Trabalho.
Emprego. Labuta. Ocupação. Ofício. ... A eterna busca pela garantia da dignidade
humana.
Por Alessandra
Leles Rocha
Na véspera do 1º de maio, a
notícia foi de que, no Brasil, o “Desemprego fica em 7,9% nos primeiros três
meses” 1. Enquanto os veículos de comunicação e de
informação, tradicionais e alternativos, disputam suas narrativas positivas e
negativas a respeito, eu me reservo ao direito de analisar a questão por um
outro viés.
Quisera vivêssemos tempos em que
a população economicamente ativa desfrutasse de um trabalho que lhe permitisse
a dignidade em estado absoluto! Mas, já faz muito tempo, que a transitoriedade
pelos caminhos trabalhistas é uma realidade perversa e cruel do mundo contemporâneo.
Ninguém para e pensa que
diariamente novos contingentes humanos estão em busca de trabalho pela primeira
vez, somando-se às legiões que já percorrem esse caminho há muito mais tempo. O
que significa que essa é uma conta cada vez mais difícil de fechar! Afinal,
sobram trabalhadores e faltam vagas para absorvê-los.
Além disso, é preciso reconhecer
a quantidade de senões que atravessam o cenário do trabalho formal contemporâneo.
Não, não falo somente da precarização trabalhista, com todas as suas estratégias
capazes de ferir os direitos e a dignidade do indivíduo; mas, também, do
etarismo, da misoginia, do racismo, da xenofobia, do assédio moral e sexual, do
trabalho análogo à escravidão, enfim.
Esse conjunto de fatores não só
afeta a disposição do trabalhador, como contribui para o seu adoecimento físico
e mental, dado o nível de pressão a que ele é submetido, diariamente, na sua
jornada pela sobrevivência.
No entanto, isso é o que vem
padecendo aqueles que conseguem uma oportunidade; mas, e os outros, os 7,9% de desempregados?
Pois é, precisamos falar sobre eles.
Como dito no início dessa
reflexão, a conta não fecha e tende a ficar ainda mais difícil de fechar,
quando a tecnologização contemporânea ocupa os espaços dos trabalhadores
humanos.
Em nome do progresso e do
desenvolvimento, por exemplo, redes de supermercados já reduziram drasticamente
o número de funcionários e trouxeram máquinas de auto service para utilização
dos clientes.
Desse modo, milhares de vagas
formais, com carteira assinada e direitos trabalhistas previstos, começam a
desaparecer diante de nossos olhos, como em um passe de mágica.
Estamos diante de um cenário, que
por mais difícil seja de admitir, a própria qualificação profissional é pouco
relevante para uma reversão significativa desse fenômeno. A concorrência, a
disputa, não acontece mais entre indivíduos, ela acontece entre os indivíduos e
as máquinas.
E adivinha quem vence? Ora, elas estão
aptas a cumprir longas jornadas, a executar tudo sem faltas ou atrasos, a não
demandar remuneração, a não exigir direitos e/ou benefícios. Sem contar que uma
máquina substitui não apenas um funcionário; mas, um grupo considerável deles.
Sem nos darmos conta, milhões de
pessoas ao redor do planeta estarão fora do mercado de trabalho à revelia da
sua vontade e da sua necessidade humana. Não é à toa que vem se espalhando, como
rastilho de pólvora, a ideia do empreendedorismo. Um sopro de esperança em meio
ao caos? Talvez, se fosse possível cravar que que qualquer um pode ser um
empreendedor.
Ora, temos que considerar que,
desde a segunda metade do século XVIII, o inconsciente coletivo da humanidade
passou por um processo de reprogramação da atividade laboral, por conta da
Revolução Industrial.
O surgimento da figura do proletário,
que vende a sua força de trabalho para sobreviver, porque não tem outro meio
exceto ela, definiu o entendimento em torno das relações trabalhistas e de
produção e consumo, em todo o mundo.
Eis que, de repente, passados
pouco mais de dois séculos, o próprio progresso e desenvolvimento científico e tecnológico
impingiu à humanidade uma saturação quanto à oferta de oportunidades de trabalho,
dentro desse modelo.
Assim, para que legiões de
desempregados possam sobreviver, traz-se à tona uma sugestão que se assemelha
aos primórdios pré-Revolução Industrial. Vejam, nesse período, o trabalho
advinha da força das manufaturas, dos pequenos negócios, da atividade agrícola.
O que significa que o indivíduo empreendia
seu tempo e suas habilidades com autonomia, para gerar renda e garantir sua subsistência.
O pensamento estava centrado no trabalho em si, não havia o propósito do
enriquecimento, da acumulação de capital, como na fase industrial.
E é isso que temos bem diante dos
olhos. Com outro cenário, outra roupagem; mas, em suma, a mesma coisa. O empreendedorismo
contemporâneo transpira sim, esse ar de tábua de salvação, para que milhões de
pessoas não cerrem fileiras no desemprego. De maneira nada sutil, elas estão
sendo persuadidas a refazer sua reprogramação da atividade laboral.
Mas, será que é tão simples e
fácil voltar às origens, em pleno século XXI? Essa é a pergunta a se fazer. Afinal
de contas, somos mais de 8 bilhões de seres humanos, vivendo no planeta Terra.
Para toda essa gente, a ideia de
empreender significa o fim das certezas, da segurança. Um verdadeiro salto, sem
redes de proteção, tendo em vista que será fundamental aceitar os desafios e
assumir sozinho os riscos que podem advir dessa aventura. E isso significa,
muito claramente, que para milhões delas a dignidade humana estará ameaçada.
Sim, porque diante da escassez,
cada vez mais premente, do trabalho formal, da franca precarização das
atividades laborais que ainda restam, ou de um eventual fracasso como
empreendedores, como irão sobreviver? Já dizia Nelson Mandela, “Negar ao
povo os seus direitos humanos é pôr em causa a sua humanidade. Impor-lhes uma
vida miserável de fome e privação é desumanizá-lo”.
Portanto, antes de celebrar o 1º
de maio, procure se debruçar sobre a reflexão dessas questões. Como escreveu
George Bernard Shaw, “O maior pecado para com os nossos semelhantes, não é odiá-los,
mas sim tratá-los com indiferença; é a essência da desumanidade”.