sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

Além das máscaras


Além das máscaras

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Às portas do Carnaval, ao contrário da maioria, eu permaneço distante da folia. Embora me encante o trabalho de pesquisa artística e de desenvolvimento da criatividade, realizado pelas escolas de samba, no mais eu não encontro sentido para tanta euforia. Na minha percepção, a festa de Momo esconde uma certa tristeza que torna opaca a alegria vendida, por aí.

Começando pelo fato de que, como toda manifestação cultural, no Brasil, o Carnaval não dispõe de uma acessibilidade tão democrática quanto parece.  Enquanto milhares se jogam na efervescência das músicas, dos confetes e das serpentinas, outros tantos estão movendo as engrenagens da folia. Cidadãos que aproveitam o feriado para constituir uma renda extra ou que são contratados pelas empresas organizadoras dos eventos carnavalescos.

A verdade é que, se as classes privilegiadas podem desfrutar, muitas vezes, o Carnaval de época e fora de época, uma imensa maioria sequer pode usufruir de descanso.  Trabalham pesado para realizar a festança alheia, sem receberem para isso, um salário condizente ao tamanho de seus esforços. Coisas de um país que vive sob a aura de um ranço colonial cristalizado!

Depois, me vem ao pensamento a questão da alegria. Com exceção de certos grupos, ligados efetivamente às raízes das manifestações carnavalescas, o restante não me parece exibir uma alegria genuinamente armazenada na alma. A impressão é de que pegam carona no embalo da ocasião para extrapolar os limites e transgredir as regras sociais. Sob efeito de drogas lícitas e ilícitas, se permitem extravasar um certo tipo de fúria comportamental, a qual fica contida no restante dos dias do ano. Razão pela qual se vê tantos casos de violência e acidentes automobilísticos.   

Como se o período carnavalesco fosse um recorte temporal em que tudo é permitido e não há necessidade de se pensar nas consequências, no amanhã. Só que não. Passada a folia de Momo, os desatinos começam a reverberar os seus resultados nefastos. A imprensa, por exemplo, costuma fazer um balanço triste e impactante sobre a violência nas cidades e nas rodovias, durante o período. Vidas ceifadas precocemente. Famílias enlutadas pelo resto da vida. Orfandade desnecessária. Enfim...

Pouco falado, mas não menos importante, os “filhos do carnaval” são outra resultante que merece atenção. Crianças geradas à revelia da responsabilidade parental e que, em muitos casos, não encontram as condições básicas e necessárias para o seu desenvolvimento ao longo da vida. Sem contar que, sob esse viés, também não se pode esquecer o aumento da incidência das Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), dado o descuido de muitos foliões; pois, há a possibilidade de uma pessoa ter e transmitir uma infecção, mesmo sem sinais e sintomas. Herpes genital, sífilis, gonorreia, tricomoníase, infecção pelo HIV, infecção pelo Papilomavírus Humano (HPV), hepatites virais B, C e D, são algumas delas.

Bom, apesar de o atendimento, o diagnóstico e o tratamento serem gratuitos nos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS), o descaso estabelecido pelo cidadão em relação às ISTs gera um ônus ao Estado brasileiro, o qual passa despercebido pela grande maioria da população. Doenças como a AIDS e as hepatites virais demandam, por exemplo, atendimento complexo e multidisciplinar; bem como, medicações de custo elevado. No caso das hepatites B e D existe tratamento e elas podem ser controladas, evitando a evolução para cirrose e câncer. No entanto, o tratamento precisa ser seguido corretamente.

No fim das contas, o Carnaval passa, a Quarta-Feira de Cinzas chega ... Acontece que, ao contrário do que muitos possam pensar, a vida não parou o seu curso em momento algum.  A ilusão de que a vida entra em estado de dormência, em razão do Carnaval, é só um mecanismo para aliviar a consciência. De volta à realidade cotidiana, então, a alegria é posta à prova. Diante dos altos e baixos, dos solavancos, dos imponderáveis, é que se mede a nossa capacidade de ser genuinamente alegre, apesar de todos os pesares. Uma expressão de alegria que seja efetivamente capaz de fazer vibrar o refrão: “Eu / Tô dançando com a vida / De rosto colado / Abraçando apertado / Que delícia é viver ...” 1.

Porque a alegria verdadeira sabe existir, resistir e persistir às mudanças dos ventos. Ela não precisa de alegorias e adereços, nem confetes e serpentinas, nem elixires da euforia. Ela não se resume aos recortes temporais. Ela não precisa de grandes motivos. Segundo o pastor francês Charles Wagner, “A alegria não está nas coisas, está em nós”. Talvez, por isso, “Muita coisa que ontem parecia importante ou significativa amanhã virará pó no filtro da memória. Mas o sorriso (...) ah, esse resistirá a todas as ciladas do tempo” (Caio Fernando Abreu). Além das máscaras. Além do Carnaval.



1 Dançando Com A Vida – Sandra de Sá (2001) / Compositores: Sandra Sa / Jose Farias / Gabriel Contino / Ana Cristina Cavalcanti De Albuquerque - https://www.youtube.com/watch?v=A4YhR-1j1LE   

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

Soberania e Autodeterminação dos Povos

Soberania e Autodeterminação dos Povos

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não há quem se mude para outro país, que não sofra um choque de realidade sociocultural. A migração voluntária costuma ser revestida por uma série de expectativas e de idealizações, as quais nem sempre são confirmadas. Cada lugar tem suas especificidades e particularidades, no contexto da sua identidade cultural e cidadã. De modo que o estrangeiro, ou outsider, se pretende obter êxito, paz e tranquilidade na sua nova morada, precisa entender e respeitar essa realidade.

Não é à toa que cada país traça os seus próprios protocolos para emissão de vistos, o que demonstra que o ir e vir, entre nações, não é isento de normas, regras e legislações a serem cumpridas. Medidas que visam evitar distorções e enviesamentos à dinâmica sociocultural de cada lugar, considerando que os próprios nativos (insiders) já compõem uma pluralidade e uma diversidade. No entanto, por conta da sua identidade nacional, as suas diferenças foram niveladas em um senso comum, em uma igualdade de direitos e deveres, que são respeitados. Mas, para o estrangeiro é preciso se adaptar a essa nova realidade.

Bem, isso vale tanto para pessoa física quanto jurídica. Porque trata da soberania de cada país, ou seja, à sua autonomia, o seu poder político e de decisão dentro de seu respectivo território nacional, o respeito à sua legislação, principalmente no tocante à defesa dos interesses nacionais. O que significa que viver ou se instalar em um país está diretamente condicionado a respeitar e agir dentro das diretrizes e leis que sustentam à soberania local. Quaisquer atitudes contrárias podem romper de maneira severa a relação de coexistência harmônica e pacífica entre as partes.

