Uma
educação marcada pelas digitais da ignorância
Por Alessandra
Leles Rocha
Como é triste ver a educação
transformada em instrumento de guerra política! Quando não é diretamente pela
deterioração das suas estruturas, ela chega pelas mãos de iniciativas abjetas
como é o caso da manipulação e deturpação dos materiais didáticos. Acontece que
essa não é uma práxis atual, não é novidade!
De modo que a manchete “Rede
estadual de SP ensina que capital paulista tem praia e água pode transmitir
Parkinson; secretaria diz que retificou erros” 1
merece o status de recente e não, de último episódio. Afinal, enquanto houver
espaço midiático para o burburinho em torno da espuma que ela representa, um
dos objetivos da guerra político-ideológica terá sido alcançado.
Sim, esta é uma guerra
político-ideológica. Certamente, inspirada por velhos ideários da ultradireita
registrados nas prateleiras da história e de fácil acesso, em razão das inovações
científicas e tecnológicas do mundo virtual. Por ser o segundo espaço social
mais importante na vida dos indivíduos, a escola é um alvo perfeito para
colaborar com oportunismos doutrinários.
Inclusive, porque tende a despertar
discussões menos acaloradas do que as que acontecem nas redes sociais. Sob o
manto do saber, a escola ainda permanece desfrutando de algum prestígio e
respeito, o que gera uma aura de distinção em torno do conhecimento oferecido e
compartilhado. Constituindo, então, uma perspectiva diferente das informações
que transitam no cotidiano, além dos muros da escola.
Depois de tudo o que se viu acontecer
pela circulação das Fake News, nos últimos anos, no país, tornando o fenômeno alvo
de investigação criminal pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a sua importância
na reafirmação da pós-verdade, via redes sociais, ficou momentaneamente
vulnerabilizada e, por essa razão, era preciso encontrar um novo caminho que
fosse tão produtivo quanto. A escolha foi, então, a educação através dos seus materiais
didáticos.
O que no caso do estado de SP
ocorreu tanto pela decisão de instituir um modelo de educação digital nas
escolas, quanto pela não adesão ao Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) 2, triênio 2024-2027. Como não é difícil perceber,
o visível desconhecimento do assunto logicamente resultou na tão esperada
polemização e muitas manchetes nos veículos de informação e comunicação; bem
como, ações bastante contundentes das instituições responsáveis, como o
Ministério Público estadual, por exemplo.
É nesse ponto que eu chamo a sua
atenção, caro (a) leitor (a), porque essas decisões equivocadas, nesse momento,
não estão dissociadas de outras discussões – Escola sem partido 3 e Homeschooling 4-
que vieram rondando o pensamento nacional, pela voz da direita e de seus
matizes mais radicais e extremistas, nos últimos anos. A ideia aqui é
contextualizar as ideias para tornar mais fluida a reflexão.
Educação digital nas escolas não
seria uma ideia ruim, não fossem as discrepâncias sociais do próprio país. Acontece
que a direita e seus matizes não enxergam além de si mesmos, portanto, são
incapazes de reconhecer a dimensão das desigualdades socioeconômicas nacionais.
Ora, não basta que a instituição
de ensino desfrute de toda a infraestrutura necessária. A educação não acontece
só na escola, ela se desdobra nas atividades realizadas em casa e em outros
espaços geográficos. E conforme, tão bem e cruelmente demostrou a pandemia, uma
imensa maioria dos alunos e dos professores não possuem acesso adequado às
tecnologias. Portanto, uma decisão também com viés discriminatório.
Algo que é lamentável para um
país que já convive com a realidade do abandono escolar e que precisa tanto
fazer da escola um ambiente acolhedor, agregador e motivador para transformar
crianças e jovens em verdadeiros cidadãos. Mas, por que a surpresa?! Recentemente,
a ultradireita nacional estava defendendo a ideia do Homeschooling, que
não só favoreceria ao seu ideal ideológico-doutrinário; mas, abriria espaço
para uma privatização maciça da educação, a qual afetaria quantitativa e
qualitativamente o sistema público e ampliaria, ainda mais, as fronteiras da evasão
escolar.
