COP28. A
busca pelo pragmatismo socioambiental ou não?
Por Alessandra
Leles Rocha
Começa, hoje, em Dubai, nos Emirados
Árabes Unidos, a 28ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de
2023 (COP28). Fica a expectativa, se mais uma rodada de discussões vai, de
fato, se comprometer de maneira ousada e contundente a favor das urgências climáticas,
a ocorrer em todo o mundo, ou não.
Aliás, eu não digo isso apenas em
relação à COP28. Enquanto as prioridades socioambientais gritam, o cotidiano
político-partidário; sobretudo, da ultradireita, se ocupa, e se preocupa, em
tensionar as relações institucionais dos países, tentando reacender como lideranças,
para ampliar a sua visibilidade discursiva.
E esse é mais um risco que se
corre. Omitir, negar, negligenciar, postergar, são verbos totalmente inúteis diante
da nova realidade socioambiental que avança sobre o planeta. Vejam, por
exemplo, a recente notícia: “Ondas ‘gigantes’ invadem ruas na Rússia após
tempestade. Temporal também deixou mais de 500 mil pessoas sem luz no país, na
Criméia e na Ucrânia” 1.
Pois é, a região que enfrenta, há
mais de um ano, um conflito decorrente de uma nova invasão russa sobre o
território ucraniano, depois de já ter anexado a península da Criméia, em 2014,
foi alvo de um evento extremo do clima. A natureza impôs a sua fúria sobre as
disputas geopolíticas e deixou no ar uma pergunta interessante, será que vale
mesmo a pena lutar, de maneira beligerante, por um território?
Um dos aspectos mais
significativos das emergências climáticas é o modo como elas têm apresentado uma
redução dos espaços habitáveis pelos seres humanos, como se estivessem
redesenhando as linhas fronteiriças do planeta.
Na verdade, a geografia já não
era muito favorável aos seres humanos, ou seja, apenas ⅓ de terra
contra ⅔ de água,
para assentar uma população de milhões de pessoas. E desse ⅓ de terra
ainda havia de se desconsiderar várias porções inóspitas, o que reduzia mais as
possibilidades de ocupação.
Agora, somos mais de 8 bilhões de
seres humanos e os espaços sendo cada vez mais limitados pela força das urgências
climáticas; mas, também, da própria inabilidade de convivência e coexistência humana
que deflagram guerras, conflitos, extermínios, deslocamentos forçados, ... Enfim,
legiões de refugiados e de apátridas, por todo o mundo.
Como se, de repente, o mundo
estivesse fazendo uma gigantesca dança das cadeiras, em que alguém vai ficar
sem lugar, por uma razão ou por outra. O que me parece totalmente paradoxal,
incongruente, considerando o modo como a humanidade lida com essa situação.
Entendam. Desde a segunda metade
do século XVIII, quando a 1ª Revolução Industrial se firmou no mundo e consolidou
o sistema capitalista, a dinâmica do planeta se estabeleceu em torno de um
processo cada vez mais selvagem e brutal de acumulação capital, onde o ciclo produzir,
vender, consumir, jamais parou de girar.
Mas, se o planeta está perdendo
espaços territoriais, seja por razões antrópicas ou por emergências climáticas,
se a humanidade não quiser amealhar cada vez mais prejuízos na sua acumulação
capital, ela terá que mudar radicalmente as suas práxis.
Pois, não bastassem as perdas geográficas,
as perdas humanas decorrentes dessas dinâmicas se tornam a imposição mais aguda
e intensa ao funcionamento capitalista, na medida em que para produzir, vender
e consumir é preciso legiões de indivíduos.
Vale lembrar que, a existência de
muitos apostando todas as fichas nas mirabolantes criações da Inteligência
Artificial (I.A.), para resolver os imbróglios contemporâneos, nada disso muda
o roteiro do que estou trazendo aqui.
Nem do ponto de vista das disputas
geopolíticas e demais razões antrópicas e, sobretudo, das emergências climáticas.
Não há nada que a I.A. possa fazer efetivamente em relação à redução dos
espaços habitáveis no planeta.
Afinal, da perspectiva de
ocupação, a Terra está sim, encolhendo. A elevação do volume e o avanço das
águas oceânicas sobre os continentes já é uma realidade. A destruição de áreas
habitadas, por conta de enchentes, desmoronamentos, terremotos, vulcanismos, incêndios,
secas, desertificação, impõe a necessidade imediata de realocação das
populações em outros espaços.
No entanto, pensar na sobrevivência
em si é só a ponta do iceberg. A vida humana depende de alimentos, de água
potável, de escolas, de hospitais, ... de serviços diversos, e para atender a
todas essas demandas, também, há a necessidade de espaços geográficos.
Acontece que somos mais de 8
bilhões de seres humanos; portanto, mais de, não sei quantas, bilhões de carências
a serem atendidas simultaneamente. Não só aquelas intrínsecas a existência humana;
mas, também, todas aquelas cuidadosamente incorporadas pelo processo de
construção de uma sociedade de consumo.
Konrad Lorenz escreveu que “Um
dos mais perigosos círculos viciosos, que atualmente ameaçam a sobrevivência da
totalidade humana, é resultante do fato de que a ambição pela posição mais alta
possível numa escala hierárquica social, ou, em outras palavras, a ambição pelo
poder, se combina com uma cobiça tão fora de qualquer medida que já se tornou
neurose, cobiça essa que por sua vez tem resultados que conferem maior poder”
2.
Portanto, o pragmatismo socioambiental
não é uma escolha para o mundo contemporâneo. Os fatos se impõem de maneira bastante
realista e contundente. Fazer ou não fazer continua sendo uma opção; mas,
trazendo a consciência de que haverá consequências nefastas se a omissão, a
negligência, o descaso ou a imprevidência, vierem a ser empregadas.
Porque a Terra, essa bolinha diminuta
a vagar no espaço sideral, está encolhendo. Pela perspectiva da ocupação humana?
Sim. Mas, essa é a perspectiva mais importante. Afinal, ela é algo que torna
quaisquer outras discussões, especialmente, no campo geopolítico, menos
relevantes. Porque é ela que fala da preservação, ou não, da nossa espécie.
1 https://www.terra.com.br/planeta/ondas-gigantes-invadem-ruas-na-russia-apos-tempestade,8cdae0c8e1556765edd9590ac72342459o14ooq9.html
2 LORENZ, K. A Demolição do Homem: Crítica à Falsa Religião do Progresso. 2.ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1986. p.89.