Por enquanto,
apenas a ponta do iceberg...
Por Alessandra
Leles Rocha
Engana-se quem pensa que a catástrofe
climática no Rio Grande do Sul esteja consolidada. Cidades imersas em água lamacenta,
mortos, desaparecidos, feridos e desabrigados, caos por toda parte, são só a
ponta de um iceberg de desafios socioambientais que ainda irão se desdobrar e
que afetarão o país de uma maneira bastante ampla.
Uma coisa que a maioria das
pessoas têm dificuldade de entender, ou de aceitar, é que há uma correspondência
direta entre as questões ambientais e a economia. Não, da perspectiva de que as
medidas de sustentabilidade e de proteção socioambiental sejam um entrave para
o desenvolvimento econômico, como tentam defender uns e outros, por aí.
Na verdade, é o não agir em favor
dessas medidas e proteções o que mais coloca em risco a economia da sociedade contemporânea.
Haja vista, por exemplo, como estão áreas importantes do agronegócio gaúcho. Vastas
extensões de terra estão submersas, alagadas, encharcadas, por um volume
torrencial de chuva que se abateu sobre o Rio Grande do Sul.
Sem contar que muitas das
estradas para escoamento da produção estão danificadas ou totalmente destruídas,
o que demandará um longo período de reconstrução. Maquinários, insumos,
defensivos, fazem parte de toneladas de escombros nessa tragédia. Muito dinheiro
investido em vão, que não encontrará o retorno esperado, porque as incertezas
são inúmeras.
Portanto, é fundamental abrir um parêntese
nessa breve reflexão e voltar no tempo, para lançar um olhar mais profundo sobre
o histórico colonial brasileiro. Pois é, quando o país bate no peito e se
orgulha dos números da economia alavancados, principalmente, pelo agronegócio,
ele enxerga a situação pelo prisma do sucesso, de uma pseudocerteza consagrada
em pouco mais de 500 anos de história.
Ora, reminiscências dos tempos
das plantations, ou seja, do sistema de produção agrícola mercantilista,
dos séculos XV ao XVIII, implantado pelas metrópoles europeias em suas colônias
de exploração. Traduzindo em miúdos, tratava-se do latifúndio para produção de
monoculturas, voltadas a atender o mercado externo e baseada na força da mão de
obra escrava.
Acontece que nesse recorte
temporal, séculos XV ao XVIII, a relação homem/natureza não dava sinais contundentes
dos impactos negativos que reverberariam posteriormente. Tínhamos o
extrativismo exploratório e a produção agrícola, ou seja, ainda não havia se
iniciado, no país, a transformação urbanoindustrial e a consolidação da sociedade
de consumo. Sem contar que a inexistência de inovação científica e tecnológica nos
modos de produção, impedia uma aceleração da resultante de degradação.
Acontece que, dentro desse cenário,
a elite brasileira se manteve inabalável na manutenção da sua estrutura histórica
à revelia da realidade. Não bastasse continuarmos atrelados às demandas
internacionais em prejuízo das nossas, esquecemos de pensar que a economia,
como um todo, depende do meio ambiente equilibrado para sobreviver.
Bem, nos últimos 50 anos (meio
século), a comunidade científica vem comunicando ao mundo os avanços da ruptura
do equilíbrio ecossistêmico, no planeta. Efeito estufa. Degelo das calotas
polares. Elevação das águas oceânicas. Desertificação. Aumento da emissão de gases
tóxicos. Diferentes formas de poluição. Explosão do consumo de bens e produtos.
Uso e ocupação inadequada do solo. ... E cada minuto a mais é um minuto a menos,
nessa corrida pela sobrevivência do planeta e da raça humana.
Espaços urbanizados e não
urbanizados estão sob ameaça constante das mudanças climáticas. Às vezes, são períodos
de seca, de incêndios. Outras, são períodos de tempestades, inundações,
deslizamentos de encostas. Não só a intensidade; mas, a recorrência, desses fenômenos,
é realmente alarmante, assustadora. É impossível prever com exatidão a dimensão
socioeconômica e ambiental dos agravos; bem como, o raio de extensão das catástrofes.
Daí a situação do Rio Grande do Sul ser, de fato, tão emblemática.
Aliás, é imprescindível que as
pessoas não só abram seus olhos; mas, suas mentes, no sentido de entender o que
está acontecendo no Brasil e no mundo. Quando se trata das emergências climáticas,
não há retomada. Os próximos dias, semanas e meses são sempre de reconstrução,
a partir de um novo marco socioambiental e econômico.
Já paira no ar um sentimento de incredulidade
de que episódios dessa dimensão não irão mudar o curso da história. Bem, me
permitam discordar. Diante das inúmeras incertezas que revestem a complexidade
das emergências climáticas, não tardará o momento em que o negacionismo, a resistência
estúpida, a ganância abjeta, serão vencidos.
Quem assistiu ao filme O PREÇO DA
VERDADE (Dark Waters) 1, de
2019, entende, com base no final dele, o que me leva a ter essa percepção. Torna-se
inevitável que a negligência, a imprevidência, o descaso, em relação às
questões socioambientais, esbarrem no recrudescimento das tragédias e coloque
as autoridades, os gestores e todos os demais responsáveis, diretos ou
indiretos, em xeque-mate.
Quando não resta outra opção a
não ser fazer, sob pena de continuar se repetindo os infortúnios, os gastos, as
repercussões midiáticas negativas, as pessoas são obrigadas a mudar de atitude.
Inclusive, porque tudo isso esbarra na relação custo/benefício da economia. Quanto
mais tempo gasto para se tomar as atitudes certas, mais os prejuízos corroem o
sistema econômico.
Inflação. Juros altos.
Desabastecimento. Desemprego. Falência. Acirramento das desigualdades sociais. Deslocamentos
forçados. Empobrecimento. Adoecimento social. ... Esse contexto, por mais difícil
e cruel que possa parecer, colabora para trazer à tona uma percepção importantíssima
quanto ao senso identitário nacional, ou seja, estabelecer a consciência de que
o problema de um é um problema de todos.
Assim, não posso deixar de
perguntar até quando os lobbies negacionistas, antiambientalistas, insistirão
em defender o capital em detrimento da sobrevivência humana? Quanto estarão
dispostos a pagar para perder? Contudo, não imagino que as respostas demorarão
muito a aparecer. Afinal, como dizia Johann Goethe, “Ideias ousadas são como
peças de xadrez que se movem para a frente; podem ser comidas, mas podem
começar um jogo vitorioso”. Aguardemos, então, as cenas dos próximos capítulos.