quinta-feira, 30 de novembro de 2023

COP28. A busca pelo pragmatismo socioambiental ou não?


COP28. A busca pelo pragmatismo socioambiental ou não?

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Começa, hoje, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, a 28ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2023 (COP28). Fica a expectativa, se mais uma rodada de discussões vai, de fato, se comprometer de maneira ousada e contundente a favor das urgências climáticas, a ocorrer em todo o mundo, ou não.

Aliás, eu não digo isso apenas em relação à COP28. Enquanto as prioridades socioambientais gritam, o cotidiano político-partidário; sobretudo, da ultradireita, se ocupa, e se preocupa, em tensionar as relações institucionais dos países, tentando reacender como lideranças, para ampliar a sua visibilidade discursiva.

E esse é mais um risco que se corre. Omitir, negar, negligenciar, postergar, são verbos totalmente inúteis diante da nova realidade socioambiental que avança sobre o planeta. Vejam, por exemplo, a recente notícia: “Ondas ‘gigantes’ invadem ruas na Rússia após tempestade. Temporal também deixou mais de 500 mil pessoas sem luz no país, na Criméia e na Ucrânia” 1.

Pois é, a região que enfrenta, há mais de um ano, um conflito decorrente de uma nova invasão russa sobre o território ucraniano, depois de já ter anexado a península da Criméia, em 2014, foi alvo de um evento extremo do clima. A natureza impôs a sua fúria sobre as disputas geopolíticas e deixou no ar uma pergunta interessante, será que vale mesmo a pena lutar, de maneira beligerante, por um território?  

Um dos aspectos mais significativos das emergências climáticas é o modo como elas têm apresentado uma redução dos espaços habitáveis pelos seres humanos, como se estivessem redesenhando as linhas fronteiriças do planeta.

Na verdade, a geografia já não era muito favorável aos seres humanos, ou seja, apenas de terra contra de água, para assentar uma população de milhões de pessoas. E desse de terra ainda havia de se desconsiderar várias porções inóspitas, o que reduzia mais as possibilidades de ocupação.

Agora, somos mais de 8 bilhões de seres humanos e os espaços sendo cada vez mais limitados pela força das urgências climáticas; mas, também, da própria inabilidade de convivência e coexistência humana que deflagram guerras, conflitos, extermínios, deslocamentos forçados, ... Enfim, legiões de refugiados e de apátridas, por todo o mundo.

Como se, de repente, o mundo estivesse fazendo uma gigantesca dança das cadeiras, em que alguém vai ficar sem lugar, por uma razão ou por outra. O que me parece totalmente paradoxal, incongruente, considerando o modo como a humanidade lida com essa situação.

Entendam. Desde a segunda metade do século XVIII, quando a 1ª Revolução Industrial se firmou no mundo e consolidou o sistema capitalista, a dinâmica do planeta se estabeleceu em torno de um processo cada vez mais selvagem e brutal de acumulação capital, onde o ciclo produzir, vender, consumir, jamais parou de girar.

Mas, se o planeta está perdendo espaços territoriais, seja por razões antrópicas ou por emergências climáticas, se a humanidade não quiser amealhar cada vez mais prejuízos na sua acumulação capital, ela terá que mudar radicalmente as suas práxis.

Pois, não bastassem as perdas geográficas, as perdas humanas decorrentes dessas dinâmicas se tornam a imposição mais aguda e intensa ao funcionamento capitalista, na medida em que para produzir, vender e consumir é preciso legiões de indivíduos.

Vale lembrar que, a existência de muitos apostando todas as fichas nas mirabolantes criações da Inteligência Artificial (I.A.), para resolver os imbróglios contemporâneos, nada disso muda o roteiro do que estou trazendo aqui.

Nem do ponto de vista das disputas geopolíticas e demais razões antrópicas e, sobretudo, das emergências climáticas. Não há nada que a I.A. possa fazer efetivamente em relação à redução dos espaços habitáveis no planeta.

Afinal, da perspectiva de ocupação, a Terra está sim, encolhendo. A elevação do volume e o avanço das águas oceânicas sobre os continentes já é uma realidade. A destruição de áreas habitadas, por conta de enchentes, desmoronamentos, terremotos, vulcanismos, incêndios, secas, desertificação, impõe a necessidade imediata de realocação das populações em outros espaços.  

No entanto, pensar na sobrevivência em si é só a ponta do iceberg. A vida humana depende de alimentos, de água potável, de escolas, de hospitais, ... de serviços diversos, e para atender a todas essas demandas, também, há a necessidade de espaços geográficos.

Acontece que somos mais de 8 bilhões de seres humanos; portanto, mais de, não sei quantas, bilhões de carências a serem atendidas simultaneamente. Não só aquelas intrínsecas a existência humana; mas, também, todas aquelas cuidadosamente incorporadas pelo processo de construção de uma sociedade de consumo.  

Konrad Lorenz escreveu que “Um dos mais perigosos círculos viciosos, que atualmente ameaçam a sobrevivência da totalidade humana, é resultante do fato de que a ambição pela posição mais alta possível numa escala hierárquica social, ou, em outras palavras, a ambição pelo poder, se combina com uma cobiça tão fora de qualquer medida que já se tornou neurose, cobiça essa que por sua vez tem resultados que conferem maior poder” 2.

Portanto, o pragmatismo socioambiental não é uma escolha para o mundo contemporâneo. Os fatos se impõem de maneira bastante realista e contundente. Fazer ou não fazer continua sendo uma opção; mas, trazendo a consciência de que haverá consequências nefastas se a omissão, a negligência, o descaso ou a imprevidência, vierem a ser empregadas.

Porque a Terra, essa bolinha diminuta a vagar no espaço sideral, está encolhendo. Pela perspectiva da ocupação humana? Sim. Mas, essa é a perspectiva mais importante. Afinal, ela é algo que torna quaisquer outras discussões, especialmente, no campo geopolítico, menos relevantes. Porque é ela que fala da preservação, ou não, da nossa espécie.



2 LORENZ, K. A Demolição do Homem: Crítica à Falsa Religião do Progresso. 2.ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1986. p.89.