Traição.
Traidores. Traídos. A história do mundo.
Por Alessandra
Leles Rocha
Hoje é Sábado de Aleluia! Segundo
os mais antigos, dia de malhar o Judas, o traidor de Cristo. Mais uma daquelas
crenças punitivistas que envolvem a humanidade. Como se a violência contra o
traidor fosse a única forma de aplacar a indignação popular ou de expressar um efeito
prático sobre o ato e as consequências de deplorável desvio ético e moral.
Assim, decidi tecer minhas
reflexões sobre a traição. Não creio que ela repercuta pior sobre quem sofre,
do que sobre quem a pratica. Aliás, Judas é um bom exemplo disso. A consciência
em relação à sua traição foi algo tão pesado, tão insuportável, que ele acabou
tirando a própria vida. Nem as trinta moedas de prata foram suficientes para
aplacar a sua angústia.
E não importa se a traição
envolve ou não uma paga. Sejam quais forem os nossos atos, eles antes de
consumados passam pelo crivo decisório da nossa consciência. Não importa se há uma
busca por argumentos e justificativas para se tentar aplacar o drama da culpa.
Trair é uma escolha, tanto quanto qualquer outra. Talvez, com a diferença de
que ela inspire uma sensação de poder, de flerte com o perigo, que apela para o
irresistível.
O que significa que trair é um
gesto altamente narcísico, individualista. O traidor está sempre centrado em si
mesmo, nos seus interesses, nas suas vontades, nos seus quereres. A traição é,
portanto, uma ruptura total com a alteridade. Ela se abstém completamente de fazer com que o
traidor, por um segundo sequer, se coloque no lugar do outro, apto a entender
suas angústias e dimensionar os sofrimentos que se desencadearão a partir daquela
traição.
Portanto, o traidor sabe
exatamente o que está fazendo. Por mais que ele tente agir como se nada tivesse
acontecido, não há como negar, como esquecer. O que significa que a traição o assombrará
para o resto da vida. Afinal, mais do que a opinião do mundo, a própria opinião
é bem mais implacável e severa; pois, a voz da consciência jamais silencia a
uma falta deliberadamente cometida.
Não é à toa que muitos tentam se
redimir, se desculpar. Mas é inútil. A traição é uma escolha que abre precedentes
perigosos. Quem trai uma vez acaba traindo outras, por motivos diversos;
sobretudo, quando enxerga a possibilidade de ser perdoado. Desse modo, ela se
repete porque encontra espaço para libertar o seu traço de covardia, de medo,
de fraqueza, diante da inexistência de valores altruístas, respeitosos, generosos,
desapegados, humanitários, na relação com o outro.
Ora, essa é uma maneira do
traidor mentir ou omitir sobre suas intenções, a fim de não revelar exatamente qual
é a sua verdadeira essência humana. É por essas e por outras que o mundo se vê
repleto de relações superficiais, protocolares, formais. Cheios de beijos e
abraços traidores.
Vamos e convenhamos, é cada vez mais raro encontrar a dignidade, a franqueza, a honestidade ou a lealdade, circulando por aí. A contemporaneidade com toda a sua pressa, imediatismo, consumismo, liberdade sem limites, ressalta a ideia de que “Vivemos em tempos líquidos. Nada foi feito para durar” (Zygmunt Bauman) e esse é um campo aberto para a traição. Pois, nesse sentido, “A preocupação com a administração da vida parece distanciar o ser humano da reflexão moral” (Zygmunt Bauman). Assim, façamos uma análise profunda a respeito.