sábado, 17 de novembro de 2018

Frases que lhe saíam fáceis e incolores, mas que em mim se cravavam rápidas e agudas, para sempre. Clarice Lispector


Palavras...


Por Alessandra Leles Rocha


Infelizmente vivemos tempos em que o bom senso anda esquecido e as regras de ouro da boa educação também. São tempos de uma verborragia incontrolável e de um desrespeito ao ser humano sem precedentes. Assim, o constrangimento1 anda solto, como se tudo fosse permitido ou não passasse de mero mal entendido.
No entanto, certas coisas e valores não mudaram com o passar do tempo, como querem muitos fazer parecer. Caso contrário, não precisaríamos nos preocupar, por exemplo, com as repercussões sociais do Bullying ou do Cyberbullying, principalmente nas escolas e no ambiente de trabalho. Afinal, poderíamos colocar essas questões no rol do “desconforto” ou “brincadeira de mau gosto”. Mas, não o fazemos porque não há nada de simples ou trivial nesses comportamentos.   
Cada um sente, percebe e reage as emoções e aos sentimentos de maneira muito particular. Cada um tem a sua própria história que determina os níveis de sensibilidade com os quais irá lidar com as situações da vida. E o mundo, na maioria das vezes, é hostil e perverso não oportunizando a construção de um emocional capaz de responder equilibradamente às situações. Por isso, é tão fácil ferir, ofender e agredir o outro. Ninguém conhece em profundidade o fardo de experiências que ele carrega.  
Mas, há situações em que não se trata de “pegar pesado” com as emoções alheias. Simplesmente, aquilo que se faz ou se verbaliza ao outro é de profunda deselegância ou inapropriado. Nesses casos, graus de intimidade relacional são insuficientes para absolver alguém de uma má conduta. É o caso de pensar antes de agir. O viver em sociedade clama essas regras de convivência para que haja uma coexistência pacífica e harmônica.
Vejamos, por exemplo, o caso das relações entre a Guerra e o Humor. Desde a Segunda Guerra Mundial que muitos grupos sociais passaram a reproduzir o seu discurso por meio de charges e caricaturas em jornais e revistas, as quais menosprezavam e humilhavam aqueles considerados minorias 2. Mais recentemente, em 2015, o mundo viu novamente esse movimento por meio dos atentados contra o jornal francês Charlie Hebdo, por conta de charges que fizeram emergir protestos da comunidade muçulmana em todo o planeta 3.
Isso acontece porque na essência de quaisquer palavras ou atitudes existem intenções. Nada é gratuito ou involuntário. Há sempre um propósito, ainda que inconsciente, imerso naquele comportamento. E como o discurso é o que medeia às relações sociais, permitindo a inserção humana neste ou naquele lugar social; é fundamental entender que a língua vai além de um conjunto de signos e de regras, ela é atravessada por aspectos da ordem do físico, do sociocultural e do psicológico.
Segundo  Eni P. Orlandi (2001) 4, “Problematizar as maneiras de ler, levar o sujeito falante ou o leitor a se colocarem questões sobre o que produzem e o que ouvem nas diferentes manifestações da linguagem. Perceber que não podemos não estar sujeitos à linguagem, a seus equívocos, sua opacidade. Saber que não há neutralidade nem mesmo no uso mais aparentemente cotidiano dos signos. A entrada no simbólico é irremediável e permanente: estamos comprometidos com os sentidos e o político. Não temos como não interpretar. Isso, que é contribuição da análise do discurso, nos coloca em estado de reflexão [...]”.
É fundamental, portanto, fazer da comunicação uma experiência de vida, na medida em que se ampliam as possibilidades de ser e de agir discursivamente no mundo; mas, com a consciência da responsabilidade que isso representa. Embora, a pós-modernidade nos acene que podemos “realizar sem limites”, de acordo com a própria vontade, isso não é de fato uma verdade.
Dizem os chineses que “a palavra é prata, o silêncio é ouro”. Não brinque com as palavras. Não se perca em discursos vãos. Não construa abismos. Não fomente o ódio. Não contribua com a ignorância. Não se faça lembrar pelas palavras mal ditas. Use as palavras como ferramenta de edificação de um mundo melhor; afinal, é para isso que elas servem!




1 Constrangimento - sm. 1. Ato de constranger. 2. Situação de quem foi violentado. 3. Pudor que sente quem foi desrespeitado ou exposto a algo indesejável. 4. Acanhamento. (FERREIRA, A. B. de H. Mini Aurélio: o dicionário da Língua Portuguesa. 8.ed. Curitiba: Positivo, 2010. 960p.)
2 Leia a respeito das relações entre a Guerra e o Humor em http://www.historia.ufpr.br/monografias/2003/vinicius_liebel.pdf
4 ORLANDI, E. P. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. Campinas, SP: Pontes, 2001.