvimento humano e econômico das nações” 7. Em outro recorte, havíamos erradicado o Vírus
do Sarampo e veja só o que aconteceu graças, em grande parte, a disseminação irresponsável
de Fake News.
Enfim,
quem não se lembra do filme Contágio (Contagion),
de 2011 8?! Não se trata, então, de uma mera discussão
ecológica, econômica ou de saúde pública. Se o COVID-19, que apareceu
primeiramente na China, já alcançou o mundo, com exceção da Antártida, e afetou
a economia brasileira do ponto de vista da queda das exportações, falta de
peças para a indústria de eletrônicos e eletrodomésticos, fuga de
investimentos, alta do dólar, crise no turismo 9,
o que seria de uma epidemia nos mesmos moldes emergida aqui? Como o restante do
mundo enxergaria o Brasil?
Dizem
por aí, que “quem brinca com fogo acaba
queimado”. Nosso país precisa saber exatamente que postura quer adotar para
seguir em frente, que imagem quer transmitir dentro e fora das suas fronteiras;
afinal de contas, como disse Abraham
Lincoln 10, “Você não consegue escapar da responsabilidade de amanhã esquivando-se
dela hoje”.
10 Foi o 16º
Presidente dos EUA e o 1º do Partido Republicano.