No Dia Internacional contra a Homofobia e a Transfobia, especialistas independentes da ONU, organismos regionais de direitos humanos e agências das Nações Unidas se uniram para pedir o fim do tratamento de pessoas LGBTI como ‘portadores de patologias’.
Classificações médicas estigmatizantes justificam, em diferentes partes do mundo, a submissão de pessoas a terapias forçadas. Procedimentos considerados ‘capazes de converter indivíduos’ foram criticados por serem ‘abusivos, prejudiciais e antiéticos’.
Considerar pessoas doentes de acordo com sua orientação sexual, identidade de gênero ou expressão de gênero “tem sido historicamente uma das principais causas por trás das violações de direitos humanos” enfrentadas pelo público LGBTI.
Classificações médicas estigmatizantes são usadas, por exemplo, para justificar a sujeição de pessoas trans — mesmo em idade jovem — à esterilização coercitiva, terapias hormonais, cirurgias e avaliações psiquiátricas.
Tratamentos forçados ou involuntários — considerados “reparadores” ou capazes de “converter” indivíduos — foram descritos como “abusivos, prejudiciais e antiéticos”, com consequências particularmente danosas para crianças e adolescentes.
Segundo o grupo de especialistas — formado pelo Comitê da ONU sobre Direitos da Criança, um grupo de especialistas independentes das Nações Unidas, a Comissão Interamericana sobre Direitos Humanos, a Comissão Africana sobre Direitos Humanos e dos Povos e o comissário para os Direitos Humanos do Conselho da Europa, Nils Muižnieks —, procedimentos como esses podem provocar dor e sofrimento, físicos e psíquicos, severos e para a vida toda.
Isso viola o direito que protege todos os seres humanos da tortura e de outras formas de tratamento ou punição cruel, inumano ou degradante.
Apesar dos efeitos danosos, pessoas LGBTI ainda são continuamente submetidas a esses procedimentos, lamentaram os especialistas.
Essa triste realidade já havia sido motivo de preocupação do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), cujo relator independente sobre tortura, Juan Méndez, criticou em março desse ano a violência generalizada contra a população LGBTI.
Em 76 países, relacionamentos homoafetivos ainda são criminalizados.
Os especialistas que se pronunciaram na última sexta-feira alertaram que a criminalização de pessoas trans e homossexuais tem sido justificada pela tendência a tratar determinadas identidades de gênero e orientações sexuais como doença — o que contribui para a marginalização e exclusão do público LGBTI de redes de educação, saúde, emprego e moradia.
A mesma consequência nociva é produzida pela negação ou exigência de condições abusivas para o reconhecimento oficial da identidade de gênero de pessoas trans.
Tratar LGBTIs como doentes estimula violência e preconceito
Apesar de progressos observados — há 26 anos, a Organização Mundial da Saúde parou de tratar a homossexualidade como doença e a removeu da sua Classificação Internacional de Doenças —, os especialistas ressaltaram que categorias diagnósticas patologizantes continuam sendo aplicadas por associações médicas nacionais.
“Reformas legais e de políticas são necessárias para eliminar leis discriminatórias e proteger as pessoas LGBTI da violência. Mas essas não serão eficazes ou suficientes por conta própria enquanto classificações médicas ultrapassadas persistirem.”
“Essas classificações devem ser modificadas para ‘despatologizar’ identidades e expressões trans e a atração pelo mesmo sexo. Estados devem adotar medidas para prevenir, investigar e condenar todas as formas de tratamentos e procedimentos forçados, coercitivos ou involuntários (imposto) às pessoas LGBTI.”
Os especialistas pediram ainda que governos garantam a prestação de serviços de saúde baseados no consentimento informado e livres de estigma e discriminação. Atendimento médico deve contemplar procedimentos de afirmação de gênero para pessoas trans.
UNAIDS pede acesso pleno a cuidados de saúde de qualidade para pessoas LGBTI
O Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (UNAIDS)
divulgou comunicado se colocando “ao lado das pessoas e organizações em todo o mundo” na comemoração do Dia.
Embora ainda haja muito progresso a ser feito para ser alcançada a visão do UNAIDS de zero discriminação, “houve passos encorajadores na direção certa”, destacou o texto. Em junho de 2015, Moçambique descriminalizou a homossexualidade em seu novo código penal. Em setembro de 2015,
12 agências das Nações Unidas emitiram um “poderoso chamado” à ação pelo fim da violência e discriminação contra lésbicas, gays, bissexuais, pessoas trans e intersexuais (LGBTI).
Além disso, em maio de 2016, o governo dos Estados Unidos divulgou um guia com orientações “para ajudar a fornecer a educadores a informação que precisam para garantir que todas e todos os estudantes, incluindo pessoas trans, possam frequentar a escola em um ambiente livre de discriminação baseada no sexo”.