Por essa razão é que, em geral, as relações diplomáticas são pautadas de muito respeito à soberania uns dos outros. Há um cuidado e atenção especial para se evitar ingerências e/ou interferências na autodeterminação dos povos, ou seja, busca-se assegurar que a independência, a liberdade e o direito de organização própria de cada país seja preservada. Infelizmente, dada a uma historicidade global marcada pela existência de nações dominadoras e nações dominadas, nem sempre a autodeterminação dos povos é respeitada. A existência de recortes temporais caracterizados pelas práxis colonialistas, neocolonialistas e imperialistas reverberam ainda na contemporaneidade.

Há uma crença, por parte de certas nações, que o poder capital é capaz de lhes conferir uma superioridade absoluta sobre as demais. Uma interpretação que lhes legitima uma série de ações contrárias à soberania e à autodeterminação dos povos, porque lhes coloca em uma posição prioritária em detrimento dos outros.

No caso dos EUA, por exemplo, a fundamentação ideológica para tal comportamento está na doutrina conhecida como Destino Manifesto, estabelecida no século XIX. Ela defende a convicção de que os cidadãos norte-americanos têm o direito moral e a missão divina de expandir seus territórios. Como se houvesse uma predestinação divina para esse comportamento.

Assim, é fácil perceber a distinção que se estabelece nas relações diplomáticas entre os países desenvolvidos e na relação deles, com os países em desenvolvimento e subdesenvolvidos. Enquanto pisam em ovos entre si, por conta das relações e interesses geopolíticos, com os demais o desrespeito e a afronta acontecem sem quaisquer cerimônias. O tratamento é dado segundo o “vale quanto pesa”. Como se houvesse uma imensa satisfação em colocar os países em desenvolvimento e subdesenvolvidos em posição de sujeição, submissão ou dependência.

Acontece que, apesar de todos os pesares, nada disso muda o fato de cada país possuir soberania e autodeterminação e, em pleno século XXI, fazer valer esses princípios. O que significa que o tensionamento causado pela tentativa de manutenção desse modelo de subserviência, pode acelerar o processo de falência da estrutura econômica global, a partir da deflagração de conflitos generalizados, de potencial impacto negativo.

Afinal de contas, nenhum país parece estar disposto a se permitir desrespeitar, invadir e/ou pilhar seu território, sem manifestar qualquer sinal contundente de resistência à sua soberania e autodeterminação. Caso contrário, estaria assinando de próprio punho o seu viralatismo, a sua idolatria servil, o seu genuíno antipatriotismo, a autonegação à sua identidade nacional.  

terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

Entre idas e vindas ... O viralatismo carimbando o passaporte!

Entre idas e vindas ... O viralatismo carimbando o passaporte!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Cada vez mais, me parece válido trazer a discussão crítico-reflexiva sobre certos assuntos nacionais, por mais cansativos e constrangedores que eles sejam. Ao contrário do que imaginam, uns e outros, por aí, a rusga que se estabeleceu entre uma plataforma de vídeos estadunidense e um juiz da Suprema Corte brasileira tem muito a nos dizer e fazer pensar.

Não, não se trata de um caso fortuito. Na verdade, tudo começa no ranço colonial que se mantém ativo no Brasil. Descendente direto das oligarquias burguesas e da corte metropolitana, que viveu no Brasil entre os séculos XV e XIX, o espectro político-partidário da Direita, em todos os seus matizes, detém com mãos de ferro o direito de se apropriar do país, com base meramente interpretativa do seu papel majoritário, enquanto elite e representante do poder nacional.

Assim, dentro dessa perspectiva distorcida, enviesada, delirante, é que temos visto, amiúde, as idas e vindas de parlamentares brasileiros desse viés, aos EUA, com fins de difamar e constranger a soberania e o Estado Democrático de Direito nacional. Um comportamento verdadeiramente vira-lata, subserviente, bajulador, muito semelhante ao que se via nos tempos do Brasil colonial.

Mas, não bastasse o propósito de tamanha vergonha, esses cidadãos se valem do dinheiro público para viajar, abstendo-se das suas responsabilidades junto aos seus eleitores e ao Congresso Nacional. Fechados em copas, no mais absoluto silêncio, eles agem assim, porque se consideram donos do país.  Gente acima do bem e do mal.

Vejam a dimensão do disparate! Enquanto, recentemente, os EUA têm se arvorado em dizer que irá se apropriar de territórios, além dos seus, e os respectivos países já se levantaram em defesa da sua soberania, certos brasileiros não se envergonham em desdenhar da sua própria identidade nacional. Como disse anteriormente, “Um comportamento verdadeiramente vira-lata, subserviente, bajulador”.

No entanto, são atitudes assim, que abriram espaço para as investidas de empresas estadunidenses, do setor de mídia e tecnologia, desrespeitarem a soberania, a Carta Magna e as instituições brasileiras. Tentando apequenar, de maneira grosseira e imperdoável, a importância do Brasil no cenário global, do século XXI.

Embora sejam deprimentes essas atitudes, elas, de fato, não conseguem nada além de fomentar os delírios distópicos das bolhas direitistas, aqui e nos EUA. Juridicamente elas não têm quaisquer respaldos para alcançar sucesso. São manifestações de puro caráter político e sensacionalista, as quais estão encontrando a devida resposta, na altivez do poder judiciário brasileiro, o qual não mede esforços em defender e garantir a soberania nacional.

Contudo, me parece necessário que sejam tomadas as providências cabíveis em relação aos legisladores viajantes da República. Ora, entre tantas idas e vindas, aos EUA, eles (as) estão deixando de praticar o seu dever em função do cargo que ocupam. Estão se apropriando de dinheiro público, ao qual têm acesso por conta da função, em benefício próprio. E isso, caro (a) leitor (a), pode ser configurado em crime contra a administração pública!

Por essas e por outras é que o Brasil não consegue extirpar o seu ranço colonial. É imprescindível nos questionarmos em relação à nossa identidade nacional, às nossas representatividades, os nossos valores e crenças.  É importante entender que, por trás de todos os poderes, regalias e privilégios, está uma pirâmide social, cuja base é bem maior do que o topo. De modo que não há razões para que a base se permita continuar legitimando, através de aplausos, simpatias e apoios, o pensamento equivocado do topo, que se considera proprietário do país.  

