sexta-feira, 14 de junho de 2024

Foi uma grata notícia ...


Foi uma grata notícia ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Foi uma grata notícia perceber que a alienação contemporânea não destruiu completamente o intelecto humano. Pois é, tudo parecia calmo até que ... milhares de cidadãs e cidadãos brasileiros foram para as ruas protestar contra o Projeto de Lei (PL) 1904/2024, que busca equiparar o aborto ao homicídio, inclusive, com pena mais severa para uma vítima de estupro, do que a pena prevista para o estuprador.

Essa movimentação que se capilarizou pelas mídias sociais, pelos veículos de comunicação e de informação, tradicionais e alternativos, por anônimos e famosos, pelas Organizações Não-Governamentais (ONGs), pelas personalidades científicas, ... na verdade, disse mais do que poderia supor.

Lamento informar que a dinâmica recente do Congresso Nacional brasileiro não tem sido vista e entendida de maneira correta. Uma passada de olhos pelas notícias para ver como o burburinho histriônico da oposição ao governo, diz respeito a uma série de pautas que repercutiram negativamente sobre os seus próprios planos, em razão do falatório popular.

A princípio, nada mais pertinente ao histórico colonial do país. Nesses pouco mais de 500 anos de história, as elites dominantes nacionais se acostumaram a fazer e a acontecer, sem precisar dar satisfação de absolutamente nada, ao restante da população. Todo os poderes estavam sob o seu guarda-chuva de domínio e comando, o que significa que estava estabelecida e consolidada uma relação de poder assimétrica.

Daí o erro, em não perceber que o mundo girou, girou, girou, ... e as relações sociais passaram por profundas metamorfoses à revelia das vontades e quereres dessa elite dominante nacional. Aos trancos e barrancos, brasileiros e brasileiras foram adquirindo vez e voz para reafirmarem a sua cidadania. O que afetou diretamente o equilíbrio de forças no tabuleiro do país.

O que torna curioso o comportamento do Congresso Nacional, quando decide tensionar e afrontar o governo eleito democraticamente, em 2022, apostando no desgaste político da figura presidencial. Antes de suas pautas serem de interesse, ou de importância, para o Executivo, seria de bom tom apurar em que medida elas mexem com as expectativas e demandas de, pelo menos, 50,83% dos votos que se colocaram em alinhamento ao progressismo nacional.

Aliás, porque tendo em vista as históricas ironias da política brasileira, o comportamento do eleitorado é bastante controverso. Ele não ajusta as suas escolhas representativas de maneira ideal. Haja vista que o Congresso vigente tem maioria contrária ao Executivo. No entanto, dependendo se o cenário compromete os seus interesses mais caros e sensíveis, esse eleitorado não se furta em romper laços de apoio com os seus representantes. Um sinal claro de que os ventos mudam e as pretensões eleitorais também.

Por mais que estes sejam tempos de uma realidade político-social bastante particular; sobretudo, em razão das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs), o ser humano ainda guarda a percepção consciente, e inconsciente, sobre o que afeta a sua vida. Apesar de todas as investidas do projeto necropolítico de poder, que as elites dominantes trabalham arduamente para consolidar, as sementes de resistência se dispersam em esforço contínuo.  

Como dizem, por aí, “quem faz barulho, bate palma, bate panela e grita bem alto a sua indignação”! Ou seja, fazem de tudo para deixar em evidência a sua oposição, a sua insatisfação, a sua frustração e, talvez, quem sabe, a sua indisposição em repetir o mesmo voto de apoio, em outro pleito. Diante de uma quebra de confiança, de uma ruptura desleal, emerge sempre um desconforto difícil de ser superado. Traições no campo político-partidário costumam ser comuns aos participantes; mas, para parte do eleitorado, a situação toca de uma maneira bem diferente.

Por isso, me parece tão bizarro o comportamento da oposição legislativa nacional. Entubar goela abaixo as suas vontades e quereres, a fim de construir o seu Brasil idealizado, é um risco político muito alto a se pagar. Depois de tudo que a humanidade experenciou até aqui, é simplesmente inconcebível acreditar que alguém irá aceitar, pacífica e entusiasticamente, retrocessos que imponham quaisquer domesticações à sua liberdade, aos seus direitos já adquiridos. Tá de brincadeira, né?!

Pode ser que muitos não tenham grandes aspirações para uma transformação social ousada, radical. Mas, que não queiram retrocessos, sob diferentes formas e conteúdos, isso me parece totalmente verdadeiro e plausível. Especialmente, depois da pandemia da COVID-19, a dimensão das perdas sociais foi dissecada e amplificada, de tal forma, que as pessoas não querem mais experimentar nada parecido.

Então, quando os veículos de comunicação e de informação se colocaram a exibir as imagens das pessoas nas ruas protestando, exteriorizando as suas emoções e sentimentos mais legítimos, um tipo de satisfação esperançosa me invadiu. De repente, vi materializada em suas figuras, o que um dia Jean-Paul Sartre falou: “O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós”. Não nos esqueçamos disso!