Tá me ouvindo???
Por Alessandra Leles Rocha
Cada um no seu
casulo. Fones de ouvido na orelha. Lá se vão os humanos do século XXI. Absorvidos pelo hit parede particular e o volume no máximo da potência; é claro que
não sobra espaço para mais nada além do seu próprio mundinho. E isso não é
comportamento juvenil, não! Todos os gêneros, etnias, idades, profissões já estão
rendidos a essa práxis.
Modismos à
parte, a verdade é que esse, aparentemente inofensivo, hábito esconde mais prejuízos
do que se pensa. Nada contra ouvir música (principalmente, boa música) ou
desanuviar a mente de vez em quando. A questão é transformar isso em rotina, a
tal ponto que não enxergamos mais a nós e ao mundo.
Seja no
transporte público, nas ruas, nas filas, em todos os lugares por onde
transitamos há pessoas personificando esse padrão comportamental. Observando com
certa atenção é impossível não perceber nelas um traço comum, como se
estivessem em transe. Não percebem nada, nem ninguém. O seu isolamento
voluntário as coloca em risco real e imediato, pois não estão conectadas à dinâmica
da realidade dos centros urbanos.
Lá se vão elas
alheias à beleza trivial da natureza. Não enxergam mais o nascer ou o por do
sol. Nem as borboletas pelos jardins. Nem as flores multicoloridas espalhadas
pelo chão. Nem arco-íris durante ou depois da chuva. O mundo parece sempre
cinza e estático. Também não se socializam. Não conversam entre si. Não se
olham. Não se interagem, ao ponto de não pressentirem a eventual existência da violência
que teima em nos rodear.
Nesse pouco
tempo de reflexão, quantas perdas é possível identificar? Mas, há muito mais. Incluindo
a própria perda auditiva. Nossos ouvidos não foram feitos para serem submetidos
à intensidade e repetição de ruídos dessa forma. Segundo a Organização Mundial
da Saúde (OMS), “1,1 bilhão de pessoas podem ter perdas auditivas porque
escutam música alta. Atualmente, problemas de audição provocados por causas
diversas já afetam 360 milhões de indivíduos, dos quais 32 milhões são crianças”
1.
Isso significa que
a população está negligenciando a saúde auditiva e caminhando a passos largos
para a surdez e para a ampliação do contingente de pessoas com algum tipo de deficiência,
que no caso do Brasil, por exemplo, representam 24% da população 2. Como qualquer deficiência, a surdez
implicará em inúmeros desafios sociais para o cidadão, os quais incluem desde a
readaptação comunicativa até a reinserção no mercado de trabalho.
Apesar de
todos os avanços da ciência e tecnologia, nem todas as pessoas surdas conseguem
uma satisfatória adaptação aos aparelhos auditivos ou outros tratamentos e
cirurgias, por exemplo. Da mesma forma que nem todas as escolas estão preparadas
para atender as demandas dos deficientes auditivos. A acessibilidade a
materiais didáticos e paradidáticos para o ensino-aprendizagem de surdos ainda é
baixa. Enfim...
E se
ainda não nos sensibilizamos o suficiente, pode-se acrescentar nesse rol de obstáculos
o alto custo de investimentos para garantir o mínimo de dignidade a essas
pessoas. Seja por via pública ou privada, a excepcionalidade da condição humana
impõe a necessidade de recursos especiais. Por isso é fundamental sermos mais responsáveis
em relação aos nossos comportamentos. Não se trata de interferirmos na
liberdade individual, mas de tomarmos consciência do impacto coletivo que
nossas escolhas podem ocasionar e repercutir em longo prazo.
Essa é uma questão
de saúde pública? Sim; mas, também, de educação, de responsabilidade parental,
de economia, de trabalho... e, sobretudo, de amor próprio, de deixar o instinto
de sobrevivência e proteção inatos falar mais alto. Eu sei que ninguém quer
ouvir conselhos e reflexões; mas, posso garantir que sem esses, você certamente
deixará de ouvir todo o resto. Pense nisso!