Afinal de contas, o Brasil fundamenta a sua soberania a partir de “um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias” (Constituição Federal – Preâmbulo, 1988). 


quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

O desperdício e a fome


O desperdício e a fome

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Aqueles que já tiveram a oportunidade de ler o poema “O Bicho”, de Manuel Bandeira, escrito em 1947, podem imaginar o que é a fome para um ser humano. Não há sobrevivência sem alimento; por isso, essa circunstância é a materialização da perda da dignidade existencial. De modo que, em pleno século XXI, quando a Organização das Nações Unidas (ONU) através de seu relatório “O Estado da Segurança Alimentar e da Nutrição no Mundo (SOFI)”, publicado em 2024, manifesta que “Cerca de 733 milhões de pessoas passaram fome em 2023, o equivalente a uma em cada 11 pessoas no mundo e uma em cada cinco na África”, deveríamos entender as informações como um dos vieses do nosso fracasso civilizatório.  

Afinal de contas, a fome não é só a ausência de alimento. O retrato da chamada insegurança alimentar é composto por diversas variáveis: eventos extremos do clima, custo elevado, inacessibilidade geográfica, existência de conflitos e guerras, aprofundamento das desigualdades socioeconômicas, e o desperdício. O que significa que por trás da face bruta da fome existe uma certa engenhosidade maquiavélica promovida pelo próprio ser humano. Aliás, isso me faz lembrar a seguinte citação de Bertolt Brecht, “Para quem tem uma boa posição social, / falar de comida é coisa baixa. / É compreensível: eles já comeram”.

De fato, Brecht tinha razão. É das camadas mais privilegiadas da população que se permite os grandes atentados contra a dignidade humana, incluindo a fome. Não, porque essas pessoas não saibam que a fome existe e massacra e mata milhões, pelo mundo. Mas, porque não é do seu interesse, ou da sua disposição, abdicar de todas as regalias e prerrogativas sociais, que sempre desfrutaram, em prol da mitigação das desigualdades.  A fome não os afeta, dada a convicção de superioridade, de importância e de poder, que possuem as classes dominantes.  

Aliás, me deparei com um vídeo, postado por um veículo de informação alternativo 1, mostrando o trabalho de um youtuber, que fez um compilado de vídeos postados entre 2019 e 2024, a respeito do desperdício de toneladas de alimentos, por agricultores brasileiros, para forçar a alta dos preços no mercado. Depois, uma matéria sobre o mesmo assunto, postada em um site 2. Tais relatos dão conta de uma desumanidade mesquinha estarrecedora! Razão pela qual sou obrigada a concordar com as palavras de Ismail Serageldin, diretor fundador da nova Biblioteca de Alexandria, “A fome é um Holocausto silencioso. Custa milhares de vidas e, ainda assim, não gera comoção ou debate”; por isso, parece tão fácil e indolor promover o desperdício de alimentos, por alguns indivíduos.

Segundo matéria publicada em 2024, “A FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura) estima que cerca de 1,3 bilhão de toneladas de alimentos são perdidas ou desperdiçadas todos os anos — um cenário ainda mais preocupante quando lembramos das milhões de pessoas que precisam se alimentar” 3. Acontece que, no caso citado acima, são alimentos em condições próprias de consumo. Alimentos que seriam encaminhados aos mercados consumidores se não fosse uma decisão deliberada dos próprios agricultores, para pressionar o governo.

É importante ressaltar que por trás desse comportamento abjeto está a oposição político-partidária. Considerando que a defesa do bem-estar e da igualdade social é comumente associada às alas progressistas, a oposição prefere desperdiçar os alimentos ao invés de distribuí-los. Como se um gesto empático e altruísta, de sua parte, pudesse beneficiar a popularidade do progressismo nacional. Traço do nosso ranço colonial? Certamente. A resultante de séculos de desigualdades, no país, é essa.

A compreensão de que “A fome não é somente um fator de destruição da saúde e do vigor físico. Ela é ainda, em maior grau, um fator de desagregação moral “(Sergius Morgulis) é fundamental. A presença da fome, em qualquer país do mundo, é motivo, ou deveria ser, de vergonha, de expressão da nossa ausência de senso humanitário. Em síntese, isso significa que a fome é um dos vieses da Necropolítica, ou seja, da “capacidade de estabelecer parâmetros em que a submissão da vida pela morte está legitimada” 4. Uma filosofia que não se baseia somente em deixar morrer; mas, fazer morrer também.

Daí a necessidade de parar e refletir sobre o princípio da dignidade humana, ou seja, a garantia das necessidades vitais de cada indivíduo. E as formas de promovê-la incluem o respeito à integridade física e psicológica, o acesso à saúde e educação, a liberdade de expressão, a igualdade de direitos, o combate à discriminação, e as condições de trabalho justas e seguras. Não se pode falar em progresso e/ou desenvolvimento, quando a humanidade está marcada pela indignidade. Por isso, lembre-se: “A fome dos outros condena a civilização dos que não têm fome” (Dom Hélder Câmara).

terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

Que Brasil querem os (as) brasileiros (as)???


Que Brasil querem os (as) brasileiros (as)???

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Brasil. 525 anos de história. Assim, encerrado o tempo de viver preso ao passado. A realidade contemporânea do mundo coloca a Terra Brasilis em xeque-mate. Sim, o movimento ultradireitista global, que abriga também as demais faces da Direita, nos impõe uma decisão crucial sobre o futuro.

Até aqui, pouco mais de meio milênio, o Brasil se permitiu ser a reverberação do seu ranço colonial, em suas mais diversas camadas. Pois é, nem a independência da Metrópole Portuguesa, nem a chegada da República, foram suficientes para a construção de uma identidade nacional alinhada ao espírito democrático, como seria de se esperar. Permanecemos plutocráticos, conservadores, populistas, ... e; sobretudo, mantenedores de uma organização social flagrantemente desigual. De modo que o país arrasta suas mazelas sem grandes perspectivas de mudança.

E esse é o ponto. A grande massa brasileira, que sustenta o topo da pirâmide social, foi alienada a viver de migalhas, de raspas e de restos, por assim dizer. Nem mesmo, quando o voto, um direito cidadão, tornou-se universalizado, o (a) brasileiro (a) não se apropriou do seu protagonismo a respeito. Haja vista que em plena era tecnológica, com a urna eletrônica à disposição para tornar o pleito eleitoral ágil e seguro, há quem se permita condicionar a sua escolha a algum tipo de benesse.

Talvez, seja por isso, que a escolha de uma figura representativa, do ponto de vista político-partidário, seja o cerne da deseducação cidadã nacional. Ao depositar a simpatia e/ou o apoio a um certo indivíduo, isso afasta a população de construir uma análise crítica e reflexiva, em torno de todos os atributos necessários ao cargo; bem como, da plataforma política em si.

