Identidade,
Cidadania... Só detalhes?
Por
Alessandra Leles Rocha
Ao contrário do que
muitas pessoas pensam, detalhes são muito importantes, muito significativos. Detalhes
diferenciam, enaltecem características e fazem distinção entre outros elementos.
Pois bem, foi me atendo a um ‘detalhe’ durante as cerimônias de abertura e
encerramento dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos que trago a minha reflexão.
Por mais pensado e
repensado, em termos de detalhes e organização dessas solenidades, uma coisa aqui
e outra ali pode passar despercebida; mas, quando o assunto trata da nossa
identidade nacional, aí considero que não é possível banalizar.
Nenhum país do mundo
aceita que o seu hino seja confundido com outro durante a execução ou, seja
apresentado de forma fragmentada ou reduzida. Mas, nós brasileiros aceitamos;
aceitamos que nosso hino fosse apresentado pela metade, por conta de razões de
cronometragem do tempo do evento, imagino. Sim, nosso hino, talvez, seja maior
do que de outros países; mas, é o nosso hino. Parte integrante da nossa
distinção mundo afora.
A questão é que ao
consideramos que a nossa identidade nacional não é tão importante, estamos
abdicando também da consciência da nossa cidadania. Se alguém disser que basta
vestir verde e amarelo que o ‘problema’ está resolvido, devo alertar que os
australianos também fazem uso das mesmas cores.
Sendo assim, segundo
Kathryn Woodward (2013) 1,
Precisamos
de conceitualizações. Para compreendermos como a identidade funciona,
precisamos conceitualizá-la e dividia-la em suas diferentes dimensões.
Com frequência, a identidade envolve
reivindicações essencialistas sobre
quem pertence e quem não pertence a um determinado grupo identitário, nas quais
a identidade é vista como fixa e imutável.
[...]
A identidade está vinculada também a
condições sociais e materiais.
[...]
A marcação simbólica é o meio pelo qual damos sentido a práticas e a relações
sociais, definindo, por exemplo, quem é excluído e quem é incluído. É por meio
da diferenciação social que essas classificações da diferença são “vividas” nas
relações sociais.
[...]
As identidades não são unificadas. Pode haver contradições no seu interior que
têm que ser negociadas.
Precisamos,
ainda, explicar por que as pessoas assumem
suas posições de identidade e se
identificam com elas. Por que as pessoas investem nas posições que os
discursos da identidade lhes oferecem? O nível
psíquico também deve fazer parte da explicação; trata-se de uma dimensão
que, juntamente com a simbólica e a social, é necessária para uma completa
conceitualização da identidade. Todos esses elementos contribuem para explicar
como as identidades são formadas e mantidas. (p.13-15).
Nosso senso identitário é tão frágil que nós,
brasileiros, não nos importamos que os outros percebam que não temos apreço por
nossa cidadania. Cidadania, para quem não tem a dimensão do significado, é o
direito de desfrutar os direitos e deveres civis e políticos dentro de um
Estado. Votar é só um exemplo.
A cidadania começa no fato de você não permitir que
ninguém desrespeite o seu país, as suas tradições, a sua cultura, a sua língua.
E não falo de um eventual desrespeito por parte de outras nações; mas, dos
próprios brasileiros. É dentro de nossas próprias fronteiras que guardamos e
zelamos por nossa identidade nacional, ou seja, pelo o que já foi pelo que é e
pelo o que será o nosso país.
No entanto, cada dia que passa a nossa relação
identitária e cidadã parece se esgarçar. Longe de repassar a nossa história, os
nossos elementos identitários de geração a geração; temos mais e mais estereotipado
essa consciência através de símbolos midiáticos positivos ou negativos. Antes éramos
o país do futebol de Pelé (agora mais recentemente, de Neymar). A continentalidade
do Brasil se restringia aos apelos turísticos do Rio de Janeiro e outras poucas
capitais, dada à ênfase na tropicalidade e nas belas praias. Ou no viés negativo:
a violência, a favelização, o turismo sexual, a permissividade em todos os
níveis. Enfim...
Apesar de todos os pesares, o brasileiro não se
sente incomodado, ou constrangido diante disso. Digam o que quiserem e o
brasileiro permanece como se ninguém estivesse manifestando sobre algo que lhe
diz respeito diretamente. Quantas vezes o brasileiro parte para briga por
motivos torpes e quando o assunto é realmente sério ele se acomoda?
Cidadania, identidade nacional tem tudo a ver com
respeito, com dignidade, com consciência. Em tempos que se vive sob o calor
passional emanado das disputas políticas, chego a pensar se de fato o povo
brasileiro almeja por mudanças. A dificuldade de estabelecer, por exemplo, correlação
entre a crise econômica que aflige seriamente Municípios, Estados e a União, oriunda
de práxis condenáveis e absurdas, de uma imprevisibilidade sem precedentes, e a
possibilidade de investimentos nas áreas essenciais, ainda leva muitas pessoas
a crer nas mesmas promessas eleitoreiras de outrora; como se o velho slogan – “Ele
rouba, mas faz” - ainda pudesse resistir. Então, que mudança querem?
Se fôssemos cidadãos conscientes da nossa cidadania,
acompanhando de perto os caminhos dos investimentos oriundos de uma das maiores
cargas tributárias do mundo, cobrando firmemente a aplicação desses recursos em
favor da população; certamente, a situação seria outra. Mesmo diante da inconsistência
educacional, que sabemos existir no país; pois, valores éticos e morais não se
aprendem só na escola. Eles são aprendidos e apreendidos no ambiente familiar e
nas raízes atemporais da cidadania.
Mas, pensando bem, só fomos às ruas depois que o
fundo do poço acenou. E muitos foram sem muita convicção, sem muita consciência
do significado de estar ali, sem um denominador comum de reivindicações. Aliás,
nossa gente quando se põe a exercer a cidadania o faz sempre em conjunturas segmentadas,
dentro de identidades específicas, particularizando as demandas como se elas
não fossem, na verdade, do interesse de todos; o que é uma pena. Afinal, ao que
me consta somos todos brasileiros.
Desse modo, permitimos nossa fragilização, nossa
ridicularização; a partir do momento em que tornamo-nos vetores que se anulam.
Vivemos em um país chamado Brasil, nos denominamos brasileiros; mas, de fato e
de direito não parece que nos reconhecemos nessa identidade, nessa cidadania.
Passada a euforia ufanista provocada pelos grandes eventos, e aí? Já disse
Roberto Carlos, “Detalhes tão pequenos de nós dois/ São coisas muito
grandes pra esquecer / E a toda hora vão estar presentes / Você
vai ver” 2. Então, acorda gigante e
pensa sobre isso!
1
WOODWARD, K. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In:
SILVA, J. T. da. (Org.). Identidade e
diferença: a perspectiva dos estudos culturais. 13 ed. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2013. p.7-72.
2
Detalhes - https://www.letras.mus.br/roberto-carlos/6971/