É
assim...
Por
Alessandra Leles Rocha
Na cultura ocidental é assim, se lida a distância com
a morte. A única certeza que temos na vida tratamos como um tabu, uma palavra
impronunciável carregada de um pesado mau gosto; quando na verdade, não deveria
ser assim. Tudo que vive um dia morre, um dia deixa de existir e de pertencer a
esse mundo. Não há nada de errado nisso. A morte é apenas mais uma etapa de um
ciclo.
No entanto, quando ela chega é claro que faz doer. Sofre
o corpo e a alma. A gente não segura o sofrimento e ele se transmuta em água e
sal. Dá vontade de parar o relógio, de voltar no tempo, de sorver cada minuto,
cada lembrança,... Como tudo nessa vida, a morte é também uma lição, difícil;
mas, uma grande oportunidade de olhar para dentro de si e fazer uma profunda
reflexão.
Enquanto nos deixamos enredar pelos vieses da pressa e
da loucura do mundo pós-moderno, fazemos vista grossa para esse fato
irremediável. Postergamos pensar. Só nos esquecemos de que quem não pensa na
morte, também não pensa na vida. Essa ideia absurda de infinitude, de imortalidade,
nos faz imprevidentes na nossa existência.
Estamos sempre acreditando que haverá mais tempo e
levamos a vida na flauta, no descompromisso, no individualismo, na arrogância,
na prepotência, enfim. Não, não me parece termos cuidado em fazer o melhor que
podemos. De oferecer o melhor de nós em cada gesto, em cada ação, em cada
pensamento. De sermos generosos conosco e com o mundo, através da delicadeza,
do cuidado, do amor.
Afinal, o amanhã existe, mas nem todos hão de
desfrutá-lo. Alguém vai? Essa pergunta ninguém pode responder. Nem o rico e nem
o pobre. Nem o bonito e nem o feio. Por isso é preciso ser, antes mesmo de
simplesmente existir. Ser alguém que faça sentido nesse mundo que, apesar dos
defeitos que todo mundo tem, consiga enaltecer as virtudes pela consolidação de
um legado. E nada disso, tem a ver com notoriedade, poder, fama ou dinheiro.
Ser alguém que faça sentido é apenas ser. Sem artifícios,
sem subterfúgios. Na naturalidade do cotidiano, alternando dias de sol e
tempestades; mas, sempre imbuído do bem, daquilo que edifica e constrói um
mundo melhor. Nada de pretensões vãs, como uma vida perfeita; aliás, porque
perfeição não é coisa desse mundo de gente.
Então, quando chega a hora... Tudo vira pretexto. O rio,
a rua, a doença... E para quem fica a obrigação de encarar o que tanto se
tentou encobrir. Hora de pensar e dimensionar o nosso devido tamanho nesse
mundo, nossa pequenez tão mortal, tão breve. Um piscar de olhos e fim. Somos interrompidos.
Nossa existência não pertence mais ao contexto.
Por isso, sempre que falo sobre a morte não deixo de
pensar na mineirice de Fernando Sabino, quando ele escreveu em “O Encontro Marcado” 1:
“De tudo, ficaram três coisas: a certeza
de que ele estava sempre começando, a certeza de que era preciso continuar e a
certeza de que seria interrompido antes de terminar. Fazer da interrupção um
caminho novo. Fazer da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sono uma
ponte, da procura um encontro”.
Sabino
resumiu muito bem a reflexão que devemos ter em mente todos os dias, para
evitarmos os sobressaltos do imprevisível, para termos os pés mais firmes ao
chão e não nos entregarmos às armadilhas do mundo. Enquanto a morte não chega,
viver pede esforço e sacrifício; como disse tão bem, outro mineiro, João
Guimarães Rosa, “O que ela quer da gente é coragem”. E isso contraria qualquer sentimento de passividade,
de inércia, movidos pela certeza de que um dia não estaremos mais por aqui.
É; um dia
será a nossa vez. Sem pudores, nem medos, pensemos, então, como gostaríamos de
ser até lá. Como disse a poetisa Cecília Meireles, “Não sejas o de hoje. Não suspires
por ontens... Não queiras ser o de amanhã. Faze-te sem limites no tempo. Vê a
tua vida em todas as origens. Em todas as existências. Em todas as mortes. E sabe
que serás assim para sempre. Não queiras marcar a tua passagem. Ela prossegue. É
a passagem que se continua. É a tua eternidade. És tu”.