Outro tijolo no muro
Por Alessandra Leles
Rocha
Não acompanhar o fluxo natural das transformações da
sociedade significa permitir-se permanecer na contramão da história. Pois bem,
é exatamente isso que aconteceu com a Educação no Brasil. O pior é que esse
imobilismo foi acompanhado pela lamentável ausência de definição sobre aonde se
pretendia chegar. E se você não sabe aonde quer chegar como pode definir algum caminho,
não é mesmo? Então, a história da Educação brasileira esbarra com frequente recorrência
em episódios de se tentar uma transformação mirabolante da realidade e no fim
das contas perceber que nada melhorou, ou o que é pior, agravou ainda mais.
Para início de conversa, Educação e Cidadania são
praticamente ‘irmãs siamesas’. Não é possível dissociar uma da outra e, portanto,
discutir Educação é ao mesmo tempo falar sobre Cidadania, especialmente, sobre
que cidadãos querem oferecer ao país. Não se trata só de mão de obra
qualificada, porque até mesmo essa definição é bastante complexa, dadas as
diferentes demandas manifestas pelo mercado. Nem tampouco só de conhecimento
técnico-científico como se esse fosse o bastante para criar um lastro de
intelectualidade e consciência nos alunos.
Quaisquer reformas na Educação precisam debruçar-se no diálogo
com a cidadania, com a identidade sociocultural que representa o país, para
tecermos um currículo que amplie o olhar dos nossos jovens e alunos para si e
para o mundo. Vejamos que, nessa nova Reforma do Ensino Médio, o governo já se
manifestou em relação à continuidade do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM)
como mecanismo de ingresso as universidades. Bem, e se é assim, como a reforma
pode falar, por exemplo, de conteúdos obrigatórios e optativos, se o aluno
dependerá de todos os conhecimentos presentes no ENEM?
Uma boa formação educacional e cidadã é aquela que permite a
consolidação de indivíduos autônomos, conscientes, plenos de informações que
lhes permitam estabelecer suas escolhas pessoais e profissionais com segurança.
Então, não se trata só do que ensinar nas escolas, mas como transmitir esses
conhecimentos. Há tempos, por exemplo, que a Língua Portuguesa e a Matemática
são oferecidas diariamente nas escolas do país e, nem por isso, o desempenho
desses alunos tem satisfeito as expectativas; ao contrário, as pesquisas apontam
resultados pífios a cada ano.
Ora, não há disciplina menos ou mais importante para
definirmos quem sai ou quem fica na grade curricular. Paremos por um instante
para definirmos quais as necessidades de conhecimento que permeiam um
individuo, ou seja, o alicerce que lhe permita transitar pela vida. Basta a simples compreensão de que todo o
avanço nas áreas de Saúde, de Engenharia, do Direito, da Educação; enfim, todo
o avanço tecnológico e científico que compõe a nossa realidade no século XXI só
existe pela composição de anos e anos de tecitura do conhecimento. Qualquer
pessoa precisa nesses anos base de educação consolidar uma ideia geral dos
assuntos, do que acontece na vida, no mundo, no universo.
Talvez, esteja nesse fardo que foi imposto à Educação
brasileira de aprofundamento teórico dos assuntos, como se quiséssemos formar
pequenos gênios, que a coisa começou a desandar. Primeiro, porque as competências
e as habilidades de cada um são distintas e não podemos obrigar os alunos a se
tornarem experts em algo teórico que não lhes é tão palatável. Segundo, que é
papel dos Cursos Superiores – Graduação e Pós-Graduação - oferecer aos
interessados o aprofundamento de informações pertinentes a cada assunto, não a
base. Então, temos tornado a escola básica um local torturante, com um volume
absurdo de informações a serem absorvidas, no caso do Ensino Médio, em apenas três
anos. Não, não temos dado chance aos alunos de gostarem de nada, de sentirem-se
entusiasmados, motivados para estarem ali.
Na minha percepção, o grande impasse no ensino médio advém do
próprio fato da cobrança que gira em torno desse cumprimento ‘conteudista’ para
que os alunos possam se sair bem no ENEM ou vestibular. Incutimos na cabeça de
crianças e jovens que a grande meta de suas vidas é ser aprovado em uma
universidade. Então, eles passam os quatro anos do Ensino Fundamental II e os
três do Ensino Médio conduzindo suas vidas em razão de uma única prova. A prova
que definirá a sua vida, por assim dizer.
Então, é claro que essa rotina alienante não é, nem um pouco,
atrativa para o aluno. Ele é exposto a
uma pressão desumana, a um nível de concorrência e competitividade totalmente
prejudiciais ao físico, ao emocional e ao comportamental. Às vezes, chego a
pensar que muitos casos de bullying nas escolas são fruto dessa convivência estressante;
como se muitos alunos buscassem um pretexto para ‘eliminar’ suas frustrações e
possíveis concorrentes nessa maratona educacional. Certa tentativa de imposição
da ‘lei do mais forte’, digamos assim; posto que, o discurso dentro das
próprias escolas é exatamente esse, no qual só os mais bem preparados, os mais ‘inteligentes’,
os mais dedicados serão aprovados.
Daí, quando se olha, então, para a tal ‘meta de suas vidas’,
ou seja, os alunos nas universidades, nos deparamos com a realidade de problemas
que foram apenas postergados. Infelizmente, o automatismo do ensino médio ofereceu
pouca, ou quase nenhuma genialidade, com indivíduos confusos diante das suas
escolhas profissionais, frustrados em suas expectativas quanto ao ensino
superior; e, por incrível que possa parecer, com um nível de conhecimento geral
muito raso e insuficiente. O alicerce não satisfez e os reparos e ajustes
tendem a ser cada vez mais necessários, o que prejudica no resultado final de
formação profissional nas universidades; afinal de contas, perde-se muito tempo
em refazer o que já deveria estar pronto.
Por isso, a evasão não é um problema só da base. Na verdade,
o aluno não adere ao modelo de Educação existente porque em nenhum momento ele
é considerado nas tomadas de decisão; então, ele se vê diante de dois caminhos:
ou ele se sujeita ou ele sai. Infelizmente, a segunda opção é sempre
majoritária. Imagine-se ouvindo uma quantidade de informações que não lhe fazem
o menor sentido, as quais você não enxerga a menor possibilidade de aplicação
prática. Portanto, nosso modelo de Educação aparta mais e mais a sociedade nesse
contínuo ritmo de edificação de muros.
Eu concordo que já se negligenciou demais a Educação
brasileira; mas, não é com Medidas Provisórias 1
ou ideias retiradas repentinamente da cartola que poderemos justificar uma
atitude mais proativa de renovação, de transformação. Nem sempre fazer algo significa
resolver. Atitudes intempestivas não geram resultados satisfatórios. Saber que
cidadãos queremos para o país esse é o ponto de partida para se saber aonde
chegar. Não se pode fazer nada para seres humanos sem colocá-los no centro da
discussão, porque é a vida deles, os seus direitos, os seus deveres, todo o seu
cotidiano que está em jogo. Precisamos de uma Educação que seja ponte da
cidadania, uma ponte que nos leve a encontrar a maior riqueza nacional: o
talento do povo brasileiro.