Por trás
de cada silêncio
Por Alessandra
Leles Rocha
As horas passam e a perplexidade
sobre as investigações em torno da tentativa de golpe de Estado se amplificam,
como tinha de ser. Mas, tudo me parece
carecer de um olhar mais distante do agora, de uma análise mais profunda das
entrelinhas. Tudo porque o país se permitiu acreditar que certos silêncios eram
garantias de tempos de paz.
Ledo engano! Situações mal
resolvidas abrem sempre precedentes para confusão, ainda que demore um tempo.
As duas décadas de chumbo em que o Brasil foi sumariamente envolvido, não
poderiam jamais ter sido contemporizadas. Sob perspectivas diferentes, a
anistia proposta não resolveu para nenhum dos lados.
Aliás, olhando para os recentes acontecimentos,
começo a acreditar que para os militares a decisão soou pior, pelo fato de que
estariam sempre na iminência das contestações, sob o escrutínio da opinião
pública; sobretudo, daqueles mais diretamente afetados pelas ações do regime.
Não é à toa que evitaram, como
puderam, o surgimento de uma comissão que revelasse os detalhes daqueles tempos
sombrios e tristes. Assim, os silêncios foram um artifício para esperar por
alguma solução que pudesse lhes restituir o poder e dar fim ao incômodo das
memórias, de uma vez por todas.
E nesse processo, eis que surge um
fato totalmente desconectado desse assunto. O ex-presidente da República, ainda
nos tempos da ativa, promoveu ato de insubordinação e rebeldia, que lhe poderia
ter custado a expulsão. Mas, dizem que por forças de cordialidade superior, a punição
prevista não foi aplicada e ele saiu sem tal desonra.
Bem, há um provérbio que diz “quando
a esmola é demais, o santo desconfia”. Em algum momento, certamente, essa benesse
seria cobrada. Sem se dar conta, ele se transformou no que pode se chamar de “o
idiota útil”. Não é difícil pensar que seu perfil, especialmente
ideológico, coadunava aos interesses ressentidos da caserna. Então, apesar da
sua passagem arranhada e tendo seguido outro caminho, o da política, mesmo
assim, as relações não se esgarçaram, não foram interrompidas.
Ele permaneceu encontrando as
portas abertas, inclusive, para suas campanhas políticas. Até que em um momento
recente, bastante conturbado na realidade brasileira, lhe apoiaram para
concorrer ao cargo máximo do país. Era a oportunidade de ouro, que aguardavam há
mais de três décadas. Chegava-se a hora de “o idiota útil” cumprir seu
papel.
Aliás, o próprio vídeo da reunião
de 05 de julho de 2022, divulgado pelos veículos de comunicação e de
informação, com autorização judicial, deixa claro em certos momentos, como o ex-presidente
tinha consciência sobre si mesmo e padecia de uma profunda baixa autoestima, ao
ponto de se considerar surpreso por ter conseguido ocupar um cargo de tamanha importância.
No entanto, não me prece que ele desconhecesse as razões para sua escolha.
Ora, a questão do perfil ideológico
foi determinante. Ele estava tão afinado
com as narrativas militares, defendidas durante os anos de chumbo, que mesmo
não tendo participado diretamente do período, em sua campanha, em 2018, um de
seus filhos foi flagrado defendendo a ideia de fechamento do STF e de retorno
do AI-5.
O que em tese colabora para a ideia
de uma legitimidade discursiva, dentro e fora do ambiente familiar, apesar da
repercussão negativa da fala tê-los feito recuar temporariamente. No entanto, a
pretensão golpista mostrou-se pairando no ar para ele e seus apoiadores,
simpatizantes e asseclas.
Assim, vencidas as eleições em
2018, o que se segue na linha histórica é uma sucessão de fatos que reafirmam a
empreitada; embora, uma grande parte da população tenha feito vistas grossas a
respeito. Chamavam de bravata, de fanfarronice, de farolagem, de presepada,
para não admitir a verdade nua e crua que estava bem diante do nariz.
De modo que se muita gente, agora,
prende a respiração, em sinal de perplexidade, é porque sabe exatamente o que
deixou de fazer nos verões passados. E ao que tudo indica, diante dos achados
recentes das investigações da Polícia Federal (PF), a prevaricação correu solta
na República de Brasília; visto que, o silêncio oportunista imperou.
A ameaça golpista é, portanto,
muito mais antiga do que se pode imaginar. Ela foi fiada ao longo de muito
tempo e contou com participações diretas e indiretas de muitos agentes
políticos e institucionais. Vamos dizer que esse episódio repugnante teria sido
mais um, numa história de tantos outros, desde o início da República.
Como parte de uma herança
histórica que não foi oportunamente descontruída para alicerçar adequadamente os
princípios democráticos e republicanos. Daí a Democracia, o Estado de Direito,
a cidadania, viverem aos sobressaltos!
Pois é, cheios de pudores para
não nomear corretamente os fatos, os acontecimentos. Os atos reprováveis idealizados
nos espaços palacianos obscuros. Mas, a verdade, é que não se trata de pudor,
de vergonha, de constrangimento. Apenas engolem seco os absurdos; pois, quem
sabe, em algum momento, não podem ser úteis, não é mesmo?!
Acontece que, agora, a história
mostra que a verdade tarda, mas não falta. Um dia ela aparece. Um dia os
tapetes da história se tornam insuficientes para esconder todos os malfeitos, todas
as sujidades, todas as imundices da imoralidade e da falta de ética nacional.
Diante dessa constatação,
lembrei-me das seguintes palavras de Rui Barbosa, “Lucram com a desordem os
governos desacreditados, que, vivendo apenas de viver, tendo violado todas as
leis, faltado a todos os deveres, perdido toda a estima pública, necessitam de
romancear revoluções, que recomendem o zelo da administração pela estabilidade
da paz, autorizem a perpetração de insídias contra o direito desarmado, e
encubram, na confusão das ruas, a mão da polícia, que passa, executando os seus
cálculos de eliminação homicida” 1.
Sendo assim, caro (a) leitor (a),
a grande lição chega pela compreensão de que os silêncios são inúteis e podem
ser muito mais nefastos e devastadores, do que quaisquer palavras. Agora, sabemos
que os silêncios não absolvem, não eximem, não isentam, simplesmente, porque
eles reverberam seus gritos no inconsciente humano. E, nenhum de nós, jamais
sabe o que se passa na inconsciência alheia, no conjunto de crenças, valores e princípios
dos outros.
Não é à toa que Martin Luther
King Jr. tenha dito, “O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio
dos bons”; afinal de contas, “A verdadeira medida de um homem não se vê
na forma como se comporta em momentos de conforto e conveniência, mas em como
se mantém em tempos de controvérsia e desafio”. Pensemos a respeito!