É, o (a) brasileiro (a) não escolhe propostas, ideias, projetos. Seu voto é distribuído a partir do possível carisma do (a) candidato (a)! Algo que não é somente grave, do ponto de vista cidadão; mas, da manifestação pública de desprezo ao país. O (a) eleitor (a), no fundo, não sabe o que quer para o seu país. Ele (a) não tem uma ideia preconcebida a respeito, ainda que consiga manifestar aspectos do seu desagrado.

Além disso, se ele não sabe o que quer, o que almeja, para o seu país, como esperar que ele entenda minimamente as discussões políticas? Sequer sabem o significado dos termos Direita e Esquerda ou Conservadores e Progressistas. Ou conhecem o trabalho de cada Poder da República. Ou entendem como funciona o sistema de governo vigente no país, o Presidencialismo. Ou percebem a importância de um governo democrático na sua vida cotidiana. Ou reconhecem o grau de prejuízo de certas práxis, como a compra de votos, por exemplo. Enfim...

A verdade é que durante séculos, na historicidade brasileira, os poderes e a governança eram privilégios de pouquíssimos, de modo que aos demais cabia somente aceitar as decisões. Sem ter vez e voz, a dinâmica do exercício democrático lhes passava, literalmente, à margem. Portanto, não houve uma construção do aprendizado cidadão. Ao receberem o direito de voto, a grande maioria da população se viu importante socialmente; mas, não entendeu o grau de responsabilidade que tal gesto significava.

Por essas e por outras, é que o Brasil tem vivido entre aventuras e desventuras. Daí eu ter iniciado essa breve reflexão manifestando que está “encerrado o tempo de viver preso ao passado”. A expansão do neofascismo contemporâneo, ao redor do planeta, através da ultradireita, com apoio das demais faces da Direita, torna urgente e fundamental que as eleições sejam atos de escolhas, verdadeiramente, conscientes e fundamentadas em uma proposta de país. A pergunta a se fazer, então, é: Que Brasil eu quero?

Se for um país que pretende desprezar as liberdades individuais e a democracia representativa, que rechaça os valores coletivos, que cultua a expansão imperialista baseada na ideia de domínio de povos mais vulneráveis, que realiza perseguição e morte daqueles tidos como inimigos, que são incapazes de combater as crises e de levar a nação à prosperidade, que utilizam as massas para exaltar “valores tradicionais” em detrimento de valores considerados “modernos”, você terá um Brasil de viés fascista.

Por outro lado, se for um país que pretende valorizar as liberdades individuais e a democracia representativa, que exalta os valores coletivos, que discorda da expansão imperialista baseada na ideia de domínio de povos mais vulneráveis, que não atua na perseguição e morte de eventuais inimigos, que busca combater as crises e levar a nação à uma condição de igualdade social, que entende o progresso como avanço científico, tecnológico, econômico e comunitário para o aperfeiçoamento da condição humana, você terá  um Brasil de viés democrático e progressista.

Portanto, não é sobre pessoas que temos que discutir. Aliás, porque elas vem e vão, dada a transitoriedade da vida. É sobre que país querem os (as) brasileiros (as) e quais representantes podem efetivamente se ajustar a esse perfil imaginado. Dizia Oscar Wilde que “O descontentamento é o primeiro passo na evolução de um homem ou de uma nação”. Se não gostamos disso ou daquilo temos que ter em mente uma proposta capaz de substituir o nosso descontentamento e buscar por alguém que esteja o mais próximo de tais projeções. Só assim, haverá uma oportunidade de futuro para o Brasil e para seus cidadãos. 

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

A sugestionabilidade social


A sugestionabilidade social

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Temos visto inúmeras tentativas de resgate de velhas práxis, pela Direita e seus matizes; sobretudo, a ultradireita, mundo afora. Embora, uma visão limitada a respeito da dinâmica social, a esperança desses indivíduos é trazer à tona um desfecho diferente e totalmente favorável aos seus interesses.

Nesse sentido, venho acompanhando o que acontece no Brasil. Bem, me parece que só aqueles que jamais estudaram a história nacional para não perceber aquilo que vem sendo desenhado no horizonte. Mais uma vez, o ponto de partida é o inconformismo, por parte de membros, apoiadores e simpatizantes das alas conservadoras nacionais, com a presença de elementos progressistas, no centro do poder nacional.   

Nada surpreendente! Afinal, pela configuração da historicidade brasileira, essas pessoas são herdeiras diretas da monarquia e das elites burguesas que se firmaram aqui. De modo que a sua formação ideológica se pauta nos mesmos valores, crenças e princípios, não havendo qualquer disposição e/ou interesse de reavaliação e transformação deles.

Então, uma vez sentindo-se, de alguma forma, ameaçados pelo progressismo, a figurar no poder, a primeira iniciativa é a manipulação enviesada da população quanto ao governo. Com base em fatos sensíveis à opinião pública, veículos de comunicação e de informação alinhados aos interesses conservadores passam a desenvolver suas notícias sob um viés sugestionável, contrário à governança vigente.

E dentre os instrumentos utilizados estão as pesquisas de opinião. Acontece que a estatística pode ser sim, afetada por diversos fatores alheios à matemática. Pensando na polarização político-partidária existente no país, a aleatoriedade, por exemplo, é um fator crucial.

Vamos supor uma pesquisa realizada por telefone. Se estabelece um número de ligações para a amostragem. Entretanto, os números selecionados podem traduzir uma predominância geográfica de um dos polos. O que significa que o resultado vai beneficiar um lado em detrimento de outro. Isso quer dizer que a metodologia necessita de isenção para refletir exatamente a realidade dos fatos.

Além disso, não se pode desconsiderar o poder de influência das mídias sociais na construção do inconsciente coletivo. De certa forma, as pesquisas tendem a sofrer a interferência de um pensamento preconcebido, disseminado através do mundo virtual, de maneira maciça. O pensamento já foi tão cooptado por certas ideias que as respostas acabam sendo fruto de um efeito manada.

Conseguido algum tipo de apoio ou simpatia da opinião pública, a seara político-partidária contrária ao governo parte, então, para outras estratégias. Uma delas é a proposição de um novo regime de governo, o qual retire do atual a força do seu poder. Como já aconteceu no passado, com a instituição do parlamentarismo. Uma manobra malsucedida e que, em 1993, foi definitivamente rechaçada através do plebiscito que demandava escolher entre monarquia ou república (forma de governo) e parlamentarismo ou presidencialismo (sistema de governo).

