Por um céu mais estrelado
Por Alessandra Leles Rocha
Não sei quando, nem onde, nem por que; mas, considero uma pena a
humanidade ter abdicado ao longo de séculos e séculos de sua condição
fundamental, a singularidade, para se entregar a uma ditadura velada de
aceitação social que impõe todos os tipos de “torturas” para agregar e
estabelecer convivências. Sim! Temos sido arbitrariamente convidados a nos
anular, enquanto indivíduos, em nome do que nem ao menos conseguimos
compreender ou determinar.
Por dentro e por fora, há pressões de todas as ordens para que as
diferenças, por mínimas e naturais que sejam, desapareçam como em um passe de
magica. Arautos da massificação ecoam pelos quatro cantos do mundo desde o que
se deve pensar até como se deve viver. Padrões. Tendências. Modismos. Não importa
a nomenclatura quando o que está em jogo é a vida no seu sentido mais pleno e genuíno.
Esse silencioso alienar além de danoso é extremamente perigoso. Massificar
a sociedade é torna-la cativa a uma determinada face da verdade, sem abertura
de parâmetros para a discussão. E, talvez, seja por isso que temos caminhado em
passos tão adiantados rumo as mais diversas manifestações de intolerância. As pessoas
tem se postado como se a diversidade fosse o estopim para acirrar a rivalidade
e o ódio.
Entretanto é preciso observar bem esse pudor exacerbado quanto às
manifestações virtuosas do ser humano; mas, nenhum quanto ao seu pior. Aplausos
à corrupção, a violência, ao preconceito (de todos os tipos),... uma terrível
apologia de que a sobrevivência contemporânea depende desse grau de “sabedoria”
e “esperteza”; enquanto, o cultivo das virtudes perdeu-se no “desuso” e na “ineficácia”.
Acima do abandono aos parâmetros sociais como certo ou errado, bem ou mal, a
humanidade se distancia também da sua analise reflexiva quanto aos seus próprios
pensamentos e atitudes frente à coletividade, se esquecem de que o todo é
atingido direta ou indiretamente pelos respingos desse modus operandi deturpado.
Chega a ser interessante como alguns segmentos defendem opiniões que
ferem diretamente a condição humana e só consideram possível uma revisão em
seus paradigmas e posições ideológicas, quando se tornam diretamente
envolvidos. Então, paira no ar a pergunta: será mesmo preciso experimentar as
dores do mundo para saber a sua real extensão? Mais de sete bilhões de
habitantes no planeta, milhões deles em condição absoluta de abandono,
enfermidades e miséria. Milhões de pessoas preferem fechar seus olhos para essa
realidade, afirmando-se distante da sua possibilidade de auxilio. Muitas dessas
mesmas pessoas são as que condenam o controle de natalidade no mundo, mas
apoiam a intensificação das estratégias de combate à violência e criminalidade
nos centros urbanos, por exemplo. As intempéries climáticas tem desequilibrado
consistentemente a produção agrícola pelo planeta e milhões de pessoas têm sido
afetadas quanto à distribuição de alimentos. Muitas dessas mesmas pessoas são
as que clamam a carestia, mas desperdiçam toneladas de alimento em boa
qualidade, por exemplo. E por aí vai... são contradições em cima de
contradições pisoteadas pelo admirável gado humano que parece ter involuido a
sua condição racional. O quadro dantesco
da vida contemporânea parece não nos impactar além de mera superficialidade; entre
ais! e uis! (alguns ohs! de vez em quando), o ser humano repete em mantra “É a
vida!”. O rolo compressor da massificação compactou os absurdos em trivial
cotidiano e, em alguns casos, subverteu a logica e transformou virtudes em
defeitos gravíssimos.
O
que diria Voltaire1? Ele que escrevera “Posso
não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a
morte o direito de você dizê-las.” 2; hoje,
teria que aceitar o silêncio mórbido dessa “pseudo liberdade” de expressão... O
que diria Rousseau 3? Ele que escrevera sobre
a origem da desigualdade entre os homens e contribuiu para a criação da Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão; hoje, teria
que aceitar a perpetuação da escravidão ideologica e comportamental da sociedade...
Cada vez mais individualistas; cada vez mais desprotegidos de si mesmos. Ainda
que pense estar agindo sob a batuta da propria escolha (o que não é
verdadeiramente um fato), o ser humano tem acreditado que não precisa se
preocupar com o semelhante, como se o confrontar das perguntas e das respostas
coletivas não tivessem nenhum peso sobre os rumos de sua propria existência. Quando
acreditamos que nossos atos e omissões não tem repercussão, que a raça humana
não vive a dar exemplos uns aos outros, que cada um cuide de si, que o diálogo
não é mais necessário... as pessoas deixam de existir e o mundo entra na mais
plena estagnação até sucumbir. Então, como disse Chaplin, “Não
devemos ter medo dos confrontos... até os planetas se chocam e do caos nascem às
estrelas” 4.