A vida e seus
relativismos
Por Alessandra Leles
Rocha
Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS)
publicados hoje, “Entre 2000 e 2015, a expectativa de
vida aumentou em cinco anos, evolução mais rápida desde a década de 60” 1. Pois bem, muitas são as formas de se
enxergar a questão: avanços da tecnologia na área médica, possível melhoria na
qualidade de vida através da prática de atividade física aliada a um modelo de alimentação
mais saudável, acesso a novos medicamentos e terapias, enfim... Mas, sejamos
realistas sobre o fato de que nem tudo isso está de fato disponível a todos os
bilhões de seres humanos. Viver mais seria uma maravilha se no pacote dessa ‘felicidade’
estivesse também à certeza da qualidade, da dignidade cidadã.
Poderíamos, mas nem
é preciso ir longe do nosso mundinho, para admitirmos milhares de verdades tão
inconvenientes. Muito embora estejamos em pleno século XXI, nossa gente ainda
enfrenta desafios seculares como a Tuberculose, a Dengue, a Malária, a
Leishmaniose, concomitantemente a outras mazelas terríveis como a AIDS, os
diversos tipos de Câncer, o Alzheimer, o Parkinson. Mas, independentemente daquilo que aflige e
adoece a população está o quadro mais triste e perverso do sucateamento da
saúde pública no Brasil, que impõe a todos um regime de desassistência e
incertezas.
Há muito o direito básico
à saúde ficou restrito à legislação, posto que na prática ele não existe. Filas
intermináveis, burocracias que promovem o desenvolvimento da corrupção, a carência
de insumos essenciais (inclusive para atendimentos de emergência), doentes
abandonados à própria sorte em corredores revestidos da frieza institucional...
A consciência sobre esses fatos e seus desdobramentos é pública e amplamente
divulgada pelos veículos de informação; mas, não representa razão suficiente
para indignação e mobilização efetiva por parte dos gestores, da representação
política, e nem da parcela da sociedade que depende diretamente dos serviços estatais,
na figura de Municípios, Estados e União.
Então, ouvir que a
expectativa de vida aumentou parece um deboche, um acréscimo na atual condição
de penúria e mendicância do cidadão, que não materializa no seu cotidiano a
aplicação dos impostos os quais lhe são cobrados regiamente. Significa,
portanto, um arrastar de correntes sem fim, por um longo caminho de abandono e
sofrimento; sobretudo, para um povo que está em franco processo de
envelhecimento.
Ora, não precisa ser
nenhum especialista para dar conta das inúmeras agruras pelas quais são
submetidos os idosos no Brasil. Bastam os primeiros fios brancos nos cabelos, a
pele um pouco mais enrugada, para que a sociedade se encarregue de excluí-los
sumariamente. Na linguagem subliminar das calçadas irregulares, da impaciência dos
servidores dos transportes públicos, da investida dos golpes para roubar-lhes a
parca aposentadoria, ou seja, da falta de acessibilidade e garantia aos
direitos fundamentais. É assim, simples assim, que milhões de brasileiros vão
sendo colocados à margem, em um cruel esquecimento social. No fundo, um retrato
da sociedade do trabalho que exaure até a última gota o individuo e depois o
descarta sem nenhuma preocupação.
Enquanto se fiam as
tramas desse horror pós-moderno, a juventude preocupada com o próprio umbigo,
alienada pelos ‘encantos’ do mundo virtual e tecnológico se abstém do direito
de pensar o próprio futuro e suas demandas. Esquecem-se de que ‘cada minuto a mais é um a
menos’, de que os ponteiros do relógio ao contrário do ser de carne e osso
trabalha ininterruptamente e, por isso, envelhecer é inevitável; não seremos
sempre os mesmos, inclusive no tocante ao esplendor da força, da beleza, da
destreza que nos faz tão incrivelmente ‘superiores’. Então, o que a raça humana pretende fazer para
que possa usufruir desses cinco anos a mais e poder dizer que a vida realmente
valeu a pena?
Como disse o
personagem Benjamin Button, no filme O Curioso Caso de Benjamin Button 2, “Para as coisas importantes, nunca é tarde demais, ou no meu caso, muito
cedo, para sermos quem queremos. Não há um limite de tempo, comece quando
quiser. Você pode mudar ou não. Não há regras. Podemos fazer o melhor ou o
pior. Espero que você faça o melhor. Espero que veja as coisas que a assustam.
Espero que sinta coisas que nunca sentiu antes. Espero que conheça pessoas com
diferentes opiniões. Espero que viva uma vida da qual se orgulhe. Se você achar
que não tem, espero que tenha a força para começar novamente”.
Lembre-se de que a pura ausência de
caráter e personalidade, travestidos de apatia, favorecem a outorga das mais importantes decisões aos
outros. Há milhões de ‘vítimas’ pelo
mundo frutos da permanência dessa inação e esse é, com certeza, o maior risco a
essa longevidade que se acena para todos nós.