Outra questão, trazida à tona, é promover alterações na Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135, de 04/06/2010). Fruto de uma iniciativa popular, ela tem por propósito “incluir hipóteses de inelegibilidade que visam a proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato”.

O que significa flexibilizar ou relativizar a moralidade político-partidária, no país, para que elementos da Direita e seus matizes; sobretudo, a ultradireita, atualmente impedidos, possam retornar ao poder. Uma forma de fortalecer a ala conservadora nos espaços do poder nacional.

Sem contar, todo empenho dedicado a anistiar os envolvidos nos atos antidemocráticos, que culminaram na depredação do patrimônio público e dos prédios dos 3 Poderes, em Brasília, em 08 de janeiro de 2023. Nada mais do que uma tentativa de reproduzir à relativização da gravidade dos atos ocorridos, como no caso da Lei da Anistia (lei n.º 6.683, de 28/08/1979).

Dizia o filósofo grego, Platão, “Não espere por uma crise para descobrir o que é importante em sua vida”. Diante dessas breves considerações, vê-se que a sugestionabilidade social não pode ser menosprezada. Ela é o ponto de partida para a legitimação de atos profundamente danosos à Democracia, ao Estado de Direito, às instituições e à cidadania.  Porque, “Não são as nossas ideias que nos fazem otimistas ou pessimistas, mas o otimismo e o pessimismo de origem fisiológica que fazem as nossas ideias” (Miguel Unamuno).

Portanto, lembre-se das palavras de Confúcio, “Há três métodos para ganhar sabedoria: primeiro, por reflexão, que é o mais nobre; segundo, por imitação, que é o mais fácil; e terceiro, por experiência, que é o mais amargo”. Só assim, sabendo discernir é que nos tornamos capazes de nos posicionar autonomamente, sem nos submeter a quaisquer sugestões alheias. Afinal, “A democracia é atividade criadora dos cidadãos e aparece em sua essência quando existe igualdade, liberdade e participação” (Marilena Chaui). 

sábado, 15 de fevereiro de 2025

Bravo! Bravíssimo!


Bravo! Bravíssimo!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Eu tenho defendido, há tempos, que está na força das conjunturas o movimento que desenha a história. Por isso, não há coincidência e nem acaso. Tudo acontece fora das lentes, das percepções mais sutis. A prova disso pode ser atribuída ao filme “Ainda estou aqui” (2024), de Walter Salles. Um sucesso arrebatador, que transcendeu as fronteiras nacionais, para marcar as páginas da sétima arte, mundo afora.

Bem, para entender o que está acontecendo é fundamental prestar contas à linearidade da vida. Não existiria o filme sem o livro, sobre o qual ele foi baseado. Carlos Drummond de Andrade dizia: “Escritor: não somente uma certa maneira especial de ver as coisas, senão também uma impossibilidade de as ver de qualquer outra maneira”. De fato. Marcelo Rubens Paiva ao permitir contar a história da sua família, através da figura emblemática da sua mãe, Eunice, jamais poderia supor a reverberação que se daria dessa iniciativa.

Coisas que só um (a) filho (a) poderia produzir! Dada a tal “impossibilidade de ver as coisas de qualquer outra maneira”. O resultado foi sucesso. A obra literária chegou para tocar corações e mentes, pelas palavras tecidas na fonte das memórias, das vivências, das aventuras e das desventuras. Leitores diversos e plurais puderam mergulhar naquelas páginas, não somente se emocionando; mas, construindo uma reflexão empática que não se limita ao tempo ou ao espaço. O que não se sabia era que as conjunturas já estavam trabalhando a todo vapor.

Alguém que não poderia deixar de prestigiar o livro, Walter Salles tinha uma relação de amizade antiga com a família Paiva. De algum modo, muito especial, cada palavra era capaz de lhe ressoar uma lembrança. Então, na introspecção do seu processo de leitura, eis que pensamentos começaram a dar forma ao que poderia se tornar um outro caminho para aquela obra literária. Assim, passo a passo, as sementes começaram a germinar e a constituir uma estrutura para o universo cinematográfico. E a escolha do elenco, podemos dizer que foi a cereja do bolo. Perfeita! Como em um encontro único, incrível, no qual as personagens e seus intérpretes compuseram uma força única para a interpretação.

Aí, então, Fernanda Torres abriu as asas do seu talento, protagonizando a personagem principal, Eunice Paiva. Do mesmo modo que Marcelo não poderia imaginar os caminhos que seguiriam sua obra literária, Fernanda também não. O que faz ambos desfrutarem desse sucesso retumbante reside, justamente, na tal “impossibilidade de ver e fazer as coisas de qualquer outra maneira”. Daí o resultado surpreendente! Livro e filme trazem em si, a digital do afeto que move a entrega plena, do ser humano, a um trabalho. Antes de estabelecer qualquer diálogo com o mundo exterior, é preciso dialogar consigo mesmo.

Mas, isso não é tudo. As conjunturas parecem querer mais. O filme “Ainda estou aqui” provocou uma verdadeira desconstrução na percepção da identidade nacional brasileira. Ele já superou a marca de 5 milhões de espectadores na história do cinema nacional e vem promovendo um despertar coletivo, em torno da nossa historicidade. A visão histórica brasileira está renascendo da necessidade da análise crítica e reflexiva dos acontecimentos de ontem e de hoje.

E o cinema, nesse sentido, tem exercido um papel, na sociedade mundial, extremamente importante. A realidade factual como elemento propulsor para contar histórias tem sido muito bem recompensada. Contrariando as forças obscuras da pós-verdade, a sétima arte vem destacando filmes que discutem a verdade em si, que abordam a realidade por essa perspectiva factual. Seja nas linhas ou nas entrelinhas dos roteiros, a ideia do cinema tem sido capturar a atenção reflexiva do público espectador.

Haja vista o sucesso de Oppenheimer, em 2024, cujo roteiro aborda a jornada do físico teórico Oppenheimer, considerado como o “pai da bomba atômica”, em razão do seu papel no Projeto Manhattan, um empreendimento, durante a Segunda Guerra Mundial, para desenvolvimento de armas nucleares. Mas, é só fazer uma breve recapitulação sobre os filmes premiados, nos últimos anos, por diversas academias de cinema, para constatar esse movimento. Afinal, como bem escreveu Eduardo Galeano, “A primeira condição para modificar a realidade consiste em conhecê-la” [1]; e, as artes são, sem dúvida alguma, o espelho que fazem os Narcisos aprenderem a lidar com aquilo que não é belo; mas, é fundamental visualizar.  



[1] As veias abertas da América Latina (1971). 

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

Ainda somos os mesmos ...


