Nem tudo
é culpa do governo!
Por Alessandra
Leles Rocha
É natural que as pessoas se sintam
incomodadas pelos acontecimentos que as impactam diretamente ou que remetam a
um histórico de experiências semelhantes. Nesse sentido, especialmente entre a
população mais idosa, a inflação dos preços é uma velha conhecida e facilmente percebida,
quando vão aos mercados e supermercados, semanalmente.
No entanto, o (a) brasileiro (a),
em uma grande maioria, ainda carece de entendimento sobre as verdadeiras razões
que levam à carestia. Se por um lado existem componentes diretamente ligados aos
rumos da governança do país, tais como expectativas inflacionárias, maior
emissão de moeda ou excesso de gastos públicos, por outro, o que interfere na
inflação é a alta demanda, o aumento dos custos de produção, os eventos extremos
do clima e os cenários exportadores e importadores.
Portanto, esse é um entendimento
fundamental para todos os cidadãos. É preciso separar o joio do trigo, do que
acontece no cotidiano nacional. Começando pelo fato de se abster das antipatias
ou resistências a certos governos; pois, cada gestão pública não acontece
somente pela perspectiva das plataformas políticas, personificadas na figura de
um determinado indivíduo.
Na verdade, como tudo na vida, as
conjunturas vão se alinhando, segundo os acontecimentos que se desenham no
horizonte. Nem tudo é responsabilidade, única e exclusiva, de fulano, beltrano
ou sicrano, como insistem em fazer parecer uns e outros, por aí.
Considerando que as economias
globais são atreladas diretamente aos cenários geopolíticos, a todo instante o
país pode ser surpreendido por reverberações de episódios ocorridos além de
suas fronteiras.
Vejam, por exemplo, que no
momento atual, o mundo vive sob a tensão de duas guerras. E elas têm sim,
impactado o transporte e o escoamento da produção de alimentos, de insumos
agrícolas e de petróleo, pressionando os preços no mercado internacional.
Porém, não bastasse essa
realidade, os eventos extremos do clima têm sido devastadores sobre a produção
de alimentos e, por consequência, sobre
a alimentação dos seres humanos.
Tanto que já se trata de “um
tema recorrente em estudos e relatórios, como os elaborados pelos cientistas do
IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU). Com o aumento
da temperatura, as secas serão cada vez mais frequentes e intensas e grandes
tempestades levarão à quebra de safras, à diminuição de produção e, consequentemente,
ao aumento dos preços dos alimentos. Além disso, estudos indicam que o ar mais
quente resulta na produção de cereais menos nutritivos” 1.
E não é fácil admitir que, nesse
enfoque, cada cidadão carrega o peso da sua responsabilidade a respeito. O negacionismo
científico presente nas discussões socioambientais atrasou muito a tomada de
decisões que evitassem a realidade que vivemos no século XXI.
Infelizmente, não basta mais ter
o dinheiro para comprar alimentos, porque não há diversidade, qualidade ou
quantidade suficientes para atender as demandas sociais.
Pois é, o encantamento diante das
imagens dos grandes cinturões agrícolas, que vendiam a ideia de expansão da
produção de alimentos, como uma promessa de combate à fome e à miséria, no fim
das contas, acabou se revelando um inimigo silencioso da humanidade.
Primeiro, porque as promessas não
foram cumpridas. Grandes safras não resultaram no fim da insegurança alimentar
no planeta. Segundo, porque a existência desses cinturões implicou
necessariamente no desmatamento de biomas importantes, no assoreamento de
cursos d’água, no uso indiscriminado de agrotóxicos e outros insumos nocivos
aos seres vivos.
E hoje, mesmo com todo o aparato tecnológico
utilizado por grandes produtores, o cenário da produção de alimentos e da
alimentação dos seres humanos, se encontra cada vez mais impactada pela fúria
dos eventos extremos do clima.
Não há ciência ou tecnologia
capaz de conter ou de minimizar os reflexos dos longos anos de degradação ambiental
sobre o planeta, simplesmente, porque a produção de grãos, verduras, legumes,
frutas, mel, animais, sempre dependeu diretamente do equilíbrio ambiental. O que
significa chuva, vento, umidade, calor, luz solar, em quantidade, qualidade e
tempo certos.
