Prato
cheio sem deixar o bolso vazio ...
Por Alessandra
Leles Rocha
Por trás de más ou boas intenções
há sempre escolhas. Sim, porque em sã consciência o ser humano é capaz de
analisar os fatos e operar com racionalidade a reflexão a respeito deles. Foi por
essa razão que decidi trazer-lhes minhas considerações sobre a elevação do
preço dos alimentos, no Brasil. Afinal, ela tem sido um prato cheio para que integrantes,
simpatizantes e apoiadores da Direita nacional e seus matizes, bradem raivosamente
contra o governo.
Bem, todo indivíduo que se preza,
teve a oportunidade de realizar o experimento do feijãozinho, na escola. Aprendeu
que era preciso dar as condições necessárias, para que a pequenina semente
pudesse germinar. Nada de excessos. Nada de carências. Enfim. De modo que esse
registro da memória escolar é extremamente válido para compor uma análise
amplificada da realidade.
Lamentavelmente, os efeitos
extremos do clima, ocorridos ao redor do planeta, têm sim, confrontado as demandas
agrícolas e reduzido a oferta de produtos, o que causa diretamente a elevação
nos preços. Cada vegetal tem uma particularidade em termos de irrigação, de
insolação, de nutrientes no solo, de ventos, para cumprir seu ciclo de
produção. Portanto, a mínima instabilidade climática pode fazer sucumbir uma
lavoura inteira.
E não bastasse a
imprevisibilidade, a qual está submetida os agentes climáticos, não podemos nos
esquecer de que o Brasil se permitiu realizar o chamado Dia do Fogo, transformando
uma grande extensão do território nacional em cinzas e carvão, além de todo o
particulado, em suspenso, que tornou o ar irrespirável e tóxico, por semanas. Uma
manifestação antrópica que potencializou os próprios agravos naturais. De modo
que estamos diante do óbvio, ou seja, a insuficiência de alimentos gerando
elevação dos preços.
O pior desse contexto é que ele
atinge, direta e primeiramente, as camadas mais frágeis e vulneráveis da
população. A renda dessas pessoas se torna cada vez mais insuficiente para
garantir a sua segurança alimentar. Contudo, uma das melhores estratégias que
se tem para driblar esse momento de adversidade é olhar para a situação dessas
pessoas, de maneira estratégica, a partir da sua própria realidade geográfica.
Toda cidade brasileira, especialmente
em áreas periféricas, possui espaços ociosos que podem, e devem, ser transformados
em hortas e pequenos pomares comunitários. Aliás, há muitas escolas, nessas regiões,
que dispõem de pequenos espaços, passíveis de serem colaboradores dessa ideia,
também.
Cuidadas por cidadãos
voluntários, da própria localidade, essas hortas e pequenos pomares podem
garantir uma mesa nutritiva para inúmeras famílias. Através da ação das lideranças
comunitárias, a escola pode se tornar, em período extraclasse, um local de palestras
e oficinas, ministradas por profissionais da área de alimentação.
Um exemplo é o Programa
Alimente-se Bem, do Serviço Social da Indústria de São Paulo (SESI-SP), o qual
contribui com uma “educação alimentar e nutricional, saúde, economia e
sustentabilidade, ao incentivar o hábito do aproveitamento integral de frutas,
verduras e legumes, no preparo de receitas nutritivas, saborosas e sem
desperdícios” 1.
Esse conhecimento permite que as
hortas e os pequenos pomares sejam pensados a fornecer uma diversidade de
alimentos, os quais combinados ou não, podem ser preparados de maneira rápida e
saborosa. Dentro das suas escolhas, os cidadãos vão aprendendo a criar seus
cardápios e deixar a cozinha de casa ou da escola, nutritiva. Cheia de legumes,
verduras, frutas, sementes, talos, folhas, cascas.
É como escreveu Rodrigo Polesso, em
seu livro "Este não é mais um livro de dieta" (2019), “A
cada vez que você ingere um alimento, você está alimentando sua saúde ou está
alimentando uma doença. A escolha é sempre sua, a cada garfada”.
Na verdade, a importância das hortas
e dos pequenos pomares não está somente na mitigação de uma situação emergencial
de oferta e preços elevados; mas, também, no fato de que ao tornar a
alimentação saudável acessível ao maior número de pessoas, estamos contribuindo
para a redução de inúmeras doenças causadas pelo excesso de consumo de alimentos
industrializados e ultraprocessados.
Sim, porque esse tipo de
alimentação, por ser produzida em grande escala, chega às prateleiras dos mercados
e hipermercados com preços mais acessíveis à grande massa da população. Além disso,
em tese, são mais rápidos e fáceis de preparar. Um atrativo e tanto para quem vive
na correria das grandes cidades.
Acontece que, não demora muito,
para esse hábito se converter em Diabetes, hipertensão, Colesterol elevado, problemas
renais e hepáticos, obesidade, ... Demandando a utilização de diferentes
tratamentos e medicações. Por isso, as hortas e os pequenos pomares
comunitários são uma proposta importantíssima para o Brasil.
Não estou desconsiderando, em hipótese
alguma, que o país abandone a ideia de um mercado regulador de preços para os
alimentos da cesta básica ou qualquer outra medida, visando reduzir custos e garantir
a disponibilidade de alimentos. Acontece que, diante da carestia, o cidadão não
pode esperar!
Ah, e mesmo que um evento
climático venha a impactar as hortas e os pequenos pomares, em uma cidade ou
região, aquelas que não foram afetadas podem se dispor a ajudar, encaminhando o
excedente produzido.
Por essas e por outras é que a
ideia das hortas e dos pequenos pomares; sobretudo, nesse quadro agudo, é
fundamental. Mas, nem por isso, precisa ser dispensada posteriormente. Pode
seguir, firme e forte, em nome da proteção à segurança alimentar nacional.
Afinal de contas, já dizia Nelson
Mandela, “Democracia com fome, sem educação e saúde para a maioria, é uma
concha vazia”; pois, “Nos lugares em que homens e mulheres e crianças
carregam o fardo da fome, um discurso sobre democracia e liberdade que não
reconheça estes aspectos materiais pode soar falso e minar os valores que
procuramos promover”.