Ainda somos os mesmos ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

É, o mundo do século XXI ainda se fundamenta pela expressão “Os fins justificam os meios”, uma paráfrase de Nicolau Maquiavel, que viveu entre os séculos XV e XVI.  Acontece que para toda ação há uma reação. De modo que as palavras do renascentista italiano abdicam de trazer à discussão quanto aos desdobramentos e consequências inerentes ao processo.

Dito isso, penso que seja prudente aos cidadãos do mundo a consciência de não apostarem suas fichas na conquista de um modelo de sustentabilidade socioambiental, conforme clamam as demandas planetárias. Infelizmente, grande parte das nações persiste em relativizar o recrudescimento dos impactos ambientais e dos eventos extremos do clima, apesar de todo o embasamento científico comprobatório.

Não, não há somente negacionismo vigorando sobre o assunto. Há, também, o relativismo. De modo que ambos impõem um jogo perigoso com o tempo, como se fosse possível flexibilizar os desastres ambientais à uma postergação indefinida. Porém, isso é pura insanidade idealista. Não existe a terceira margem da história, ou seja, ou defendemos um modelo de sustentabilidade socioambiental para o planeta ou nos entregamos de corpo e alma ao velho ideário desenvolvimentista.

Bem, a historicidade prova, por a mais b, que o desenvolvimentismo não foi capaz, em tempo algum, de aparar as arestas das desigualdades, por onde passou. Suas práxis são puramente exploratórias e degradantes, seja do ponto de vista das riquezas vegetais e minerais; mas, da própria população local. O ciclo de exploração da borracha, na Amazônia, é um exemplo disso. Milhares de pessoas acabaram mortas pela ação da tríade da fome, das doença e do abandono estatal, no fim do século XIX e início do século XX. Afinal, essa parece ser a estratégia empregada. Sensibilizar a opinião pública, de alguma forma, visto que, a verdade não consegue angariar apoio.  

Por isso, caro (a) leitor (a), não é só a extração de petróleo na foz do rio Amazonas, o que preocupa. Muitos devem se lembrar de como o país encontrou os Yanomamis, no início de 2023. O franco processo de extermínio a que haviam sido submetidos pelo total abandono do Estado brasileiro, tinha como pano de fundo a extração mineral aurífera. Então, se formos pensar em todo o potencial mineral existente na vasta territorialidade brasileira, começamos a entender a dimensão da ameaça que afeta não só o meio ambiente e seus recursos naturais; mas, milhares de cidadãos, habitantes dessas localidades.

Ora, a natureza sempre foi dinâmica. Mas, após a deflagração da 1ª Revolução Industrial e todo o processo de transformação socioambiental que ela desencadeou, a incidência dos impactos ambientais negativos passou a ser cada vez mais recorrente e avassaladora. Mesmo com a criação de instrumentos legais e de fiscalização, os riscos na contemporaneidade parecem, cada vez mais, subdimensionados, dada a força imposta pelos episódios extremos que vêm ocorrendo sistematicamente.

A verdade é que os sistemas de prevenção de desastres ambientais se mostram insuficientes e ineficientes para a realidade atual. E apesar dessa constatação, o país continua caminhando pela trilha de medidas minimamente mitigadoras, as quais não tendem a proteger nada e nem ninguém. No entanto, a sanha desenvolvimentista continua a todo vapor! Velhas mazelas. Novas mazelas. Nem sinal de que o desenvolvimentismo conseguiu dar um jeito de resolver os problemas que se arrastam historicamente, no país. Ao invés de diminuir, eles só fazem aumentar e se aprofundar. E quando chegam as eleições, se transformam em pauta de campanha, no mesmo lenga-lenga de promessas.  

Nos últimos tempos tem se usado muito o termo genocídio para explicar os acontecimentos beligerantes, em curso, no planeta. Muitos dedos em riste, para uns e outros, justificados pela participação inconteste deles no morticínio de milhares de pessoas. Mas, o que dizer do genocídio ambiental?

Segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), “Dos mais de 120 milhões de deslocados forçados no mundo, três quartos vivem em países fortemente impactados pelas mudanças climáticas. Metade está em locais afetados por conflitos e riscos climáticos, como Etiópia, Haiti, Mianmar, Somália, Sudão e Síria” 1.

A permanecer-se distante da consolidação de um modelo de sustentabilidade socioambiental, o planeta Terra, em breve, estará diante de um extermínio ambiental, em massa, da sua população. Os mais de 8 bilhões de seres humanos estão sim, sob ameaça de morrerem por fome, por sede, por frio, por calor extremo, por afogamento, por deslizamento de terra, por tsunamis, por furacões, por vulcões e/ou por terremotos.

Decorrências diretas e indiretas das ações antrópicas realizadas, que romperam com o equilíbrio natural e geográfico, nos últimos séculos. Porém, dessa vez, longe de ser um extermínio por raça, etnia ou religião, ele será a consequência fatal da deliberação contra a sobrevivência da raça humana em si. O que significa que por trás de cada vida ceifada irá se saber que os algozes foram a ganância, a cobiça e o poder, apropriados por certas figuras despidas da sua própria humanidade.  

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

Conspiram golpes. Conspiram anistias.


Conspiram golpes. Conspiram anistias.

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

A conspiração em favor da anistia aos envolvidos em toda a trama golpista, que culminou no 08 de janeiro de 2023, é a manifestação explícita do ranço colonial brasileiro. Aos que ainda não se deram conta, a Direita e seus matizes são frutos das elites coloniais; sobretudo, do seu ideário retrógrado e da sua excessiva soberba social.

Portanto, uma gente que se entende acima do bem e do mal, nascida para ostentar uma superioridade inabalável, a qual não precisa responder por quaisquer atos de incivilidade ou de anticidadania. Acontece que só clama por perdão quem admite ter errado. O que significa que não restam dúvidas, aos próprios envolvidos, a sua responsabilidade em tais eventos.

Apesar de todas as regalias e privilégios, os quais muitos desse grupo desfrutam, nada disso é prerrogativa para absolvê-los de suas práxis ilícitas. Atentar contra a Democracia, à Constituição Federal, às instituições e o país em si, não é fato banal. Essas pessoas tentaram impor uma onda gigantesca de instabilidade ao cenário nacional, que poderia ter tido um desfecho ainda mais tenebroso.

Tudo por conta de considerarem que o país lhes pertence. Uma convicção desvirtuada em torno do direito de propriedade, como tantas interpretações fajutas já manifestas sobre outros assuntos. Por trás desse pensamento insano estão muitos descendentes diretos das oligarquias históricas; mas, também, outros tantos que chegaram aos andares superiores do poder, por força de novos arranjos das elites.

