Sobre a perfeição...
Por Alessandra Leles
Rocha
Como é difícil conviver com quem se apregoa o poço da
justiça e na prática só escuta a voz do próprio grito. Um ser, cuja razão lhe
pertence e pronto; fim de discussão. Esse tipo de gente me angustia, pois eu
nunca sei quando haverá uma mudança repentina nas suas atitudes.
Aliás, porque o que se fala não se escreve; talvez,
inconscientemente, seja por isso que não gostam muito de escrever, sob o
pretexto de uma imensa dificuldade de se expressarem no papel. Claro, nesse
tipo de situação não dá para disfarçar, para dizer que não foi assim, para usar
de toda sorte de argumentos para contestar.
A verdade é, que no fundo, ainda que não admitam,
essas pessoas se consideram acima de erros e imperfeições humanas. Os outros
erram. Os outros pisam na bola. Os outros... Os outros... Mas, da parte delas nunca
há motivos para reclamação. Essa, sem sombra de dúvidas, é a sua melhor
estratégia para não dar vez e voz aos outros.
Desse modo, essas pessoas acumulam arbitrariedades e
lamentáveis erros, como milhagens aéreas. Vez por outra se desculpam; mas, o que
vale uma desculpa recheada por novos mesmos tropeços. Desculpas sem intenção de
autoanálise, de reflexão, de ponderação, se perdem no vento.
Ser humano é ser imperfeito; inacabado. Não há
problema algum em errar. A questão é não aprender com os erros, ou acreditar
piamente que não é capaz de errar. Aí sim, temos um problemão. Porque, ao sermos capazes de calçar as
sandálias da humildade e reconhecer os vieses da nossa humanidade percebemos
quantas vezes ferimos os outros. Pode ser um reles arranhãozinho ou uma fratura
exposta, que no fim das contas, não faz muita diferença quando o assunto é
sofrimento. Sentimentos não se curam com curativo adesivo.
É essa trave nos olhos que impede essas pessoas de
enxergarem a si mesmas, que no fundo as impede de enxergar os outros também. De
enxergar-lhes os defeitos e as virtudes, as mãos estendidas sempre e prontamente,
o socorro preciso nos momentos extremos da vida, o companheirismo nos momentos
de solidão, as boas ideias nos instantes de crise, a eterna lealdade, a simbiose
astral que estreita os laços afetivos... De repente, tudo isso deixa de ter significância,
importância para essas pessoas e elas emudecem os outros, sem a menor cerimônia.
Nada lhes impede de fazer isso. Nenhuma memória, ou lembrança, ou respeito, ou
gota de justiça.
É assim que se abre mão de elementos e pessoas verdadeiramente
importantes na vida. Quando se quebra os acordos mais simples. Quando se altera
as palavras à revelia do outro. Quando se toma decisões no silêncio da própria consciência...
É assim que se invisibiliza os outros. Que se estabelecem relações unilaterais.
Que se vive de monólogos. Que se vai erguendo pequenos muros ao contrário de construir
inúmeras pontes.
Já dizia Vladimir Mayakovsky,
poeta russo, “Amar não é aceitar tudo. Aliás: onde tudo é aceito,
desconfio que haja falta de amor”. Daí a importância de algumas pessoas
descerem do seu pequeno pedestal de vez em quando, e encararem os fatos da vida;
seus fantasmas, suas neuroses, suas intransigências. Tarefa árdua e pouco
atraente, embora essencialmente necessária para quem almeje não ser perfeito,
mas ser ao menos humano e justo.