Instinto de preservação ...
Por Alessandra Leles Rocha
Não,
não há como negar que o ranço colonial se mantém ativo na sociedade brasileira,
especialmente, no que diz respeito às práxis políticas, com imenso destaque aos
legisladores da República. Cada dia mais afeitos às ideias Absolutistas, eles
(as) não só querem a concentração dos poderes em suas mãos, como anseiam
avidamente pela liberdade geral e irrestrita para o cometimento de quaisquer
ilicitudes 1.
Em suma,
estão sim, trabalhando arduamente em favor de se colocarem acima do Bem e do Mal.
Como se não bastassem todas as regalias e privilégios que a função pública lhes
garante, agora, querem carta branca para fazer e acontecer, sem serem
incomodados por quem quer que seja. Até parece que já se esqueceram da mudança
promovida, por exemplo, em relação à lei sobre a improbidade administrativa
(Lei n.º 14.230/2021).
Ora,
não demorou muito para a sociedade brasileira assistir, por exemplo, ao
arquivamento de um processo civil contra o ex-secretário de Segurança Pública
do DF, pela Procuradoria da República do DF, em fevereiro deste ano, quanto ao
episódio do 08/01/2023. Sob o argumento de que “para a responsabilização de
agentes públicos atualmente é necessário que seja demonstrado dolo da conduta”,
o Congresso Nacional criou uma espécie de anistia providencial para os agentes
públicos do Executivo.
Vamos
e convenhamos que esse tipo de artifício jurídico não só é péssimo para a
credibilidade do país, como acentua a desigualdade no desvirtuamento do
princípio de igualdade cidadã. Sim, o Brasil prova com essas artimanhas que na
prática, a teoria é outra. Não, não somos iguais perante a lei! Há sempre
alguém debaixo de algum guarda-chuva protecionista e corporativista, criado prontamente
para protegê-lo de qualquer mínimo respingo dos descuidos cotidianos.
A impressão
que se tem a respeito é, no mínimo, curiosa. É de conhecimento de todos que o
ingresso na função pública exige a idade mínima de 18 anos, que representa a
maioridade penal, ou seja, a idade a partir da qual os cidadãos são
considerados inteiramente responsáveis pelos atos delituosos que cometem.
Então,
quando se permitem criar estratagemas, subterfúgios, para proteger qualquer indivíduo
que preste serviços ao Estado brasileiro, exercendo função pública, estão infantilizando
essas pessoas. Estão abstraindo delas a exigência da sua responsabilidade, do
seu zelo ético-profissional. Estão admitindo o mais alto grau de permissividade
a qualquer ilicitude que venha a ser realizada.
Acontece
que essas pessoas não só prestam serviços ao Estado; mas, são remuneradas por
ele. E isso não se resume ao Poder Executivo. Legislativo e Judiciário também estão
a cargo de atender as demandas do país. Portanto, seus salários, e eventuais penduricalhos,
contêm as gotas de suor e lágrimas do sacrifício de mais de 219 milhões de
brasileiros.
Sim,
porque dinheiro público é dinheiro de impostos, pagos por uma população
inteira. Daí a necessidade de se exigir que seus atos, comportamentos e atitudes
estejam alinhados à preservação da honra e da tradição do cargo que ocupam.
Por isso,
não há outra palavra senão ultraje, para descrever a conspiração que paira, no
atual momento, sobre o Congresso Nacional. Sim, há um grupo de parlamentares maquinando,
enredando, urdindo, para que uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) seja criada
para restringir as prerrogativas da Polícia Federal (PF) nas investigações de
crimes cometidos por parlamentares.
Bem,
é ou não é um traço rançoso dos tempos coloniais? Fazendo lembrar a velha
práxis da carteirada, ou seja, alguém que mostra importância ou autoridade para
se livrar de uma situação ruim. Atitudes lastimáveis que apenas reafirmam uma
legião de pseudopoderosos, que não enxerga a própria transitoriedade do seu
papel social; mas, ainda assim, conseguem inibir ou desqualificar o outro,
valendo-se de algum verniz.
Relembrando
as palavras de Miguel de Cervantes, de que “Entre os pecados que os homens
cometem, ainda que afirmam alguns que o maior de todos é a soberba, sustento eu
que é a ingratidão, baseando-me no que se costuma dizer, que de mal-agradecido
está o inferno cheio”, tudo faz sentido.
Na
medida em que elementos da classe política brasileira se colocam em um pedestal
de tamanha distinção, nada mais demonstram do que sua ingratidão aos pobres diabos,
que abdicaram da sua dignidade em nome de elegê-los para a defesa da
transformação de suas misérias. Assim, a paga que lhes dão pela gentileza é o
escárnio, com a elaboração de legislações que só fazem amplificar suas políticas
de poderes, regalias e privilégios.