A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) foi adotada em 10 de dezembro de 1948. Para marcar o aniversário, nas próximas semanas, o Escritório do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos (ACNUDH) publicará textos informativos sobre cada um de seus 30 artigos. A série tentará mostrar aonde chegamos, até onde devemos ir e como honrar aqueles que ajudaram a dar vida a tais aspirações.
Embora o mundo tenha mudado drasticamente em 70 anos — os redatores não previram os desafios da privacidade digital, da inteligência artificial ou da mudança climática —, o foco da Declaração na dignidade humana continua a fornecer uma base sólida para a evolução dos conceitos de liberdade.
Já se passaram 70 anos desde que líderes mundiais determinaram explicitamente quais direitos todos no planeta poderiam esperar e exigir simplesmente por serem humanos. Nascida do desejo de impedir outro Holocausto, a Declaração Universal dos Direitos Humanos continua a demonstrar o poder das ideias para mudar o mundo.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) foi adotada em 10 de dezembro de 1948. Para marcar o aniversário, nas próximas semanas, o Escritório do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos (ACNUDH) publicará textos informativos sobre cada um de seus artigos. A série tentará mostrar até onde chegamos, até onde devemos ir e o que fazer para honrar aqueles que ajudaram a dar vida a tais aspirações.
Embora o mundo tenha mudado drasticamente em 70 anos — os redatores não previram os desafios da privacidade digital, da inteligência artificial ou da mudança climática —, o foco da Declaração na dignidade humana continua a fornecer uma base sólida para a evolução dos conceitos de liberdade.
Os ideais universais contidos nos 30 artigos da Declaração vão desde os mais fundamentais — o direito à vida — até aqueles que fazem a vida valer a pena, como os direitos a alimentação, educação, trabalho, saúde e liberdade. Enfatizando a dignidade inerente de cada ser humano, seu preâmbulo enfatiza que os direitos humanos são “a base da liberdade, da justiça e da paz no mundo”.
Com as memórias das guerras mundiais e da Grande Depressão ainda frescas na mente, os redatores explicaram o que não pode ser feito com seres humanos e o que deve ser feito por eles.
O redator chileno Hernán Santa Cruz observou que os então 58 membros da ONU concordaram que os direitos humanos derivam do “fato de existir” — eles não são concedidos por nenhum Estado. Esse reconhecimento, disse ele, “deu origem ao direito inalienável de viver livre de necessidades e opressão e de desenvolver plenamente sua personalidade”.
Por serem inerentes a toda mulher, homem e criança, os direitos listados nos 30 artigos são indivisíveis — todos são igualmente importantes e não podem ser posicionados em uma hierarquia. Nenhum direito humano pode ser plenamente realizado sem perceber todos os demais. Dito de outra forma, a negação de um direito torna mais difícil desfrutar dos outros.
A DUDH deixa um legado incrível. Seu apelo universal se reflete no fato de que ela detém o recorde mundial do Guinness como o documento mais traduzido — disponível até hoje em 512 idiomas, de abkhaz a zulu.
O documento apresentado à ONU em 1948 não era o tratado vinculativo detalhado que alguns dos delegados esperavam. Foi uma declaração de princípios, com uma notável ausência de fórmulas legais detalhadas.
Eleanor Roosevelt, primeira presidente da incipiente Comissão da ONU para os Direitos Humanos e viúva do presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt, sublinhou repetidamente a necessidade de “um texto claro e breve, que pudesse ser prontamente compreendido pelo homem e pela mulher comuns”.
Levou 18 anos até a adoção de dois tratados internacionais vinculantes que moldaram os direitos humanos internacionais de todos os tempos. O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos foram adotados em 1966 e, juntamente com a Declaração, são conhecidos como a Carta Internacional dos Direitos Humanos.
Nos últimos 70 anos, a DUDH permeou praticamente todos os cantos do direito internacional. Seus princípios estão incorporados nas legislações nacionais, bem como em importantes tratados regionais, e mais de 90 Estados consagraram sua linguagem e princípios nas Constituições. Muitos tratados da ONU, incluindo aqueles sobre os direitos das mulheres e das crianças, sobre tortura e sobre discriminação racial, são derivados de artigos específicos da DUDH.
Hoje, todos os Estados-membros da ONU ratificaram pelo menos um dos nove principais tratados internacionais de direitos humanos, e 80% ratificaram quatro ou mais, dando expressão concreta à universalidade da DUDH e dos direitos humanos internacionais.
Esse progresso tem sido frequentemente resultado de lutas heroicas de defensores dos direitos humanos. “Direitos humanos não são coisas que são colocadas na mesa para as pessoas se divertirem”, disse Wangari Maathai, a falecida ativista ambiental queniana e laureada do Nobel. “São coisas pelas quais você luta e depois protege”.
Todo o texto da DUDH foi composto em menos de dois anos, um consenso extraordinário alcançado em uma época em que o mundo havia recentemente se dividido em blocos comunistas orientais e ocidentais, quando o linchamento ainda era comum nos Estados Unidos e o apartheid estava sendo consolidado na África do Sul.
O representante sírio na ONU da época observou que a Declaração não era o trabalho da Assembleia Geral, mas “a realização de gerações de seres humanos que trabalharam para esse fim”.
