Greve
Geral...
Por Alessandra
Leles Rocha
Diz a Constituição
Federal de 1988, em seu artigo 9º, “É
assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a
oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender”,
e completa no parágrafo 2º, “Os abusos cometidos
sujeitam os responsáveis às penas da lei”. Esclarecidos esses aspectos nos
cabe refletir, com seriedade e desprovidos de paixões, sobre o assunto.
Não é de hoje que a
sociedade busca por meio das greves manifestarem suas reivindicações e
descontentamentos sociais, inclusive no Brasil. Entretanto, a forma com a qual
elas acontecem por aqui, demonstra uma forte tendência de afronta aos preceitos
constitucionais, na medida em que se permitem exacerbar os atos de violência e depredação
do patrimônio público e privado, por onde fluem as manifestações. Além disso, o
acirramento ideológico dos movimentos grevistas, em geral, os faz utilizar da
força para impedir os demais cidadãos de exercerem seu direito de ir e vir, o
que é inadmissível para um país que se afirma democrático.
Diante de tais atitudes,
eu me pergunto se elas não fragilizam os ideais e prejudicam a conquista de
algum resultado positivo; afinal de contas, a legitimidade das intenções não pode
se sustentar na ilegalidade dos atos. Que tipo de consciência cidadã se
pretende construir a partir desse modelo, desse exemplo? Temos feito tantas críticas
aos atos terroristas que se proliferam pelo mundo; se formos pensar bem, não estão
eles também reivindicando a legitimidade de suas ideias? No entanto, suas atitudes
nos causam desconforto, repulsa, indignação; enfim, porque discordamos da prática utilizada para defendê-las.
Há de se concordar,
também, que de tanto repetir uma determinada prática, ela termina por perder o
crédito da novidade, do inesperado, a não surtir o efeito surpresa. Além disso,
a paralisação das atividades, seja pelos grevistas ou por aqueles que foram
impossibilitados de chegar aos locais de trabalho por causa da greve, impacta
negativamente a economia do país. O setor econômico brasileiro já realiza anualmente,
por exemplo, as projeções de perda das atividades produtivas, em relação aos feriados
e pontos facultativos. Segundo a Federação das Indústrias do Estado do Rio de
Janeiro (FIRJAN), para esse ano, o prejuízo deverá ser de R$66,8 bilhões 1.
Portanto, isso não é
brincadeira. Sobretudo, se pensarmos que os sinais de recessão da economia começam
a desaparecer e, muito lentamente, há uma retomada das atividades econômicas. Mas,
até que consigamos recuperar efetivamente os rumos financeiros do país, a situação
de desemprego ainda está longe de ser resolvida. Segundo informações, de hoje,
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o primeiro trimestre
desse ano revelou um novo recorde, alcançando 13,7% ou 14,2 milhões de
desempregados. Além disso, em um ano 1,2 milhões de pessoas deixaram de ter a
carteira de trabalho assinada 2.
Como se vê, a crise político-econômica
em que o país está mergulhado não trouxe à tona apenas os escândalos de corrupção
e desvios de dinheiro público; mas, especialmente, questões de ordem prática e
direta a vida do cidadão, importantes, fundamentais e que necessitam serem
repensadas imediatamente. As nossas leis trabalhistas, por exemplo, foram
sancionadas em 1943 e trouxeram suas grandes contribuições no contexto de uma época.
No entanto, as relações de trabalho e os modos de produção passaram, desde então,
por transformações profundas, que nos obrigam a admitir a necessidade de
ajustes e adequações às novas realidades. Consequentemente, o sistema previdenciário,
também, se torna pauta de discussões.
Ao contrário dos
discursos, as discussões em torno desses são frequentes e necessárias. Errado, fizemos
nós em postergá-las por tanto tempo. Relações de trabalho e modos de produção são
motivos de discórdia desde que afloraram a partir da Revolução Industrial. Ora,
minha gente, quando é que existiu equilíbrio entre patrões e empregados? Será que
os direitos trabalhistas surgiram inteiros e plenos, sem a necessidade de reivindicação
constante? Será que esses mesmos direitos sempre conseguiram contemplar todas
as nossas demandas? Será???
Observando com atenção e
lucidez, o trabalho assalariado, no fim das contas, não nos fez menos escravos.
O trabalhador, seja ele quem for, luta de sol a sol para ver as suas
expectativas e projeções de sucesso e realizações materiais efetivadas; quando,
na verdade, mal consegue manter o básico, o essencial. A cada passo da evolução
científica e tecnológica, pós Revolução Industrial, mais difícil tornaram-se as
relações de trabalho, a começar pela substituição humana pelas máquinas. Somos muitos
para poucas vagas. A Lei da Oferta e da Procura avança impiedosa sobre nós diariamente.
Enquanto isso, como seres humanos que somos queremos mais, sonhamos mais,
buscamos mais; mas, o mundo parece tornar-se cada vez menor, insuficiente.
E da mesma forma que não fomos
convidados a participar da Revolução Industrial, além do papel de mão de obra
farta e barata, a realidade de hoje não nos trata de maneira tão diferente
assim. Nossa voz causa desconfortos e repercussões até certo ponto, porque no
final da discussão, ainda pesam com mais veemência os argumentos dos proprietários
dos meios de produção. No fundo, o que mais nos incomoda nessa situação toda é
que, quaisquer que seja a nossa força de trabalho, estaremos sempre na posição de
servir ao outro e, isso, não é algo fácil de ser digerido por nossa altivez e
orgulho. Afinal, essa verdade nos dá conta de que as asas da nossa liberdade,
do nosso querer, são bem menores do que gostaríamos.