Em
nome de quem?
Por
Alessandra Leles Rocha
Depois pensamos.
Depois transformamos. Depois... Depois... Depois... Quando, na verdade,
deveríamos tratar a vida no exato momento do agora. Hoje que se celebram os 100
anos do fim da 1ª Guerra Mundial (ou a Grande Guerra), essa reflexão é bastante
oportuna. O que é uma guerra senão uma postergação infinita de atitudes, as
quais mal resolvidas explodem na fúria do descontrole?
A guerra não é um
rompante. Ela é uma sucessão de acontecimentos, de decisões, de ações que se
arrastam até um desfecho lamentável. E tudo por quê? Porque ao invés do
diálogo, da busca por denominadores comuns, da capacidade de ceder em nome da
paz e do equilíbrio, o ser humano se enche de vaidade, de soberba, de
indiferença, como se o mundo se resumisse à sua própria existência.
É. Há narcisismo no
comportamento da guerra. O mais forte. O mais rico. O mais bem equipado
belicamente. O mais... Que se separa, por meio de uma linha divisória imaginária,
de um resto que ele acredita ser menos. Menos forte. Menos rico. O menos equipado
belicamente. E assim surgem os superiores e os inferiores. Os que têm algum
direito e os que não têm. Os que devem e os que não devem morrer.
Pena que em uma
guerra a morte não reconhece essa linha divisória. A morte é humana e não
obedece a rótulos, nem tampouco serve aos devaneios e insanidades dos homens. Seu
papel em tempos de guerra é ressignificar a vitória, apontando a verdade que
ali do fronte não se erguem vencedores; pois, é a derrota que se exibe.
A derrota em todas
as suas nuances. Derrota na incapacidade de coexistir. De compreender e aceitar
as diferenças. De pensar em longo prazo um futuro bom capaz de abraçar a
muitos. Derrota que devolve a terra quem dela veio algum dia. Isso, quando não
deixa um rastro de gente mutilada no corpo e na alma, sem grandes esperanças de
sorrir com a propriedade de quem é realmente feliz.
E quantas não foram
as guerras que a humanidade já assistiu. A história não falha em relembrá-las. Os
registros são firmes e contundentes, de modo que as palavras ganham vida no
horror das experiências que elas traduzem. Ler esses episódios trevosos e
impregnados pela ignorância humana deveria nos fazer ao menos pensar.
Pensar sobre a
efemeridade da existência. Como a vida pode ser breve. Como nós podemos torná-la
tão breve. Pensar sobre o modo como nos relacionamos com nossos semelhantes. Pensar
o porquê do nosso desconforto diante de coisas tão insignificantes e tão
irrelevantes à nossa própria existência. Pensar sobre a nossa função nas
engrenagens do mundo. Pensar... Pensar... Pensar...
Nos últimos 100
anos a humanidade conquistou tudo o que precisa para desencadear uma grande
guerra. Em contrapartida, passou a viver cada vez mais distante da paz. No
fundo, a verdade é que fracassamos na domesticação do nosso primitivismo. Continuamos
bárbaros, sanguinários, violentos. Não mais com pedras e paus nas mãos; mas,
com tanques, fuzis e ogivas nucleares sob nosso controle.
A guerra nesses
últimos 100 anos mostrou como é fácil dizimar centenas de milhares de uma só
vez. Evidenciou o tamanho do desequilíbrio nos confrontos. Mas, sobretudo, não
perdoou a vida de inocentes perdidos entre os escombros. Bem como, elevou a
disputa pela sobrevivência a níveis dramáticos de sofrimento e indigência. Afinal,
na semente da guerra está o êxodo, a busca por um lugar onde se possa viver e
sonhar.
E de tanto pensar que
só a guerra resolve a guerra chegamos aonde chegamos. Erguendo muros materiais
e imateriais, não para apartar pessoas, mas para nos impedir de enxergar os
impactos tenebrosos da desigualdade, da humilhação, da ganância, da intolerância,...
No fundo, para nos sentirmos menos culpados por todos os atos e as omissões praticadas.
Pena, que esses muros são ineficientes são incapazes de aplacar as vozes
silenciosas que gritam no inconsciente de cada um.
Há 100 anos vivemos
diariamente a guerra na sua essência mais humana. Não uma guerra em particular
e denominada historicamente. Vivemos a guerra. O conflito que desconfigura a
semelhança entre os indivíduos e torna “o homem lobo do homem” 1. A guerra que não constrange e nem
impede o extermínio. A guerra que nos faz algozes ou cúmplices de nosso próprio
martírio. Portanto, a guerra que se faz não é em nome desse ou daquele; a
guerra que se faz é em nome do próprio homem.
1 O homem é o lobo do
homem é uma frase tornada célebre pelo filósofo inglês Thomas Hobbes que significa que o homem é o maior inimigo do próprio homem. (Fonte: https://www.significados.com.br/o-homem-e-o-lobo-do-homem/)