Brasil...
Os dois lados da moeda
Por
Alessandra Leles Rocha
Dia seguinte à aprovação, pelo
Senado Federal, do impeachment de Dilma Rousseff, o burburinho certamente está
longe de se findar. Mesmo, porque, não
bastasse o “arrastar de correntes” que representou todo esse processo; no final,
durante a defesa quanto à votação ou não da pena de inabilitação para funções públicas, a Senadora Kátia Abreu (PMDB-TO) não
querendo ofender; mas, já ofendendo aos milhões de brasileiros e brasileiras, colocou-se
a defender bravamente a ex-presidente.
Segundo a Senadora, “A presidente já fez as contas de sua
aposentadoria e deve se aposentar com cerca de R$5mil. Então, precisa continuar
trabalhando para suprir as suas necessidades” e, ainda acrescentou que,
após deixar a presidência, Dilma seria convidada para dar aulas ou prestar
consultoria para parlamentares; mas, isso seria inviabilizado por uma eventual
decisão de inabilitá-la.
Enquanto
isso, sem contar os dados não oficiais, o desemprego sobe a 11,6% e atinge 11,8
milhões de trabalhadores, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). Sem
contar, caros leitores, quantas profissões em nosso país não rendem salário
mensal próximo a R$5 mil, como é o caso dos próprios professores. Quiséramos
ter defensores tão aguerridos, não é mesmo? Infelizmente, de um jeito ou de outro permanecemos um país
de contrastes. Querendo ser igual nas suas gravíssimas desigualdades. Ranqueando
a vida entre os mais e os menos importantes, na decisão de quem vive com
dignidade e outros que apenas sobrevivem.
A verdade é que a população brasileira
foi lançada a um poço sem fundo a partir do esfacelamento da estabilidade econômica,
decorrente de decisões totalmente equivocadas e incorretas, e agora para
reverter essa situação caótica demandaremos um tempo bastante árduo para ser
vencido. É, porque o cotidiano não espera e o ser humano precisa sobreviver, a
não ser que haja, também, uma nova interpretação constitucional para o artigo
6º da Carta Magna. Sim, porque até ontem à tarde, a Constituição Federal estava
acima de todos os outros ordenamentos jurídicos e o que nela estava escrito era
o que deveria ser cumprido. Mas, de repente, não mais que de repente, disseram
que não era bem assim.
Confesso que nesse instante ímpar da
história nacional, tive pena de Fernando Collor de Mello; posto que, no seu
impeachment não houve descumprimento constitucional e o que estava escrito foi
regiamente cumprido. Mas, agora, com tantos pesos e medidas, abrindo precedentes
assim, a flexibilização interpretativa da Constituição Federal chega ao ponto da
possibilidade de fazer com que nossos direitos ganhem novas interpretações e
passem a se esvair e minguar cada vez mais.
Como disse anteriormente, quiséramos ter defensores tão
aguerridos! Mas, creio tenhamos que atravessar essa tempestade contando com a própria
sorte. Já diz o provérbio que, “quando a farinha é pouca, o meu pirão primeiro”.
A nossa urgência cidadã não é a mesma de nossos representantes; por isso, a
morosidade nas decisões não lhes incomoda. Por esta razão, legislam e votam em
causa própria, sem dor na consciência se a base da pirâmide social padece e
está privada da sua dignidade.
Enquanto o Produto Interno Bruto
(PIB), que corresponde à
soma (em valores monetários) de todos os bens e serviços finais produzidos numa
determinada região (cidade, estado ou país), durante um período determinado
(mês, trimestre, ano, etc.), tem retração pelo sexto mês consecutivo, segundo o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), nossas possibilidades de ‘suprir as nossas necessidades’ estão cada vez
mais e mais distantes. Afinal de contas, o Brasil está em recessão, ou seja, há
uma retração geral na atividade econômica. Sem investimentos, não há produção, as
vagas no mercado de trabalho formal desaparecem e o cidadão deixa de consumir.
A própria agricultura, cujo Ministério esteve sob o comando da Senadora Kátia
Abreu de 1º de janeiro de 2015 até abril de 2016, quando do afastamento da
ex-presidente para os ritos do processo de impeachment, sofre hoje os impactos
da economia e registra a maior queda, 2%.
Pensemos,
então, a respeito de tudo isso e do nosso papel individual e coletivo, no nosso
posicionamento social. Agora, talvez, sejamos capazes de perceber que o paternalismo
deseduca e desprepara para as adversidades, ofusca os olhos, inebria as mentes,
cria esperanças em bolhas de sabão. É como acontece em famílias muito grandes;
no fim, cada um acaba tendo que dar um jeito de cuidar de si. E se a gente, “põe
reparo”, como disse José Saramago, consegue enxergar que além dos próprios muros,
o mundo todo também vive a sina de pedir socorro. Milhões de desempregados aqui,
milhões de refugiados lá; a indignidade em suas faces mais sombrias e
degradantes grita e se espalha por canta canto, só não encontra ninguém para
subir na tribuna e fazer valer o que está escrito na Declaração Universal dos
Direitos Humanos.