sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

Um convite à sensatez


Um convite à sensatez

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

A vaidade! Sempre a vaidade! No espectro político-partidário, ela anda de rédeas soltas e, por isso, tanta necessidade de atenção e de cuidados! Se engana quem pensa que o protagonismo só traz bônus. Os canhões de luzes que incidem sobre o protagonista sempre trazem uma dose de vulnerabilidade e desconforto visíveis.

Desde ontem, que o convite para o Brasil participar da Organização dos Países Exportadores de Petróleo e Aliados (Opep+)1 tem gerado especulações diversas, por parte dos veículos de informação e comunicação; bem como, polarizações a favor e contra. Mas, contrariando os falatórios, o que me levou a refletir foi um outro viés.

Apesar de o convite para a Opep+ ser uma estratégia geopolítica de neutralização da influência brasileira, quanto ao discurso a favor da ampliação do uso de novas matrizes energéticas, do ponto de vista nacional, ele cai como uma luva para a legitimação da campanha 2, que se desenvolve há meses, de exploração de petróleo na Bacia da Foz do Amazonas, ou seja, da margem equatorial que vai do Amapá ao Rio Grande do Norte.

No entanto, independentemente do lado que se olha para esse convite, ele é estranho. A começar pelo local escolhido para fazê-lo, a 28ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2023 (COP28). É como se tivessem se esquecido do papel do petróleo, enquanto combustível fóssil, na cadeia de emergências climáticas que vêm acontecendo em todo o planeta.   

Depois, o fato de quererem capturar o protagonismo brasileiro a fim de não permitir que ele alavanque o discurso em favor de uma economia de baixo carbono (EBC), de matrizes energéticas sustentáveis, me parece uma visão limitada do assunto. Não, que o Brasil não tenha peso no cenário mundial; mas, não está, necessariamente, no seu posicionamento, o fiel da balança.  Do mesmo modo que uma eventual exploração petrolífera na margem equatorial.

Ora, a existência de um evento para discutir a respeito das mudanças climáticas, não é por acaso. Elas já estão redesenhando a geografia do planeta e impactando, de maneira avassaladora, a vida de mais de 8 bilhões de seres humanos, em uma velocidade e uma intensidade inimaginadas. De modo que o cenário atual de exploração ou de prospecção petrolífera pode, de repente, sofrer impactos brutais, em decorrência dos próprios eventos extremos do clima.

Sim. Na atual conjuntura, não se pode descartar nenhum fenômeno como, por exemplo, tsunamis, a elevação dos níveis de mares e oceanos, as acomodações de terreno e de placas tectônicas, atividades vulcânicas. Qualquer um deles pode desencadear desde derramamentos de petróleo in natura, nas águas e em território continental, como alterar as condições e impossibilitar a utilização dos processos e equipamentos disponíveis.

Isso sem contar que, há tempos, já se sabe que as jazidas prospectadas têm capacidade finita de produção. O que significa que, em algum momento da história da humanidade, o petróleo deixará de comandar o planeta. E diante desse realinhamento de condições naturais estabelecido pelos eventos extremos do clima, pode ser que esse petróleo se perca ou se disperse, por outros caminhos, em razão da imprevisibilidade dos acontecimentos.

Deveríamos ter aprendido com a pandemia da COVID-19 o que é estar sob os efeitos do insólito, do imponderável. Em relação à pandemia, ela de fato nos pegou de calças curtas. Mas, no caso das Mudanças Climáticas, não. As discussões em torno da dinâmica socioambiental decorrem desde a década de 60, com diferentes ramos da Ciência debruçados em estudar, analisar, compreender, projetar e, orientar a humanidade, a respeito das medidas e condutas que deveriam ser tomadas preventivamente, para se evitar situações desastrosas ou, até mesmo, apocalípticas, dentro de um curto espaço de tempo.

Acontece que diferentes lobbies, incluindo a própria Opep, trabalharam arduamente no sentido de manter os interesses econômicos acima de qualquer fundamentação científica, que desse guarida ao pensamento ecológico e ambientalmente sustentável.

Afinal de contas, o petróleo foi sim, a grande mola propulsora da industrialização, da produção em massa. Direta ou indiretamente, a construção da sociedade contemporânea se deu a partir da cadeia petrolífera e de seus inúmeros derivados. Algo que tem sustentado os pilares capitais e de poder das elites ligadas ao precioso combustível fóssil.

E antes que suas reservas, ao redor do planeta, venham efetivamente se exaurir, uma legião de interessados está empenhada, de corpo e alma, a capitalizar o máximo possível. Forças que se unem contra fatos e argumentos científicos irrefutáveis. Daí o processo de transição energética, que é fundamental para que o mundo não sofra com o impacto repentino de uma escassez de petróleo, acabe sendo penalizado. Mas, será que o dinheiro deles é páreo para enfrentar as consequências e desdobramentos das mudanças do clima?  

Muito do que vemos acontecer, por exemplo, em termos de transformações visíveis na superfície dos mares e dos oceanos, nem de longe, sabemos exatamente como tem se dado nas grandes profundidades. A elevação do nível das águas tem correspondência direta com a sua força e a sua velocidade, o que inevitavelmente desencadeia fraturas e acomodações de terreno, em diferentes formas, direções e sentidos.

Inclusive, convido a ler o artigo “A inclinação da Terra está mudando e a culpa é do uso de água do solo” 3, publicado em 18 de junho deste ano, porque ele auxilia a entender os efeitos antrópicos na dinâmica das mudanças ambientais, em nível planetário.

Assim, diante dessa breve reflexão, só posso esperar que os arroubos de vaidade consigam ser contidos pelo pragmatismo de uma leitura sensata da realidade atual. O vai e vem infinito da vida, agora, é cada vez mais intempestivo, agressivo, arrebatador. E como não dá para combinar, de antemão, com a Natureza ... melhor racionalizar e dar um passo de cada vez. É hora de sermos protagonistas da sensatez. Calçar as sandálias da humildade e admitir que fomos longe demais na nossa sede de progresso, de desenvolvimento, de glória.