O certo é que se sentem uma casta de escolhidos. E por essa razão, pensam que mandam e desmandam, no país, à revelia das leis, das instituições, ou de quem quer que seja. Então, basta que se sintam contrariados, por alguém ou alguma situação, eles abdicam dos bons modos e da civilidade, para resolver tudo, segundo o seu próprio modus operandi. Afinal, sob seu ponto de vista, pessoal e intransferível, eles estão historicamente legitimados, para tal.

Entretanto, por sorte, depois de pouco mais de 500 anos de história, de muitos giros e rodopios, o Brasil não é mais o mesmo. Muita água rolou por debaixo das pontes, nesse país! E se a Democracia ainda é muito jovem, por aqui, ela não parece concordar em fazer vistas grossas aos insultos e violências que lhes são desferidos. Na verdade, ela anda sem paciência com certos melindres e chiliques, de uns e outros. O que a tem feito reunir muita gente que pensa da mesma forma e aspira pelo mesmo desejo de colocar a história no seu devido lugar.

A ideia de passar a limpo, não cabe. O que foi, já foi. Mas, o rescaldo triste e vergonhoso de tempos sombrios e deploráveis, esse sim, pode construir uma consciência que não permite repetir os velhos erros, trazendo uma oportunidade humanizada para o futuro. Por isso, os chamados “donos da bola” não podem continuar botando banca, transparecendo-se superiores, intimidando, constrangendo, humilhando, quem não se rende ao seu vociferar mandão.

Veja, como tudo isso é uma caricata reprodução dos nossos tempos coloniais. O mesmo comportamento arbitrário, tirano, dominador, da Metrópole que nos colonizou, agora, serve de modelo de inspiração para a Direita e seus matizes; sobretudo, os mais radicais e extremistas. Até onde me lembro, poucas foram as Metrópoles, as quais, hoje, na condição de importantes nações desenvolvidas, pediram anistia pelos seus atos mais abomináveis, reprováveis, indignos, cometidos contra as suas ex-colônias.

Talvez, porque sua própria consciência lhes tenha feito perceber a dimensão da impossibilidade de clamar por perdão oficial, considerando a brutalidade, a perversidade, a beligerância, com que afetaram a vida de milhares de seres humanos indefesos, transformando o curso de suas histórias, de maneira definitiva.  O que nos faz perceber, como as tentativas de esconder, de invisibilizar, de manipular, de distorcer a história são inócuas, frente a robustez da memória em torno dos fatos em si.

A dinâmica da vida não se apaga, dadas as lembranças, as memórias, todo uma historicidade registrada. De modo que, em síntese, anistias têm efeito reverso. Elas são reafirmações e revivências do que se pretende esconder, ocultar, esquecer. Elas dizem em alto e bom tom a verdade indigesta dos fatos. Acontece que ao se anistiar indivíduos adultos, pessoas dotadas de consciência e responsabilidade cidadã, o Estado os infantiliza, ou seja, imputa-lhes uma incapacidade de assumir seus próprios erros. Uma brecha para que venham repetir sua má conduta, seu delito, uma outra vez. Portanto, é como disse Benjamin Franklin, “Tudo o que começa com raiva acaba em vergonha”. 

terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

CORRUPÇÃO ...


CORRUPÇÃO ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Segundo o relatório anual da Transparência Internacional sobre o Índice de Percepção de Corrupção, o qual estabelece o ranking dos países do mundo de acordo com o grau em que a corrupção é percebida como existente entre os funcionários públicos e políticos, o Brasil apresentou retrocesso e ficou na 107ª posição na edição de 2024.

Lamento, mas corrupção no Brasil é presença constante na sua historicidade. Eu sei que a corrupção não é um privilégio nacional; mas, por aqui ela é uma terrível endemia. Não pelo fato das práxis em si; mas, pelo modo como a própria sociedade lida e trivializa os acontecimentos.

Corrupção não é só um caso de polícia, de justiça. Mais do que isso, corrupção é caso de profundo desvirtuamento e desconsideração com a própria identidade cidadã. Trata-se da manifestação mais contundente da desimportância que se dá ao senso coletivo. Um olhar estritamente individualista e narcísico.

Mas, não para por aí. A corrupção também encontra espaço para prosperar, por conta das fragilidades e vulnerabilidades democráticas, dos excessos burocráticos, da plutocracia 1, das desigualdades socioeconômicas, dos baixos níveis educacionais. Afinal, esse emaranhado contexto social dificulta a promoção de políticas adequadas e eficazes contra a corrupção.

Por isso, se engana quem pensa que a corrupção só existe mediante grandes ilícitos. Não. A corrupção come pelas beiradas. Lenta e gradualmente. Suborno. Peculato (Apropriação indébita ou Rachadinha).  Tráfico de influência. Fisiologismo. Nepotismo. Clientelismo. ... Somente, quando a situação já está impossível de esconder é que a notícia explode para conhecimento da opinião pública.

Aí, se tem a grande decepção. Por mais que a polícia e a justiça se empenhem no combate às práxis da corrupção, chegou-se a um ponto, no país, que a sociedade não mais se escandaliza ou enfurece, a respeito. Simplesmente, vê os casos como algo trivial, banal, natural à historicidade brasileira.

Acontece que esse pensamento legitima a corrupção. Daí ela persistir; pois, não encontra uma resistência social forte e robusta. Além disso, é importante ressaltar que esse comportamento, também, contribui significativamente para uma explosão de absurdos, os quais pelo fato de serem amparados por lei, não se caracterizam como crimes. Porém, do ponto de vista ético e moral são tão escandalosos e ultrajantes quanto a corrupção.

É o caso, por exemplo, dos supersalários. Enquanto milhões de brasileiros fazem malabarismos econômicos para sobreviver com seu salário-mínimo, uma parcela ínfima de cidadãos, que atuam nas estruturas dos Poderes da República, desfrutam de pequenas fortunas pagas mensalmente. Sim, além dos salários vultosos, essa gente incorpora uma série de benefícios adicionais, os chamados penduricalhos.

Algo que rompe flagrantemente com o princípio da igualdade constitucional. Não, não somos iguais, caro (a) leitor (a)! Por conta dessas regalias e privilégios, esses indivíduos são alçados a uma posição de superioridade e importância, a qual sequer os permite ver, com nitidez e clareza, a dura realidade da grande massa da população. Talvez, por isso, as mazelas que se arrastam historicamente, no país, lhes passem sempre despercebidas.

É, já dizia o Barão de Montesquieu, “A corrupção dos governantes quase sempre começa com a corrupção dos seus princípios”. Vale ressaltar, ao ler governantes, leia-se todos aqueles que são cobertos por regalias e privilégios custeados com o dinheiro público. São esses que se permitem flexibilizar seus princípios a fim de satisfazer suas conveniências e interesses.