No entanto, a tarefa de cristalizá-lo no papel coube a um pequeno grupo de redatores de diversas origens, incluindo o dramaturgo chinês Chang Peng-Chun e Charles Malik, um filósofo e diplomata libanês. O fato de que o termo “homem” em documentos anteriores tornou-se “todos” na DUDH ocorreu graças ao trabalho de mulheres delegadas como Hansa Mehta, da Índia, Minerva Bernardino, da República Dominicana, e Begum Shaista Ikramullah, do Paquistão.
A versão final foi apresentada à Assembleia Geral, em uma sessão de fim de noite em Paris, em 9 de dezembro de 1948, por um descendente de negros escravizados, o delegado haitiano Emile Saint-Lot. O projeto de resolução sobre direitos humanos, disse ele, foi “o maior esforço já feito pela humanidade para dar à sociedade novas bases legais e morais”.
Até mesmo o local da sessão da Assembleia Geral foi pungente. O Palais de Chaillot era o ponto de vista do qual Adolf Hitler fora fotografado, com a Torre Eiffel ao fundo, durante sua curta viagem pela cidade em 1940 — uma imagem icônica da Segunda Guerra Mundial.
No dia seguinte, 10 de dezembro (agora comemorado anualmente como Dia dos Direitos Humanos), 58 países levaram os direitos humanos para o direito internacional, ampliando as sete referências ao termo na Carta da ONU, que tornou a promoção e a proteção dos direitos humanos um objetivo essencial e um princípio orientador da Organização.
Os redatores examinaram cerca de 50 Constituições contemporâneas para garantir a inclusão de direitos de diversos países do mundo. Grande inspiração também foi dada pelas “Quatro Liberdades” proclamadas pelo presidente norte-americano Franklin Roosevelt, em 1941. Ele definiu liberdades humanas essenciais como liberdade de expressão, liberdade de religião, liberdade de viver sem necessidades e liberdade de viver sem medo, e explicou que “liberdade significa a supremacia dos direitos humanos em todos os lugares”.
A DUDH avançou dos direitos dos cidadãos (como na Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789) para os direitos dos seres humanos, iguais para todos, quer pertençam a um determinado país ou não. Também repudiava claramente a noção de que os Estados tinham liberdade para fazer o que quisessem com as pessoas em seu território. No Tribunal Militar de Nuremberg, em 1945 e 1946, os líderes nazistas haviam afirmado que não poderiam ser culpados dos “crimes contra a humanidade” recém-concebidos porque, nas palavras do deputado de Hitler, Hermann Goering, “era nosso direito! Nós éramos um Estado soberano e isso era algo estritamente da nossa conta”.
A elevação dos direitos humanos ao nível internacional significa que o comportamento dos países não é mais governado apenas pelos padrões nacionais. E desde a adoção da DUDH, seu princípio fundamental, de que os direitos humanos não podem ser esquecidos por conveniência política ou militar foi progressivamente absorvido não apenas pelo direito internacional, mas também por uma rede cada vez maior de legislações e instituições regionais e nacionais, incluindo aquelas estabelecidas pela Organização dos Estados Americanos (OEA) e por União Africana e Europa.
Todos os países agora estão sujeitos a escrutínio externo — um conceito que levou à criação do Tribunal Penal Internacional, em 1998, bem como os tribunais penais internacionais da ONU e tribunais especiais para Ruanda, antiga Iugoslávia, Serra Leoa, Líbano, Camboja e Timor Leste. Houve também um aumento dramático no número de especialistas e comitês independentes da ONU que monitoram a implementação dos principais tratados internacionais de direitos humanos, e o Conselho de Direitos Humanos da ONU estabeleceu um sistema conhecido como Revisão Periódica Universal, no qual todos os Estados têm seu histórico de direitos humanos examinado pelos demais países a cada cinco anos.
Elogiada como um documento vivo, a DUDH estimulou movimentos, como a oposição ao apartheid, e abriu as portas para a elaboração de novos direitos, como o direito ao desenvolvimento. A exigência está sendo continuamente elevada no que se refere a alguns direitos citados na DUDH, como o conceito do que se constitui um julgamento justo. Tratados de direitos mais recentes, como aqueles sobre pessoas com deficiência, foram redigidos não apenas por especialistas, mas com o envolvimento direto dos afetados.
Por outro lado, 70 anos depois, racismo, discriminação e intolerância permanecem entre os maiores desafios do nosso tempo. Os direitos à liberdade de expressão, associação e reunião — indispensáveis ao funcionamento da sociedade civil — continuam sendo atacados em todas as regiões do mundo. Os governos muitas vezes estão prontos para contornar ou atropelar direitos na busca do que consideram segurança, ou para manter o poder ou sustentar a corrupção. Apesar do fato de todos os 193 Estados-membros da ONU terem assinado a Declaração, nenhum deles cumpre totalmente sua promessa. Como Nelson Mandela observou em seu discurso de 1998 na Assembleia Geral, marcando o 50º aniversário da DUDH, seus fracassos em fazê-lo “não são um resultado pré-ordenado das forças da natureza ou um produto da maldição das divindades. São conseqüências das decisões que homens e mulheres tomam ou se recusam a tomar”. Fruto de péssimas lideranças políticas, econômicas e outras.
No entanto, ao mesmo tempo, a DUDH continua a fornecer a base para a discussão de novas questões, como a mudança climática, que “prejudica a garantia de toda a gama de direitos humanos — do direito à vida, à comida, ao abrigo e à saúde ”, nas palavras da ex-chefe de direitos humanos da ONU, Mary Robinson. Todos os direitos previstos na Declaração estão no cerne dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, que buscam criar um mundo melhor até 2030, acabando com a pobreza e a fome, entre outras metas.