sexta-feira, 1 de setembro de 2023

Uma educação marcada pelas digitais da ignorância


Uma educação marcada pelas digitais da ignorância

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Como é triste ver a educação transformada em instrumento de guerra política! Quando não é diretamente pela deterioração das suas estruturas, ela chega pelas mãos de iniciativas abjetas como é o caso da manipulação e deturpação dos materiais didáticos. Acontece que essa não é uma práxis atual, não é novidade!

De modo que a manchete “Rede estadual de SP ensina que capital paulista tem praia e água pode transmitir Parkinson; secretaria diz que retificou erros” 1 merece o status de recente e não, de último episódio. Afinal, enquanto houver espaço midiático para o burburinho em torno da espuma que ela representa, um dos objetivos da guerra político-ideológica terá sido alcançado.

Sim, esta é uma guerra político-ideológica. Certamente, inspirada por velhos ideários da ultradireita registrados nas prateleiras da história e de fácil acesso, em razão das inovações científicas e tecnológicas do mundo virtual. Por ser o segundo espaço social mais importante na vida dos indivíduos, a escola é um alvo perfeito para colaborar com oportunismos doutrinários.  

Inclusive, porque tende a despertar discussões menos acaloradas do que as que acontecem nas redes sociais. Sob o manto do saber, a escola ainda permanece desfrutando de algum prestígio e respeito, o que gera uma aura de distinção em torno do conhecimento oferecido e compartilhado. Constituindo, então, uma perspectiva diferente das informações que transitam no cotidiano, além dos muros da escola.

Depois de tudo o que se viu acontecer pela circulação das Fake News, nos últimos anos, no país, tornando o fenômeno alvo de investigação criminal pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a sua importância na reafirmação da pós-verdade, via redes sociais, ficou momentaneamente vulnerabilizada e, por essa razão, era preciso encontrar um novo caminho que fosse tão produtivo quanto. A escolha foi, então, a educação através dos seus materiais didáticos.

O que no caso do estado de SP ocorreu tanto pela decisão de instituir um modelo de educação digital nas escolas, quanto pela não adesão ao Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) 2, triênio 2024-2027. Como não é difícil perceber, o visível desconhecimento do assunto logicamente resultou na tão esperada polemização e muitas manchetes nos veículos de informação e comunicação; bem como, ações bastante contundentes das instituições responsáveis, como o Ministério Público estadual, por exemplo.

É nesse ponto que eu chamo a sua atenção, caro (a) leitor (a), porque essas decisões equivocadas, nesse momento, não estão dissociadas de outras discussões – Escola sem partido 3 e Homeschooling 4- que vieram rondando o pensamento nacional, pela voz da direita e de seus matizes mais radicais e extremistas, nos últimos anos. A ideia aqui é contextualizar as ideias para tornar mais fluida a reflexão.

Educação digital nas escolas não seria uma ideia ruim, não fossem as discrepâncias sociais do próprio país. Acontece que a direita e seus matizes não enxergam além de si mesmos, portanto, são incapazes de reconhecer a dimensão das desigualdades socioeconômicas nacionais.

Ora, não basta que a instituição de ensino desfrute de toda a infraestrutura necessária. A educação não acontece só na escola, ela se desdobra nas atividades realizadas em casa e em outros espaços geográficos. E conforme, tão bem e cruelmente demostrou a pandemia, uma imensa maioria dos alunos e dos professores não possuem acesso adequado às tecnologias. Portanto, uma decisão também com viés discriminatório.

Algo que é lamentável para um país que já convive com a realidade do abandono escolar e que precisa tanto fazer da escola um ambiente acolhedor, agregador e motivador para transformar crianças e jovens em verdadeiros cidadãos. Mas, por que a surpresa?! Recentemente, a ultradireita nacional estava defendendo a ideia do Homeschooling, que não só favoreceria ao seu ideal ideológico-doutrinário; mas, abriria espaço para uma privatização maciça da educação, a qual afetaria quantitativa e qualitativamente o sistema público e ampliaria, ainda mais, as fronteiras da evasão escolar.   

Quanto a não adesão ao PNLD, não resta dúvida quanto ao viés encabeçado pelo projeto de lei Escola Sem Partido. Propagando a ideia de que há uma doutrinação de esquerda no ensino nacional, que precisa ser contida, essas pessoas vêm questionando e rechaçando o trabalho docente e os diferentes materiais didático-pedagógicos, sem quaisquer fundamentos técnicos e científicos que sustentem esse tipo de pensamento. Então, sendo o governo federal eleito uma expressão que contraria os seus interesses e expectativas político-partidárias, o governo de SP resolveu dizer não ao PNLD.

Bem, aqui vale destacar dois pontos importantes. Primeiro, o fato de que os livros oferecidos pelo programa são criteriosamente avaliados por uma equipe de especialistas, oriundos das melhores instituições de ensino superior brasileiras, antes de constarem em listas tríplices de cada disciplina, para a escolha pelas escolas e professores. De modo que “é importante o conhecimento do Guia do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). É tarefa de professores e equipe pedagógica analisar as resenhas contidas no guia para escolher adequadamente os livros a serem utilizados no triênio” 5.

Segundo, porque diante da existência de todo um critério de adequação que perpassa pelo projeto político-pedagógico da escola; os protagonistas do processo, ou seja, o professor e o aluno; e, à realidade sociocultural das instituições, fica fragilizada a defesa da tese de doutrinação pelos simpatizantes da esquerda. Por outro lado, mostra-se a impossibilidade de satisfazer os interesses doutrinários da direita e seus matizes, os quais já se acostumaram a ser beneficiados pelo fenômeno da pós-verdade.

Por ele, as Fake News, totalmente desprovidas de fundamentação consistente e de credibilidade, são produzidas e disseminadas nas redes sociais sem quaisquer contestações, como verdades absolutas. Garantindo, então, resultados positivamente impactantes para a direita e seus matizes.

Assim, não houve erro, confusão, desacerto, desvio, engano, equívoco ou falha. Porque tudo isso pressupõe uma desatenção involuntária, algo pontual, facilmente corrigível. O que se viu foi exatamente o contrário. Os problemas se disseminaram por diversos conteúdos. Trazem informações deliberadamente deformadas. Houve sim, a intenção da desinformação, da precarização da informação, para atender a outros fins que não, os previstos para a construção do conhecimento e da formação intelectual do cidadão.  Em suma, uma acintosa depreciação da educação nacional.

Sem contar que tudo isso aconteceu no material da rede pública, onde a maioria dos alunos pertence as camadas mais frágeis e vulneráveis da população. Negligenciando a total necessidade que estes cidadãos demandam por um ensino de qualidade e capaz de abrir-lhes, em tempo oportuno, portas no mercado de trabalho. Portanto, nada mais nada menos, do que a expressão máxima da distorção do pensamento da direita e de seus matizes mais ou menos radicais e extremistas, ou seja, a crônica incapacidade em admitir a sociedade no conjunto de uma pluralidade maior do que si mesma.