A aparente liberdade tecnológica
Por Alessandra Leles Rocha
Não há como
negar que a tecnologia trouxe uma experimentação abusiva da sensação de fissura
experimentada por usuários de álcool e drogas, na medida em que a dependência de
recursos como celulares, i-phones, i-pads tornou-se vital para uma grande
parcela da população mundial. As pessoas dormem e acordam sob a interação
direta com o mundo tecnológico.
Nem cabe
mais tratar essa questão como mero reflexo de ostentação social ou capacidade
de compra; o fenômeno vai muito além disso. O cotidiano das pessoas se
desenvolve em torno desses recursos, como se não fosse mais possível ser
diferente. A chamada geração “conectada” de fato permitiu se conectar com a
máquina, como se essa fosse uma extensão do seu próprio corpo.
Assim,
pequenos milhões de núcleos individuais representam universos paralelos que praticam,
gradualmente, o desaprender da coexistência humana nos seus aspectos mais
triviais, ou seja, a sensibilidade, a liberdade, a criatividade, a empatia, a
emoção. Isso significa que estamos, conscientes ou não, permitindo que muros
sejam erguidos entre nós.
Como explica a Prof.ª Dr.ª Maria José
R. Faria Coracini 1, “Constituindo momentos
de prazer que, seguidos uns dos outros, parecem garantir a felicidade, ainda
que passageira, a mercadoria colabora para a construção do que se poderia
chamar mundo descartável e, na avalanche dos objetos, vão de embrulho os seres
humanos que se transforma também em objetos descartáveis, com os quais não se
constroem laços sociais, não há envolvimento, pelos quais não se têm
responsabilidade...”.
É preciso bom senso para entender que
tudo em excesso não é bom, não é produtivo. As tecnologias têm se tornado o
único meio para alcançar o prazer ou a segurança; de modo que as pessoas se
apegam as ferramentas em tempo integral (quando vão ao banheiro, para cama, para a mesa de jantar etc.). Não há mais espaço na vida desses indivíduos sem a tecnologia, ao ponto
de se sentirem em crise de “abstinência” quando a falta dessa se concretiza,
podendo ser caracterizada por mau humor, tremores, ansiedade, agressividade e
tristeza. O hábito de teclar ou de passar as páginas da tela virtual está tão
absorvido pelo inconsciente que muitas pessoas precisam ter algo nas mãos para
simular esses gestos e, assim, poderem aliviar a tensão.
Mas, não é
só isso. O uso indiscriminado das ferramentas tecnológicas provoca lesões por
esforço repetitivo, principalmente nas mãos e no pescoço, ocasionando
afastamento das atividades educacionais e profissionais e eventuais prejuízos financeiros. A contração excessiva
da musculatura dos olhos promove o surgimento de diversas doenças oculares, tais como miopia, astigmatismo, síndrome do olho seco. O
uso constante de fones de ouvido além de obstruir o canal auditivo favorece a
prática de se ouvir o som muito alto, o que pode causar dano irreversível na
audição; fenômeno cada vez mais comum entre adolescentes e jovens. Sem contar que teclados de computador, celulares, tablets e fones de
ouvido são fontes de proliferação de microrganismos nocivos à saúde; sobretudo,
quando compartilhados com diversas pessoas.
Já dizia
Albert Einstein, “tornou-se chocantemente óbvio que a nossa tecnologia excedeu
a nossa humanidade”. Portanto, não se trata aqui de demonizar a tecnologia e
seus usos; mas, de conclamar a reflexão para os descaminhos que esse processo
vem trilhando. A evolução tecnológica avança sobre a humanidade em uma
velocidade absurda e, justamente por isso, é fundamental se estabelecer limites
e controles, de modo que os prejuízos sociais e com a saúde física e mental não
sobreponham aos eventuais benefícios. O ser humano precisa continuar humano;
caso contrário, não haverá muita diferença entre nós e os robôs.
1 CORACINI, M. J. R. F. Concepções
de Leitura na (Pós-) Modernidade. In: LIMA, R. C. de C. P. (Org.). Leitura: múltiplos olhares. Campinas:
Mercado de Letras; São João da Boa Vista: Unifeob, 2005. p.15-44.