Em tempos
de guerra, quem diria termos que enfrentar uma guerra cultural!
Por Alessandra
Leles Rocha
Se engana quem pensa que a guerra
cultural travada pela ultradireita, na contemporaneidade, se destaque pela
velha práxis de banir 1 ou
queimar livros. É claro que esse é um aspecto importante e merecedor de total
atenção! Acontece que em tempos de alta tecnologia, de inovações como a
Inteligência Artificial (I.A.), é esse o ponto que se deve refletir.
Lamento, mas esses são tempos em
que a ingenuidade ou a credulidade voluntária não cabem. Dessa vez, os livros
parecem mais “bois de piranha” do que qualquer outra coisa, quando o
assunto é guerra cultural. A reflexão aqui, deve começar pelo fato de que os
poderes, as influências, a formulação das leis, sempre foram estabelecidos e
regulados pelos membros do topo da pirâmide social. Assim, a explosão
tecnológica na sociedade contemporânea, também, é fruto desse grupo e surgiu
para servir aos seus interesses, mais ou menos republicanos.
Portanto, é fácil entender a
íntima relação que se estabelece entre a guerra cultural e o avanço tecnológico.
Primeiro, porque há lacunas geracionais presentes na sociedade. Haja vista que
o mundo caminha para o envelhecimento global. De modo que essa realidade implica
em uma maior dificuldade dessas pessoas em desfrutar desses avanços tecnológicos;
mas, também, de acompanhar o seu nível de inovação. O que significa uma parcela
importante da população sendo alienada da informação, da construção do
conhecimento, da discussão crítica-reflexiva.
Segundo, porque a tecnização
implica necessariamente no fato de que o ser humano perde a sua serventia. Ainda
que as gerações mais jovens sejam nativas digitais, isso não é garantia de que elas
tenham seu espaço socioeconômico preservado, nesse novo cenário. No entanto, considerando
que a sua formação educacional e intelectual se dá, basicamente, através da
tecnologia, o seu acesso ao conhecimento está muito mais vulnerável à
manipulação dos interesses daqueles que detém o poder. Portanto, eles também
estão sujeitos à alienação da informação, da construção do conhecimento e da
discussão crítica-reflexiva.
E é tão fácil perceber tudo isso!
Basta observar como a pós-verdade e sua elaboração e modelação da opinião
pública tem sido operacionalizada através de avalanches de Fake News. Mas,
não para por aí. O esgarçamento dialógico que se vê amiúde é consequência não
só da deterioração argumentativa; mas, do enviesamento tendencioso e
oportunista das informações, dada a incapacidade de filtrar adequadamente o
volume delas, que é dispersado pelas mídias sociais.
Sim, os seres humanos estão cada
vez mais rasos cognitiva e intelectualmente. Já dizia Monteiro Lobato, “Quem
mal lê, mal ouve, mal fala, mal vê”. Sem tempo e disposição para ler, para
pensar, para analisar e para refletir, legiões de pessoas acabam abduzidas pelo
chamado efeito manada. Algo que é perfeito para os propósitos de uma guerra
cultural, como propõe a ultradireita contemporânea. Seus interesses, suas
opiniões, suas escolhas, tudo fica condicionado a um rígido limite preestabelecido.
Quem não ouviu falar, por
exemplo, sobre a Escola sem Partido? Trata-se de um movimento político,
objetivando uma agenda conservadora para a educação brasileira. E o que chamam
de Ideologia de Gênero, hein? Que busca contestar enfaticamente o entendimento científico
a respeito de que os gêneros são, na verdade, uma construção social. Discussões
que, obviamente, são integradas à mesma linha dos livros, peças teatrais,
exposições e quaisquer outras produções artísticas, ou do pensamento, tornados objetos
de censura por serem considerados símbolos de valores não conservadores.
Isso é a guerra cultural, em
curso! Vale ressaltar que a proibição, a censura, o impedimento, é só a espuma
da questão, a ponta de um gigantesco iceberg. O cerne mesmo, diz
respeito a uma possível desconstrução da criticidade cidadã, a partir do
confronto com a realidade apresentada por meio das manifestações
socioculturais. Esse é o ponto. Utiliza-se de todos os meios disponíveis,
então, para impedir que a cultura desconstrua os esforços de alienação dominante
da sociedade.
Inclusive, através dos recursos
de doutrinação religiosa, os quais exercem profunda influência e apelo às
emoções e às crenças pessoais. Ora, a cultura é sim, um espelho da realidade e,
por essa razão, pode despertar certas tensões adormecidas nos indivíduos,
certos questionamentos e certas indignações, que desfavorecem aos planos de
poder de uns e outros, por aí. Daí a existência de um acirramento da guerra
cultural, no Brasil.
A Direita e seus matizes, mais ou
menos radicais e extremistas, vêm se colocado mais e mais afeitos a brigar
contra as correntes do progresso global. Na verdade, se formos olhar os
acontecimento com lupa, perceberemos que a guerra cultural, no país, diz muito
das pretensões teocráticas que pairam sobre a sociedade brasileira, já há
algumas décadas.
E essa é uma guerra conservadora,
que pretende fazer o que for para resistir e impedir os avanços da evolução
social, a fim de que o sistema de governança possa, de fato, agir política,
comportamental, jurídica e policial através de princípios ideológicos determinados
por uma religião dominante, no país. Resta
saber, se irão conseguir aglutinar a pluralidade religiosa existente, no
Brasil, em uma só ideologia, em um só objetivo, capaz de sustentar essa ambição
teocrática. Caso contrário, a própria guerra cultural estabelecida terá sido em
vão.