“É inaceitável que lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e pessoas intersex (LGBTI) enfrentem violência e discriminação apenas por causa de quem elas são e de quem elas amam”,
disse o diretor-executivo do UNAIDS, Michel Sidibé.
“São nossos filhos e nossas filhas, irmãos e irmãs, amigos, amigas e colegas. Direitos LGBTI são direitos humanos. Nossa obrigação é desafiar o preconceito onde quer que estejamos.”
Muitas pessoas LGBTI seguem enfrentando enormes desafios diários, às vezes vivendo com medo, em isolamento e fora do alcance de serviços de saúde. O medo de abuso ou discriminação por parte dos profissionais de saúde impede as pessoas de terem acesso a serviços de testagem e tratamento para o HIV.
Além disso, um grande percentual de pessoas LGBTI enfrenta isolamento e discriminação em seu ambiente social mais próximo, afetando negativamente a sua saúde mental.
Alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que incluem acabar com a AIDS até 2030, exige o fim da discriminação em todas as suas formas, destacou a agência da ONU.
O UNAIDS pediu o acesso pleno e completo aos cuidados de saúde de qualidade para pessoas LGBTI, incluindo o acesso aos serviços de saúde mental, que muitas vezes contam com menos recursos nos sistemas de saúde. “Agir com compaixão. Abraçar a diversidade. Não deixar ninguém para trás”, acrescentou Sidibé.
A eliminação da discriminação será um dos temas centrais de discussão na Reunião de Alto Nível da Assembleia Geral da ONU para o fim da AIDS, que acontecerá na sede das Nações Unidas em Nova York (EUA), de 8 a 10 de junho de 2016. Para mais informações, acesse
www.hlm2016aids.unaids.org
PNUD: Persiste o estigma e a discriminação contra pessoas LGBTI
A data tem como foco, neste ano, a conscientização sobre a saúde mental e o bem-estar de lésbicas, gays, bissexuais, pessoas trans e intersex (LGBTI). A administradora mundial do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Helen Clark,
destacou que os problemas de saúde devidos a desordens mentais são crescentes em nível mundial. “A depressão é a principal causa da incapacitação mundo afora. A prevalência de tentativas de suicídio entre homens gays/bissexuais, ao longo da vida, é cerca de quatro vezes mais elevada quando comparada à de homens heterossexuais”, alertou.
Pesquisas têm demonstrado, de forma conclusiva, que pessoas LGBTI apresentam taxas de desordem psiquiátrica acima das expectativas, mas, uma vez que seus direitos e sua igualdade passam a ser reconhecidos, essas taxas começam a declinar, afirmou Clark.
“Reconhece-se cada vez mais em todo o mundo que a orientação sexual voltada para pessoas do mesmo sexo e a diversidade da identidade e de expressão de gênero não são desordens mentais ou físicas. Entretanto, muitos milhões de pessoas LGBTI pelo mundo continuam a deparar com estigma e discriminação, e muitas delas sofrem violência e opressão”, acrescentou.
“Tal quadro exige ação. Podemos e devemos fazer mais”, disse a chefe do PNUD.
Para ela, é preciso continuar a conscientizar e agir para garantir que todas as pessoas tenham o mesmo direito de levar vidas saudáveis, livres de violência, perseguição, estigma e discriminação. “O insucesso em apoiar os direitos humanos das pessoas LGBTI e em garantir que elas tenham proteção contra o abuso e a violência tem consequências negativas para a saúde, o bem-estar e o desenvolvimento”, disse.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos promete um mundo justo e inclusivo para todos, lembrou Clark. “No PNUD, estamos comprometidos com a redução das desigualdades e com o fim da exclusão. Não alcançaremos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável se segmentos de nossas população não forem tratadas como iguais simplesmente por serem o que são.”
“Não deixar ninguém para trás” é um princípio-chave da Agenda 2030. “Isso inclui pessoas LGBTI – por uma saúde melhor, por uma melhor saúde mental e pelos direitos humanos”, concluiu a representante da agência da ONU.
Vídeo chama atenção para questão global
Charles Radcliffe, chefe de Questões Globais e Assuntos Intergovernamentais do Escritório de Direitos Humanos da ONU (ACNUDH),
destacou que o vídeo “Porque Nós Lutamos”, lançado por ocasião data e que mostra os diversos enfoques da luta LGBTI em diferentes lugares do mundo, capta um pouco da força e do espírito que os ativistas LGBTI e seus aliados trazem para seu trabalho, e a grande diversidade de causas que ajudam este movimento a se tornar global.
