O poder
das tensões ...
Por
Alessandra Leles Rocha
Infelizmente, o Brasil peca por
não trazer para o âmbito escolar a importância de se conhecer e refletir sobre a
dinâmica da organização dos poderes e o papel da Constituição Federal para o
exercício da cidadania, como acontece em diversos países do mundo. Isso
evitaria que assuntos dentro desse contexto não fossem contaminados por
inverdades, distorções e recortes, capazes de manipular e alienar a opinião do
cidadão, como vem acontecendo amiúde no país.
Basta acessar os veículos de
comunicação e de informação, tradicionais ou alternativos, para se deparar com notícias
de um exercício desvirtuado e equivocado do Legislativo nacional, afastando-se
das pautas de real interesse do cidadão brasileiro, para atender a uma certa lógica
corporativista e/ou fisiológica da política nacional. Razão pela qual, o
Judiciário tem sim, atuado para preencher um vácuo institucional, quando os
outros poderes da República, o Legislativo e o Executivo, não cumprem adequada
e satisfatoriamente suas funções constitucionais.
No entanto, quando isso ocorre, o
Supremo Tribunal Federal (STF) não abre processos por conta própria, pois não é
um órgão de investigação. Suas intervenções ocorrem quando ele é provocado, por
meio de ações concretas, para garantir direitos e a efetividade das leis.
Contrariando a ideia amplamente
divulgada de que há, no Brasil, um ativismo judicial, ou seja, uma sobreposição
do Judiciário aos demais poderes como se ele adotasse uma atuação
expansionista, indo além de sua função típica de aplicar a lei e interpretar a
Constituição, e passasse a exercer, de fato, atribuições que seriam próprias do
Poder Legislativo ou do Poder Executivo.
E o motivo desse pensamento
reside no fato de que um dos principais objetivos dos movimentos de
ultradireita em escala global é minar a legitimidade do Poder Judiciário e de
outras instituições democráticas. A ultradireita frequentemente usa a retórica
da perseguição ou de uma suposta ditadura do Judiciário, para desviar a atenção
de investigações judiciais ou decisões desfavoráveis, buscando manipular o
debate público.
Além disso, esses grupos tentam
semear dúvidas sobre a imparcialidade e a justiça das cortes, questionando a
autoridade dos juízes e ministros. Ao atacar a legitimidade do Judiciário, o
objetivo final pode ser justificado por reformas que limitem a autonomia do
sistema de justiça ou permitam uma indicação de magistrados mais alinhados
ideologicamente, garantindo decisões adequadas a seus interesses.
Desse modo é preciso entender que
a deslegitimação do Judiciário enfraquece a democracia e o estado de direito;
pois, tenta corroer a confiança pública nas instituições, minar a separação de
poderes e comprometer a imparcialidade na aplicação das leis. Essa erosão da
legitimidade pode levar à instabilidade e às reações antidemocráticas, além de
criar um ambiente de incerteza sobre o respeito ao Estado de Direito.
Há de se destacar o fato de que,
no Brasil, a expansão da ultradireita sobre a direita tradicional vem
ocorrendo devido a uma combinação de fatores de natureza fisiológica. Pois é, a
direita brasileira, em seus diferentes matizes, apesar de criticar as práticas
de corrupção e defender seus próprios modelos de organização, vez por outra,
tem se envolvido em ações fisiológicas, as quais além de buscar alianças e
recursos por meio de benefícios privados, visam mantê-la no poder.
Algo compreensível,
considerando-se o fato de que a direita brasileira contemporânea é, em seus
diferentes matizes, herdeira das elites coloniais, o que significa que ela
mantém raízes e características que remontam aos grandes proprietários de
terras e comerciantes do período colonial, os quais moldaram as estruturas
sociais e políticas do país. Traços de conservadorismo moral e princípios
liberais na economia, que compõem o ideário da direita contemporânea, estão
fundamentados na defesa dos privilégios e na ordem estabelecida pelas elites
agrárias e comerciais do passado.
Daí a direita brasileira, em suas
diversas matizes, sentir-se incomodada com a atuação do Poder Judiciário. Afinal,
o resultado de inúmeras decisões judiciais tem impactado diretamente pautas
caras a diversas de suas matizes. Como, por exemplo, decisões relacionadas a
direitos humanos, demarcação de terras indígenas, questões ambientais e
direitos LGBTQIA+, as quais, muitas vezes, se chocam com visões mais
conservadoras ou liberais na economia, comuns em setores da direita.
Inquéritos que investigam atos
antidemocráticos, Fake News e a organização de milícias digitais, resultantes
em prisões e restrições a políticos e ativistas da ultradireita, também têm gerado
fortes ocorrências e acusações de perseguição política por parte desses grupos.
Embora, a interferência aconteça por meio da aplicação da lei e da Constituição,
em casos que apresentam profundas ramificações políticas e ideológicas, isso
gera um conflito direto e visível com os interesses da direita brasileira, que,
por sua vez, se manifesta criticamente contra o sistema de Justiça.
Assim, fica fácil compreender as
razões da tensão que vêm escalando entre a bancada da direita no Legislativo
Federal e o Judiciário. Essa disputa
envolve diferentes matizes da direita, as quais buscam deslegitimar o
Judiciário, tentando criar um Estado autoritário, a partir do desrespeito às
leis e o enfraquecimento do sistema de justiça. Porque os ataques ao Judiciário
servem para mobilizar sua base de apoiadores, criando um inimigo comum e
reforçando a ideia de que o sistema está contra eles.
