Quem, ou
o que, é o Brasil?
Por Alessandra
Leles Rocha
Nada define melhor o Brasil do
que a emblemática pergunta “Que país é este?” 1.
Afinal, o conjunto das bizarrices, dos absurdos, das indecorosas descomposturas
nacionais, não permite traçar uma definição precisa sobre sua verdadeira
identidade. Tudo é rapidamente mutável, camaleônico, transitando sobre uma
linha muito tênue entre dicotomias importantes, bem e mal, lícito e ilícito,
certo e errado, e por aí vai.
O importante é entender que o
ponto de partida de qualquer análise a respeito, tem sim, uma linha histórica
muito bem definida e que une direitinho os pontos para facilitar a compreensão
de quem quer que seja. Porque o Brasil se repete! Não adianta negar esse fato!
O que parece novidade tem lá o seu pezinho em fatos pretéritos, ou em
desdobramentos destes.
Dito isso, vejam a que ponto
chega a anticidadania brasileira. Não, pela expressão popular; mas, de quem
deveria dispor do mínimo de decoro e de civilidade. Usando e abusando do
dinheiro público e bem desalinhados das prerrogativas de trabalho no Legislativo
Federal brasileiro, uma comitiva de parlamentares viajou a Washington, com o
objetivo de denunciar ao governo e à imprensa norte-americana uma escalada de
autoritarismo judicial no Brasil. Como
já era de se esperar, foram barrados na audiência da Comissão de Direitos
Humanos 2.
Aí é impossível não perguntar ...
Que país é este que permite uma situação assim? Que país é este
que usa dinheiro público para macular a sua própria imagem no cenário
internacional? Que país é este que não se manifesta diante dos absurdos
e, certamente, deixará o episódio passar em brancas nuvens, sem as devidas
responsabilizações e ressarcimentos? Que
país é este? Infelizmente, é o Brasil.
Acontece que é preciso parar,
pensar, analisar e refletir. Enquanto há quem se debruce sobre a indignação
causada pela recente tentativa de golpe de Estado, que culminou na destruição
do patrimônio público, em janeiro de 2023, há todo um caminho esquecido,
apagado ou invisibilizado, que possibilitou tamanha afronta à República
Federativa do Brasil e ao seu Estado Democrático de Direito. Nada do que
aconteceu, ou acontece, na história é por um acaso.
Seguindo a linha mestra dos
acontecimentos se chega ao roteiro do processo em si. Ao se perguntar “Que
país é este?”, a resposta pode ser bastante interessante. O país da negligência.
Da condescendência. Da desatenção. Do oportunismo. Da desigualdade. Do racismo.
Enfim. Palavras que acabam por convergir num sentimento de total desapreço pela
sua identidade nacional e, por essa razão, tornam-se capazes de acobertar tantos
desatinos, despautérios, aberrações, ao longo da sua história. Afinal, não se
peca tanto por atos, omissões e palavras, como nessa terra!
O problema é que, a cada passada
de pano, abre-se precedentes perigosíssimos. Cada vez que o país se permite
perdoar os absurdos, ele alimenta os monstros que devoram a dignidade nacional.
Omissão, desleixo, descaso, displicência, inação, hesitação, indecisão, são pequenos
fragmentos do registro histórico brasileiro. Páginas verdadeiramente lastimáveis
e que, apesar de todos os pesares, continuam sendo escritas.
Amanhã, 14 de março, por exemplo,
serão completados 6 anos da morte brutal de Marielle Franco e, de seu motorista,
Anderson Gomes, na região central do Rio de Janeiro, sem que se saiba quem foi
o mandante. Mais de 100 mil crianças e adolescentes, órfãos da pandemia da
COVID-19, seguem sem políticas públicas de reparação. Centenas de famílias
ainda aguardam a verdade sobre o desaparecimento e morte de familiares, 60 anos
depois que foram instalados os chamados Anos de Chumbo, no Brasil. E tantas
outras questões que permanecem à margem da sua importância, da sua elucidação
efetiva, da sua solução plena.
Negar, invisibilizar, ocultar,
não extingue a existência dos fatos, das pessoas, dos acontecimentos. Muito pelo
contrário. Só faz estimular as especulações, as conjecturas, as verdades
paralelas, as quais implicam em uma reverberação atroz da incompreensão humana
diante da falta da verdade factual. Como se a vida ficasse pela metade,
incompleta, sem sentido. Tudo precisa ter início, meio e fim, para satisfazer a
construção de significado. Haja vista que ninguém vai ao cinema e sai sem saber
o final do filme!
De fato, lidar com a realidade
não é tarefa fácil! Colocar todos os pingos nos is, esmiuçar camada por camada,
é sim, muito trabalhoso! Entretanto, é necessário. O desconhecimento é
desconfortante, é incomodativo, é perturbador. Não traz paz a ninguém! E sem
paz, a vida não flui pelo curso que é necessário. Não conta as histórias, como
de fato aconteceram, propiciando a construção de aprendizados consistentes. Fica
sempre uma dúvida, uma hipótese não respondida, uma ideia enviesada, que acaba
por obstaculizar o desenvolvimento, o progresso, a evolução social.
Assim, é preciso que a velha
pergunta “Que país é este?” seja apaziguada pela resposta mais simples,
ou seja, o país da verdade. Ainda que a fúria da pós-verdade tente impedir que
os fatos se sobressaiam e tragam à tona toda a sua essência, é preciso romper
com todas as práxis obscurantistas. Afinal de contas, não há Democracia sem
verdade. Não há cidadania sem verdade. Não há identidade sem verdade.
Como escreveu Immanuel Kant, “No
reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem
preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que
se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência,
compreende uma dignidade”. E dignidade tem tudo a ver com verdade, com
ética, com moral, com a consciência do próprio valor humano, da sua honra, do
seu respeito.