Para Radcliffe, este é também um lembrete para ativistas de que eles não estão sozinhos. “A ONU está com você, (e) milhões de pessoas em todo o mundo os apoiam”, ressaltou.
“Leva tempo para superar séculos de discriminação e preconceito, e ativistas em diferentes países estão participando a partir de ângulos diferentes – seja nas cortes, nas ruas ou nos meios de comunicação”, disse.
“Nosso escritório é responsável por proteger e promover os direitos humanos para todos os seres humanos”, disse Radcliffe. “Estaríamos falhando se não assumíssemos esta causa. Se as palavras da Declaração Universal dos Direitos Humanos – de que todos nós nascemos livres e iguais – devem significar alguma coisa, se todo mundo vai ter a chance de prosperar, então temos de ser capazes de acomodar este tipo de diversidade – ou, melhor ainda, celebrá-la.”
OIT e UNESCO divulgam estudos sobre o tema
A OIT
constatou que as pessoas que conseguem expressar sua orientação sexual no trabalho têm menos sintomas de ansiedade, depressão e esgotamento, e um fator central para esta de decisão é um ambiente de apoio às políticas pró-ativas de diversidade e de inclusão.
A data foi marcada pela UNESCO por meio de uma
reunião com ministros da Educação sobre as respostas do setor educativo à violência baseada na orientação sexual ou identidade e expressão de gênero.
Embora os dados não estejam disponíveis para todos os países, o relatório mostra que, em alguns deles, 85% dos estudantes LGBTI experimentam violência homofóbica e transfóbica na escola, 45% das pessoas trans desistem das instituições de ensino.
A violência homofóbica também atinge 33% dos estudantes que são erroneamente percebidos como LGBTI, porque não parecem estar em conformidade com as normas de gênero, de acordo com o documento da UNESCO.
“Em 2015, na Cúpula de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, os líderes mundiais fizeram uma promessa de fornecer educação inclusiva, igualitária e de qualidade para todos, bem como garantir uma vida saudável e promover o bem-estar para todos em 2030”, lembrou Irina Bokova, diretora-geral da UNESCO.
“A UNESCO reconhece, no entanto, que nenhum país pode alcançar este objetivo enquanto os estudantes estão sendo discriminados ou experimentando a violência, incluindo a perseguição por causa da sua orientação sexual ou identidade de gênero, real ou percebida”, acrescentou.
A diretora-executiva da ONU Mulheres, Phumzile Mlambo-Ngcuka, lembrou que a data é comemorada pela primeira vez no contato da
Agenda 2030 da ONU para o Desenvolvimento Sustentável. “A fim de garantir que ninguém seja deixado para trás, devemos ter certeza que ninguém seja deixado de fora. Aqueles que estão mais atrás, mais vulneráveis e menos apoiados são a nossa prioridade.”
A chefe da ONU Mulheres
destacou que medidas para acabar com a discriminação e a exclusão com base na orientação sexual e identidade de gênero são um aspecto natural do planejamento para executar a agenda “à medida que a homofobia e transfobia permanecem profundamente enraizadas, resultando em violência e exclusão dos serviços sociais e da tomada de decisão.”
Com apoio de Agência da ONU para Refugiados, organizações recebem refugiados LGBTI nos EUA
Em sua cidade natal Idlib, na Síria, andar na rua de mãos dadas com o namorado poderia levar Subhi Nahas, 28 anos, à morte, já que milícias extremistas costumam perseguir e executar homens gays. Essa situação fez com que ele decidisse deixar o país, que também passa por um grave conflito armado.
“Minha família nunca me aceitou por ser gay e, naquele momento, eu não estava seguro nem dentro nem fora de casa”, disse Nahas, que foi para San Francisco, Estados Unidos, em junho de 2015. Ele contou com a assistência de duas organizações que ajudam refugiados(as) LGBTI e são apoiadas pela Agência da ONU para Refugiados (ACNUR).
Uma das entidades é a Organização para Refúgio, Asilo e Migração (ORAM), que dispõe de funcionários na Turquia para acolher refugiados LGBTI. A outra é a Jewish Family and Community Services East Bay (JFCS), que opera programas de reassentamento.
A Agência da ONU para Refugiados também tem suas próprias iniciativas para impulsionar a capacidade de seus funcionários na proteção dos direitos da população LGBTI.
Nesse sentido, a agência lançou no ano passado o relatório “Protegendo pessoas com orientação sexual diversa e identidade de gênero” (
acesse aqui), o primeiro documento global de proteção a lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e intersexuais solicitantes de refúgio, refugiados e outros.
Saiba mais clicando aqui.
Fonte:https://nacoesunidas.org/ser-lesbica-gay-bissexual-ou-trans-nao-e-uma-doenca-e-sim-parte-da-diversidade-humana/