Quando esse equilíbrio é rompido,
se torna inevitável que diante de episódios de geadas, períodos de seca e
excesso de chuva, ocorridos de forma desordenada e fora das safras habituais, haja
também a degradação das áreas cultiváveis, obrigando os produtores a reverem
suas estratégias de plantio.
O que significa que algumas áreas
serão abandonadas, outras serão adaptadas, portanto, haverá prejuízos significativos
na produtividade, ou seja, um desequilíbrio na lei da oferta e da procura de
alimentos.
Caro (a) leitor (a), somos mais
de 200 milhões de habitantes no Brasil; mas, olhando para o mundo, a população
ultrapassa 8 bilhões de vidas. A grande questão é que todas elas precisam de
água, de alimento e de abrigo, como necessidades fundamentais para sobreviver.
Entretanto, as conjunturas locais
e globais estão impossibilitando a acessibilidade delas a esse direito. Especialmente,
por conta dos eventos extremos do clima, que afetam a geografia do mundo de
maneira avassaladora e, muitas vezes, irrecuperável.
É imperioso que todos se engajem
nessa conscientização, em especial, os veículos de comunicação e de informação.
Ser claro, objetivo e didático é certamente a grande arma contra a desinformação
contemporânea; bem como, a grande missão para arrefecer as tensões e as
polarizações político-ideológicas, em um mundo já tão conturbado. Ora, nem tudo
é culpa do governo!
Afinal, o próprio Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na divulgação do Índice Nacional
de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), no mês de fevereiro, explicou que “fatores
climáticos foram os principais motivos que causaram o aumento no preço dos alimentos
no começo de 2024. ‘O aumento nos preços dos alimentos é relacionado, principalmente,
à temperatura alta e às chuvas mais intensas em diversas regiões produtoras do
país’” 2.
Portanto, não nos esqueçamos de
que esses são tempos para a busca de soluções, de gestos mitigadores, para distensionar
os problemas socioambientais que se agigantam diante de nossos olhos.
Cada pessoa que morre de fome, de
sede ou desabrigada, em todo o planeta, há um pouco da nossa desumanidade, do
nosso negacionismo, da nossa indiferença, direta ou indiretamente constituída.
Acontece que soluções só nascem a
partir do factual, da realidade. De modo que as discussões a esse respeito
precisam se despir, se abster, de todas as inverdades, distorções e mentiras,
que são despejadas em profusão através das mídias sociais.
Se nada for feito, a tendência da
realidade contemporânea é que ela se agrave cada vez mais. O adoecimento e o
empobrecimento já são perspectivas para o futuro da humanidade.
Nesse viés, então, a sociedade
pode e deve trabalhar em favor de conter a inflação e a insegurança alimentar.
Seja não cedendo às pressões dos preços. Seja consumindo produtos de ocasião,
que são mais baratos. Seja não desperdiçando alimentos. Seja incentivando a
construção de hortas comunitárias. Seja buscando projetos de educação alimentar
e nutricional aliados à economia e à sustentabilidade, os quais incentivam o
aproveitamento integral de frutas, verduras e legumes 3.
1 https://paineldemudancasclimaticas.org.br/noticia/alimentacao-e-mudancas-climaticas#:~:text=Com%20o%20aumento%20da%20temperatura,produ%C3%A7%C3%A3o%20de%20cereais%20menos%20nutritivos
2 https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2024-02/inflacao-de-janeiro-fica-em-042-pressionada-pela-alta-dos-alimentos#:~:text=%E2%80%9CO%20aumento%20nos%20pre%C3%A7os%20dos,gerente%20da%20pesquisa%2C%20Andr%C3%A9%20Almeida
3 https://www.portaldaindustria.com.br/publicacoes/2012/7/sesi-cozinha-brasil/
https://alimentesebem.sesisp.org.br/o-programa
https://mesabrasil.sescsp.org.br/media/1016/receitas_n2.pdf
https://www.sistemafibra.org.br/sesi/component/content/article?id=617:educacao-alimentar-
https://www.projetosustentare.com.br/blog/aproveitamento-integral-de-alimentos