Um
convite à sensatez
Por Alessandra
Leles Rocha
A vaidade! Sempre a vaidade! No espectro
político-partidário, ela anda de rédeas soltas e, por isso, tanta necessidade
de atenção e de cuidados! Se engana quem pensa que o protagonismo só traz bônus.
Os canhões de luzes que incidem sobre o protagonista sempre trazem uma dose de
vulnerabilidade e desconforto visíveis.
Desde ontem, que o convite para o
Brasil participar da Organização dos Países Exportadores de Petróleo e Aliados
(Opep+)1 tem gerado especulações diversas, por
parte dos veículos de informação e comunicação; bem como, polarizações a favor
e contra. Mas, contrariando os falatórios, o que me levou a refletir foi um
outro viés.
Apesar de o convite para a Opep+
ser uma estratégia geopolítica de neutralização da influência brasileira, quanto
ao discurso a favor da ampliação do uso de novas matrizes energéticas, do ponto
de vista nacional, ele cai como uma luva para a legitimação da campanha 2, que se desenvolve há meses, de exploração
de petróleo na Bacia da Foz do Amazonas, ou seja, da margem equatorial que vai do
Amapá ao Rio Grande do Norte.
No entanto, independentemente do
lado que se olha para esse convite, ele é estranho. A começar pelo local
escolhido para fazê-lo, a 28ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças
Climáticas de 2023 (COP28). É como se tivessem se esquecido do papel do petróleo,
enquanto combustível fóssil, na cadeia de emergências climáticas que vêm
acontecendo em todo o planeta.
Depois, o fato de quererem
capturar o protagonismo brasileiro a fim de não permitir que ele alavanque o
discurso em favor de uma economia de baixo carbono (EBC), de matrizes energéticas
sustentáveis, me parece uma visão limitada do assunto. Não, que o Brasil não
tenha peso no cenário mundial; mas, não está, necessariamente, no seu
posicionamento, o fiel da balança. Do
mesmo modo que uma eventual exploração petrolífera na margem equatorial.
Ora, a existência de um evento
para discutir a respeito das mudanças climáticas, não é por acaso. Elas já
estão redesenhando a geografia do planeta e impactando, de maneira avassaladora,
a vida de mais de 8 bilhões de seres humanos, em uma velocidade e uma
intensidade inimaginadas. De modo que o cenário atual de exploração ou de
prospecção petrolífera pode, de repente, sofrer impactos brutais, em decorrência
dos próprios eventos extremos do clima.
Sim. Na atual conjuntura, não se
pode descartar nenhum fenômeno como, por exemplo, tsunamis, a elevação dos níveis
de mares e oceanos, as acomodações de terreno e de placas tectônicas,
atividades vulcânicas. Qualquer um deles pode desencadear desde derramamentos
de petróleo in natura, nas águas e em território continental, como
alterar as condições e impossibilitar a utilização dos processos e equipamentos
disponíveis.
Isso sem contar que, há tempos,
já se sabe que as jazidas prospectadas têm capacidade finita de produção. O que
significa que, em algum momento da história da humanidade, o petróleo deixará
de comandar o planeta. E diante desse realinhamento de condições naturais
estabelecido pelos eventos extremos do clima, pode ser que esse petróleo se
perca ou se disperse, por outros caminhos, em razão da imprevisibilidade dos
acontecimentos.
Deveríamos ter aprendido com a pandemia
da COVID-19 o que é estar sob os efeitos do insólito, do imponderável. Em relação
à pandemia, ela de fato nos pegou de calças curtas. Mas, no caso das Mudanças
Climáticas, não. As discussões em torno da dinâmica socioambiental decorrem
desde a década de 60, com diferentes ramos da Ciência debruçados em estudar,
analisar, compreender, projetar e, orientar a humanidade, a respeito das
medidas e condutas que deveriam ser tomadas preventivamente, para se evitar
situações desastrosas ou, até mesmo, apocalípticas, dentro de um curto espaço
de tempo.
Acontece que diferentes lobbies,
incluindo a própria Opep, trabalharam arduamente no sentido de manter os
interesses econômicos acima de qualquer fundamentação científica, que desse
guarida ao pensamento ecológico e ambientalmente sustentável.
Afinal de contas, o petróleo foi
sim, a grande mola propulsora da industrialização, da produção em massa. Direta
ou indiretamente, a construção da sociedade contemporânea se deu a partir da
cadeia petrolífera e de seus inúmeros derivados. Algo que tem sustentado os
pilares capitais e de poder das elites ligadas ao precioso combustível fóssil.
E antes que suas reservas, ao
redor do planeta, venham efetivamente se exaurir, uma legião de interessados
está empenhada, de corpo e alma, a capitalizar o máximo possível. Forças que se
unem contra fatos e argumentos científicos irrefutáveis. Daí o processo de
transição energética, que é fundamental para que o mundo não sofra com o
impacto repentino de uma escassez de petróleo, acabe sendo penalizado. Mas,
será que o dinheiro deles é páreo para enfrentar as consequências e
desdobramentos das mudanças do clima?
Muito do que vemos acontecer, por
exemplo, em termos de transformações visíveis na superfície dos mares e dos
oceanos, nem de longe, sabemos exatamente como tem se dado nas grandes
profundidades. A elevação do nível das águas tem correspondência direta com a
sua força e a sua velocidade, o que inevitavelmente desencadeia fraturas e acomodações
de terreno, em diferentes formas, direções e sentidos.
Inclusive, convido a ler o artigo
“A inclinação da Terra está mudando e a culpa é do uso de água do solo” 3, publicado em 18 de junho
deste ano, porque ele auxilia a entender os efeitos antrópicos na dinâmica das mudanças
ambientais, em nível planetário.
Assim, diante dessa breve reflexão, só posso esperar que os arroubos de vaidade consigam ser contidos pelo pragmatismo de uma leitura sensata da realidade atual. O vai e vem infinito da vida, agora, é cada vez mais intempestivo, agressivo, arrebatador. E como não dá para combinar, de antemão, com a Natureza ... melhor racionalizar e dar um passo de cada vez. É hora de sermos protagonistas da sensatez. Calçar as sandálias da humildade e admitir que fomos longe demais na nossa sede de progresso, de desenvolvimento, de glória.
1 https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2023/11/30/opep-convida-brasil-para-se-associar-ao-cartel-governo-examina-proposta.htm
2 https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/05/24/ministro-ataca-parecer-do-ibama-sobre-extracao-de-petroleo-na-foz-do-amazonas