domingo, 9 de fevereiro de 2025

Prato cheio sem deixar o bolso vazio ...


Prato cheio sem deixar o bolso vazio ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Por trás de más ou boas intenções há sempre escolhas. Sim, porque em sã consciência o ser humano é capaz de analisar os fatos e operar com racionalidade a reflexão a respeito deles. Foi por essa razão que decidi trazer-lhes minhas considerações sobre a elevação do preço dos alimentos, no Brasil. Afinal, ela tem sido um prato cheio para que integrantes, simpatizantes e apoiadores da Direita nacional e seus matizes, bradem raivosamente contra o governo.

Bem, todo indivíduo que se preza, teve a oportunidade de realizar o experimento do feijãozinho, na escola. Aprendeu que era preciso dar as condições necessárias, para que a pequenina semente pudesse germinar. Nada de excessos. Nada de carências. Enfim. De modo que esse registro da memória escolar é extremamente válido para compor uma análise amplificada da realidade.

Lamentavelmente, os efeitos extremos do clima, ocorridos ao redor do planeta, têm sim, confrontado as demandas agrícolas e reduzido a oferta de produtos, o que causa diretamente a elevação nos preços. Cada vegetal tem uma particularidade em termos de irrigação, de insolação, de nutrientes no solo, de ventos, para cumprir seu ciclo de produção. Portanto, a mínima instabilidade climática pode fazer sucumbir uma lavoura inteira.

E não bastasse a imprevisibilidade, a qual está submetida os agentes climáticos, não podemos nos esquecer de que o Brasil se permitiu realizar o chamado Dia do Fogo, transformando uma grande extensão do território nacional em cinzas e carvão, além de todo o particulado, em suspenso, que tornou o ar irrespirável e tóxico, por semanas. Uma manifestação antrópica que potencializou os próprios agravos naturais. De modo que estamos diante do óbvio, ou seja, a insuficiência de alimentos gerando elevação dos preços.  

O pior desse contexto é que ele atinge, direta e primeiramente, as camadas mais frágeis e vulneráveis da população. A renda dessas pessoas se torna cada vez mais insuficiente para garantir a sua segurança alimentar. Contudo, uma das melhores estratégias que se tem para driblar esse momento de adversidade é olhar para a situação dessas pessoas, de maneira estratégica, a partir da sua própria realidade geográfica.

Toda cidade brasileira, especialmente em áreas periféricas, possui espaços ociosos que podem, e devem, ser transformados em hortas e pequenos pomares comunitários. Aliás, há muitas escolas, nessas regiões, que dispõem de pequenos espaços, passíveis de serem colaboradores dessa ideia, também.

Cuidadas por cidadãos voluntários, da própria localidade, essas hortas e pequenos pomares podem garantir uma mesa nutritiva para inúmeras famílias. Através da ação das lideranças comunitárias, a escola pode se tornar, em período extraclasse, um local de palestras e oficinas, ministradas por profissionais da área de alimentação.

Um exemplo é o Programa Alimente-se Bem, do Serviço Social da Indústria de São Paulo (SESI-SP), o qual contribui com uma “educação alimentar e nutricional, saúde, economia e sustentabilidade, ao incentivar o hábito do aproveitamento integral de frutas, verduras e legumes, no preparo de receitas nutritivas, saborosas e sem desperdícios” 1. 

Esse conhecimento permite que as hortas e os pequenos pomares sejam pensados a fornecer uma diversidade de alimentos, os quais combinados ou não, podem ser preparados de maneira rápida e saborosa. Dentro das suas escolhas, os cidadãos vão aprendendo a criar seus cardápios e deixar a cozinha de casa ou da escola, nutritiva. Cheia de legumes, verduras, frutas, sementes, talos, folhas, cascas.

É como escreveu Rodrigo Polesso, em seu livro "Este não é mais um livro de dieta" (2019), “A cada vez que você ingere um alimento, você está alimentando sua saúde ou está alimentando uma doença. A escolha é sempre sua, a cada garfada”.

Na verdade, a importância das hortas e dos pequenos pomares não está somente na mitigação de uma situação emergencial de oferta e preços elevados; mas, também, no fato de que ao tornar a alimentação saudável acessível ao maior número de pessoas, estamos contribuindo para a redução de inúmeras doenças causadas pelo excesso de consumo de alimentos industrializados e ultraprocessados.

Sim, porque esse tipo de alimentação, por ser produzida em grande escala, chega às prateleiras dos mercados e hipermercados com preços mais acessíveis à grande massa da população. Além disso, em tese, são mais rápidos e fáceis de preparar. Um atrativo e tanto para quem vive na correria das grandes cidades.

Acontece que, não demora muito, para esse hábito se converter em Diabetes, hipertensão, Colesterol elevado, problemas renais e hepáticos, obesidade, ... Demandando a utilização de diferentes tratamentos e medicações. Por isso, as hortas e os pequenos pomares comunitários são uma proposta importantíssima para o Brasil.

Não estou desconsiderando, em hipótese alguma, que o país abandone a ideia de um mercado regulador de preços para os alimentos da cesta básica ou qualquer outra medida, visando reduzir custos e garantir a disponibilidade de alimentos. Acontece que, diante da carestia, o cidadão não pode esperar!

Ah, e mesmo que um evento climático venha a impactar as hortas e os pequenos pomares, em uma cidade ou região, aquelas que não foram afetadas podem se dispor a ajudar, encaminhando o excedente produzido.

Por essas e por outras é que a ideia das hortas e dos pequenos pomares; sobretudo, nesse quadro agudo, é fundamental. Mas, nem por isso, precisa ser dispensada posteriormente. Pode seguir, firme e forte, em nome da proteção à segurança alimentar nacional.

Afinal de contas, já dizia Nelson Mandela, “Democracia com fome, sem educação e saúde para a maioria, é uma concha vazia”; pois, “Nos lugares em que homens e mulheres e crianças carregam o fardo da fome, um discurso sobre democracia e liberdade que não reconheça estes aspectos materiais pode soar falso e minar os valores que procuramos promover”.