Por essas e por outras, “Quando observares a corrupção a ser recompensada e a honestidade a converter-se em autossacrifício; então poderás constatar que a tua sociedade está condenada” (Ayn Rand). É nesse tipo de autorreflexão que reside o ímpeto de resgatar o pudor cidadão, capaz de não permitir a continuidade e a perpetuação da banalização ou da trivialização dos atos que afrontam a ética e a moral, no país.

domingo, 9 de fevereiro de 2025

Prato cheio sem deixar o bolso vazio ...


Prato cheio sem deixar o bolso vazio ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Por trás de más ou boas intenções há sempre escolhas. Sim, porque em sã consciência o ser humano é capaz de analisar os fatos e operar com racionalidade a reflexão a respeito deles. Foi por essa razão que decidi trazer-lhes minhas considerações sobre a elevação do preço dos alimentos, no Brasil. Afinal, ela tem sido um prato cheio para que integrantes, simpatizantes e apoiadores da Direita nacional e seus matizes, bradem raivosamente contra o governo.

Bem, todo indivíduo que se preza, teve a oportunidade de realizar o experimento do feijãozinho, na escola. Aprendeu que era preciso dar as condições necessárias, para que a pequenina semente pudesse germinar. Nada de excessos. Nada de carências. Enfim. De modo que esse registro da memória escolar é extremamente válido para compor uma análise amplificada da realidade.

Lamentavelmente, os efeitos extremos do clima, ocorridos ao redor do planeta, têm sim, confrontado as demandas agrícolas e reduzido a oferta de produtos, o que causa diretamente a elevação nos preços. Cada vegetal tem uma particularidade em termos de irrigação, de insolação, de nutrientes no solo, de ventos, para cumprir seu ciclo de produção. Portanto, a mínima instabilidade climática pode fazer sucumbir uma lavoura inteira.

E não bastasse a imprevisibilidade, a qual está submetida os agentes climáticos, não podemos nos esquecer de que o Brasil se permitiu realizar o chamado Dia do Fogo, transformando uma grande extensão do território nacional em cinzas e carvão, além de todo o particulado, em suspenso, que tornou o ar irrespirável e tóxico, por semanas. Uma manifestação antrópica que potencializou os próprios agravos naturais. De modo que estamos diante do óbvio, ou seja, a insuficiência de alimentos gerando elevação dos preços.  

O pior desse contexto é que ele atinge, direta e primeiramente, as camadas mais frágeis e vulneráveis da população. A renda dessas pessoas se torna cada vez mais insuficiente para garantir a sua segurança alimentar. Contudo, uma das melhores estratégias que se tem para driblar esse momento de adversidade é olhar para a situação dessas pessoas, de maneira estratégica, a partir da sua própria realidade geográfica.

Toda cidade brasileira, especialmente em áreas periféricas, possui espaços ociosos que podem, e devem, ser transformados em hortas e pequenos pomares comunitários. Aliás, há muitas escolas, nessas regiões, que dispõem de pequenos espaços, passíveis de serem colaboradores dessa ideia, também.

Cuidadas por cidadãos voluntários, da própria localidade, essas hortas e pequenos pomares podem garantir uma mesa nutritiva para inúmeras famílias. Através da ação das lideranças comunitárias, a escola pode se tornar, em período extraclasse, um local de palestras e oficinas, ministradas por profissionais da área de alimentação.

Um exemplo é o Programa Alimente-se Bem, do Serviço Social da Indústria de São Paulo (SESI-SP), o qual contribui com uma “educação alimentar e nutricional, saúde, economia e sustentabilidade, ao incentivar o hábito do aproveitamento integral de frutas, verduras e legumes, no preparo de receitas nutritivas, saborosas e sem desperdícios” 1. 

Esse conhecimento permite que as hortas e os pequenos pomares sejam pensados a fornecer uma diversidade de alimentos, os quais combinados ou não, podem ser preparados de maneira rápida e saborosa. Dentro das suas escolhas, os cidadãos vão aprendendo a criar seus cardápios e deixar a cozinha de casa ou da escola, nutritiva. Cheia de legumes, verduras, frutas, sementes, talos, folhas, cascas.

É como escreveu Rodrigo Polesso, em seu livro "Este não é mais um livro de dieta" (2019), “A cada vez que você ingere um alimento, você está alimentando sua saúde ou está alimentando uma doença. A escolha é sempre sua, a cada garfada”.

Na verdade, a importância das hortas e dos pequenos pomares não está somente na mitigação de uma situação emergencial de oferta e preços elevados; mas, também, no fato de que ao tornar a alimentação saudável acessível ao maior número de pessoas, estamos contribuindo para a redução de inúmeras doenças causadas pelo excesso de consumo de alimentos industrializados e ultraprocessados.

Sim, porque esse tipo de alimentação, por ser produzida em grande escala, chega às prateleiras dos mercados e hipermercados com preços mais acessíveis à grande massa da população. Além disso, em tese, são mais rápidos e fáceis de preparar. Um atrativo e tanto para quem vive na correria das grandes cidades.

Acontece que, não demora muito, para esse hábito se converter em Diabetes, hipertensão, Colesterol elevado, problemas renais e hepáticos, obesidade, ... Demandando a utilização de diferentes tratamentos e medicações. Por isso, as hortas e os pequenos pomares comunitários são uma proposta importantíssima para o Brasil.

Não estou desconsiderando, em hipótese alguma, que o país abandone a ideia de um mercado regulador de preços para os alimentos da cesta básica ou qualquer outra medida, visando reduzir custos e garantir a disponibilidade de alimentos. Acontece que, diante da carestia, o cidadão não pode esperar!

Ah, e mesmo que um evento climático venha a impactar as hortas e os pequenos pomares, em uma cidade ou região, aquelas que não foram afetadas podem se dispor a ajudar, encaminhando o excedente produzido.

Por essas e por outras é que a ideia das hortas e dos pequenos pomares; sobretudo, nesse quadro agudo, é fundamental. Mas, nem por isso, precisa ser dispensada posteriormente. Pode seguir, firme e forte, em nome da proteção à segurança alimentar nacional.

Afinal de contas, já dizia Nelson Mandela, “Democracia com fome, sem educação e saúde para a maioria, é uma concha vazia”; pois, “Nos lugares em que homens e mulheres e crianças carregam o fardo da fome, um discurso sobre democracia e liberdade que não reconheça estes aspectos materiais pode soar falso e minar os valores que procuramos promover”.