Quanto a não adesão ao PNLD, não
resta dúvida quanto ao viés encabeçado pelo projeto de lei Escola Sem Partido. Propagando
a ideia de que há uma doutrinação de esquerda no ensino nacional, que precisa
ser contida, essas pessoas vêm questionando e rechaçando o trabalho docente e
os diferentes materiais didático-pedagógicos, sem quaisquer fundamentos técnicos
e científicos que sustentem esse tipo de pensamento. Então, sendo o governo federal
eleito uma expressão que contraria os seus interesses e expectativas político-partidárias,
o governo de SP resolveu dizer não ao PNLD.
Bem, aqui vale destacar dois
pontos importantes. Primeiro, o fato de que os livros oferecidos pelo programa
são criteriosamente avaliados por uma equipe de especialistas, oriundos das
melhores instituições de ensino superior brasileiras, antes de constarem em
listas tríplices de cada disciplina, para a escolha pelas escolas e
professores. De modo que “é importante o conhecimento do Guia do Programa
Nacional do Livro Didático (PNLD). É tarefa de professores e equipe pedagógica
analisar as resenhas contidas no guia para escolher adequadamente os livros a
serem utilizados no triênio” 5.
Segundo, porque diante da existência
de todo um critério de adequação que perpassa pelo projeto político-pedagógico
da escola; os protagonistas do processo, ou seja, o professor e o aluno; e, à
realidade sociocultural das instituições, fica fragilizada a defesa da tese de
doutrinação pelos simpatizantes da esquerda. Por outro lado, mostra-se a
impossibilidade de satisfazer os interesses doutrinários da direita e seus matizes,
os quais já se acostumaram a ser beneficiados pelo fenômeno da pós-verdade.
Por ele, as Fake News, totalmente
desprovidas de fundamentação consistente e de credibilidade, são produzidas e
disseminadas nas redes sociais sem quaisquer contestações, como verdades absolutas.
Garantindo, então, resultados positivamente impactantes para a direita e seus matizes.
Assim, não houve erro, confusão,
desacerto, desvio, engano, equívoco ou falha. Porque tudo isso pressupõe uma
desatenção involuntária, algo pontual, facilmente corrigível. O que se viu foi
exatamente o contrário. Os problemas se disseminaram por diversos conteúdos. Trazem
informações deliberadamente deformadas. Houve sim, a intenção da desinformação,
da precarização da informação, para atender a outros fins que não, os previstos
para a construção do conhecimento e da formação intelectual do cidadão. Em suma, uma acintosa depreciação da educação
nacional.
Sem contar que tudo isso
aconteceu no material da rede pública, onde a maioria dos alunos pertence as
camadas mais frágeis e vulneráveis da população. Negligenciando a total
necessidade que estes cidadãos demandam por um ensino de qualidade e capaz de
abrir-lhes, em tempo oportuno, portas no mercado de trabalho. Portanto, nada
mais nada menos, do que a expressão máxima da distorção do pensamento da
direita e de seus matizes mais ou menos radicais e extremistas, ou seja, a crônica
incapacidade em admitir a sociedade no conjunto de uma pluralidade maior do que
si mesma.
1 https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2023/08/31/rede-estadual-de-sp-ensina-que-capital-paulista-tem-praia-e-agua-pode-transmitir-parkinson-secretaria-diz-que-retificou-erros.ghtml
2 http://portal.mec.gov.br/busca-geral/318-programas-e-acoes-1921564125/pnld-439702797/12391-pnld#:~:text=O%20Programa%20Nacional%20do%20Livro,redes%20federal%2C%20estaduais%2C%20municipais%20e