Nos tempos do Bang Bang...
Por Alessandra Leles
Rocha
O título
pode até parecer nostálgico, dadas as referências aos filmes norte-americanos
sobre o Velho Oeste e sua incansável luta entre mocinhos e bandidos, índios que
escalpelavam inimigos, enfim... Mas, essa imagem hollywoodiana e aparentemente inocente
que nos damos ao luxo de nos render, não é tão isenta de problemas como parece.
O chamado Bang
Bang nada mais é do que o retrato da luta pelo poder medida através da força,
ou melhor, da arma em punho. Pois é, desde sempre na história da humanidade o
diálogo e a civilidade nunca foram prioridade na hora de resolver o cotidiano;
sobretudo, quando a questão maior é o poder de dominância de uns sobre outros,
a lei do mais forte. Nem mesmo depois da
evolução do Homo sapiens, o primitivismo
que se estampa na máxima “olho por olho, dente por dente” segue, então, o curso da
civilização. Infelizmente, não há como separar o bem e o mal.
Por isso, lamento
pelos apreciadores do ‘banho de sangue’ cinematográfico; mas, isso está longe
de ser diversão ou mera ficção. Na verdade,
não é necessário ir ao cinema para se debruçar sobre a barbárie inata ao ser
humano. A violência nas suas mais diversas faces permeia nosso cotidiano e
choca pela sua desfaçatez. Para quem quiser apreciar, os ‘mocinhos’ e ‘bandidos’
estão por aí em cada esquina, duelando no intuito de sobrepor a sua vontade, o
seu interesse, o seu poder.
Mas, ainda
sim, ficamos perplexos. Perplexos por várias razões, dentre as quais incluem o
desprezo e a insignificância das leis, no sentido de atuarem efetivamente como
freios e contrapesos para a contenção do primitivismo humano; a desvalorização
da vida; e, a exacerbação do vale quanto pesa na reafirmação da identidade
social, o que significa que o individuo diante da inexpressão ou invisibilidade
social enxerga no poder, advindo da violência, o marco da sua presença na
sociedade.
E dentro
desse contexto absurdo e caótico, as relações políticas se posicionam em uma
linha de fogo. Enquanto arte e ciência, a política é naturalmente um desafio
para poucos; ao contrário, do que se vê por aí. Compatibilizar estratégica e
satisfatoriamente as demandas sociais exige habilidades que poucas pessoas dispõem
com excelência.
Talvez seja
por isso, que não raramente o que acontece no cenário real não é a política;
mas, as variantes de uma chamada politicagem desatada de quaisquer princípios éticos
e morais. Um mero jogo de interesses próprios e indiferença ao conceito fundamental
da política, consolidado no exercício da representatividade coletiva. Por essa razão é que,
também, historicamente a barbárie figura no cenário político da humanidade, com
uma série de célebres assassinatos. Filipe no império Grego, Júlio Cesar no Império
Romano,... Sem contar, na contemporaneidade, Martin Luther King, John Kennedy, Mahatma
Gandhi, Indira Gandhi, Anwar Al Sadat, Yitzhak Rabin, entre outros.
O nível de
exposição, o qual o poder submete as pessoas, se equivale ao nível de
vulnerabilidade. O desenrolar das tramas políticas estabelece um tabuleiro de interesses
a serem raciocinadamente conduzidos, o que faz com que nem todos os participantes
fiquem satisfeitos com os resultados.
No caso do
Brasil, pensar como a política se transformou ao longo de seus quinhentos anos
de história, demonstrará que o caminho, no qual ela transita atualmente é
ainda mais complexo e temeroso. Não só pelo modelo de alianças estabelecido;
mas, sobretudo, pelo fato de que há muitas décadas o exercício político se
converteu, na prática, em profissão. Distanciando-se dos princípios de
governança em prol das demandas populacionais e do próprio desenvolvimento dos entes da
federação, a política tornou-se uma possibilidade profissional rentável e
repleta de benefícios. Em suma, o exercício político se forma no imaginário, para a grande
maioria das pessoas, como uma atividade muito bem remunerada, na qual se
trabalha ‘pouco’, se aposenta cedo e se vive cercado por regalias.
E quando
essa mesma população consegue materializar a diferença que existe entre a vida
do cidadão comum e a do seu representante político no contexto do dia a dia,
essa compreensão se consolida negativamente. É muito difícil para as pessoas
aceitarem a realidade de diferenças que existem entre as relações de trabalho
públicas e privadas, quando se sabe que a máquina pública é custeada a partir
da arrecadação de impostos e tributos. Não há como não haver o acirramento dos ânimos
quando chega à consciência de que o funcionário público, o que inclui diretamente
a classe política, tem privilégios graças aos esforços da população, a qual
reside tantas vezes na indignidade da sua cidadania. Além disso,
a percepção do não exercício da política como atividade de representação
popular; mas, de defesa de interesses individuais ou de grupos restritos, tende
a desestabilizar ainda mais as frágeis relações sociais.
Portanto, o
Bang Bang contemporâneo, que se tem visto, por mais absurdo e condenável, não é
nada mais nada menos do que fruto do modo com o qual essas relações vêm sendo
tecidas. Tanto em relação ao modo como o representante popular compreende a
política e seu exercício, como da população em relação a sua cidadania e as
suas escolhas representativas. É justamente pela indiferença, e até certa alienação,
por parte da população que a política não é discutida e fica restrita às bordas
de uma politicagem que nada constrói. É o que acontece, por exemplo, quando
alguém coloca política como sinônimo de legenda partidária; quando, na
verdade, política é toda a ação cotidiana de diálogo, de exposição clara de ideias,
de propostas, de demandas. Isso é política.
E para facilitar e mediar esse processo é que se faz necessária a representação popular; não como ilha de isolamento e esquecimento do seu papel, mas uma ponte de intensa comunicação e respeito com a voz do cidadão. Daí a incompatibilidade de se almejar uma efetiva transformação na política, quando ainda se está preso a ela pelo único viés de ganhos e vantagens.
E para facilitar e mediar esse processo é que se faz necessária a representação popular; não como ilha de isolamento e esquecimento do seu papel, mas uma ponte de intensa comunicação e respeito com a voz do cidadão. Daí a incompatibilidade de se almejar uma efetiva transformação na política, quando ainda se está preso a ela pelo único viés de ganhos e vantagens.
Já dizia
Abraham Lincoln, “Quase todos os homens são capazes de suportar adversidades,
mas se quiser por à prova o caráter de um homem, dê-lhe poder”. Assim, na persistência desse velho e roto contexto
de exaltação do poder, todos saem perdendo de alguma forma; perde a política,
perde a população, perde a vida. Para quem pensa que, pelo menos, o poder da
bala vence, engana-se. Nenhum ato de barbárie se traduz em vitória. Nenhuma guerra
traz saldo de vitoriosos no seu rescaldo. A violência na ignorância traduzida
no ímpeto da força não traduz conquistas e nem tampouco benefícios.