Em
tempos de Carnaval...
Por
Alessandra Leles Rocha
Enfim, o Carnaval. A festa de Momo está em cada
canto do país. Mas, há muito tempo já não é a mesma. Não porque o anfitrião
gorducho emagreceu. Ou a festa saiu dos clubes para ganhar a dimensão das
avenidas e ruas das capitais e do interior. Ou porque as marchinhas passaram a
dividir espaço com outros ritmos e estilos musicais. ...A questão é que o
Carnaval parece não conseguir mais cumprir o papel de um alento social que
durava quatro dias por ano.
Sim, a velha e boa catarse carnavalesca
apresenta-se inócua diante da rudeza cotidiana. Que pena! A alegria satírica
não consegue mais esconder a insatisfação, a frustração, o desconforto.
Alegorias, adereços, confetes e serpentinas colorem, divertem, agitam; mas, são
incapazes de sublimar o que transcende à mente e alcança um brilho embaçado na
retina.
Nem todos os mascarados desfilam pelos cordões e
blocos. E muita gente já se deu conta disso. Afinal, as máscaras tornaram-se
desnecessárias diante de uma verborragia explicitamente agressiva e contínua.
Atos, intenções e omissões estão às claras para quem estiver disposto a
enxergar. Para isso basta retirar do rosto o nariz de palhaço ou se despedir da
fantasia de Bobo da Corte.
Sabe, ninguém espera mais pela decepção da
Quarta-Feira de Cinzas. Era assim em outros tempos, quando as notícias que
iriam repercutir em desdobramentos ruins ou péssimos para a população chegavam
logo após o fim do carnaval, momento tido como o início dos trabalhos no
país. Agora não. Em conta gotas, em meio
à chuva, elas chegam para curar a ressaca de cada um dos quatro dias.
Literalmente o folião brasileiro está “afogando as mágoas”.
E quantas? Entre mazelas crônicas, desastres
anunciados e absurdos sem resposta, a lista se agiganta. Mas quem se importa?
Mágoas que deveriam nos unir pela empatia, ainda refletem um sentimento
estranho de isolamento social. Como se a mágoa de um não pudesse ser, também, a
do outro. Como se não pudéssemos exercer a fraternidade sem obstáculos,
rótulos, classes, gêneros,... Tornando essas mágoas menos difíceis e
intransponíveis. Ah, e como seria bom!
As pessoas se enganam quando restringem à
comunicação apenas ao verbal e ao escrito. Em tempos de Carnaval, fantasias e
adereços são formas de linguagem muito importantes, porque expressam, mesmo que
de forma inconsciente, as convicções, os pensamentos, as crenças e os valores
de cada um. Que bom seria, então, se
elas se transformassem em um belo discurso coletivo, a céu aberto, contra a
Xenofobia, a Homofobia, a Misoginia, o Racismo, a Violência gratuita.
Essa é a expressão catártica que deveríamos
promover conjuntamente. Ainda que a selvageria faça parte da essência humana,
nossa espécie já passou por poucas e boas até aqui para continuar manifestando
que não evoluiu nem um pouquinho. O apego ao primitivismo só faz reduzir dia a
dia o que podemos ser ter e construir.
Mas, se o Carnaval ainda consegue nos agregar de
algum modo, que possamos nos desapegar, então, “do lado escuro da força”. Como dizem por aí, “gente é pra brilhar, gente é pra ser
feliz”. Esse deve ser o lema do
estandarte geral. Ah, só não pense que por ser Carnaval isso signifique
mergulhar de cabeça em potes de purpurina e lantejoulas, ou sair distribuindo
euforia desmedida por aí.
É brilhar o que se tem de melhor; como fogos de
artifício das virtudes, das ressonâncias humanas, da alegria genuína e
simples. É ser feliz na busca de uma
felicidade menos egocêntrica, individualista, materialista. Ou seja, um brilho
e uma felicidade que só encontram paz e sossego para florescer em um ambiente
que cuida para combater a hostilidade, a perversidade, a indiferença, a
intolerância ou quaisquer outras formas de abismo social.
Aí, quem sabe, poderemos ver muita gente de alma
lavada, cantarolando de novo o samba enredo da União da Ilha do Governador, do
Carnaval carioca de 1982, que diz: “É
hoje o dia da alegria e a tristeza/ Nem pode pensar em chegar/ Diga espelho meu
/ Se há na avenida / Alguém mais feliz que eu...”.