Recuo
estratégico ...
Por
Alessandra Leles Rocha
A notícia de que grupos de
garimpeiros começam a abandonar voluntariamente as áreas yanomamis 1 é importante, mas não satisfaz
plenamente. Recuos estratégicos, em uma área de floresta densa, como é o caso,
podem significar desafios maiores mais adiante. Não nos esqueçamos de que o
crime é sempre organizado!
De modo que o monitoramento dos
garimpeiros não pode cessar; sobretudo, porque outros focos de garimpo ilegal,
com contaminação das terras e águas da floresta, pelo mercúrio, podem surgir. O
que tornaria o trabalho de recuperação ambiental prejudicado, pois a fonte dos
agravos não teria sido interrompida.
Pois é, estamos diante do fruto
amargo da ganância humana. Desde que a crise dos yanomamis veio à tona com mais
força, há alguns anos, eu me coloquei a pensar no sentido que poderia existir
nesse ciclo perverso que alimenta o luxo e o poder das elites.
Poucos são os que tecem
considerações e reflexões a respeito do fato de que o ouro que garante a
ostentação do status social, no Brasil e no mundo, é cravejado pelas piores
misérias humanas; afinal de contas, por ele pessoas adoecem, morrem, roubam,
matam, escravizam, sequestram.
E isso não é conjectura, nem
força de expressão. Investigações dão conta de que a maior parte do ouro que
movimenta a cadeia luxuosa global é sim, oriunda da ilegalidade 2. Talvez, isso explique a razão do
silêncio daqueles que usufruem do ouro, diante de todas as discussões
socioambientais a respeito. Até o momento, não vi nenhuma grande marca ligada
ao mercado do ouro se posicionar contra as práxis criminosas recorrentes nas
atividades de garimpo e, nem tampouco, a favor dos povos originários. É como se
tentassem dissociar a existência do valioso mineral dessas discussões.
Já se ouve falar, por parte de
algumas autoridades brasileiras, em propostas interessantes quanto ao processo
de exploração mineral no país, sendo uma delas, a certificação a partir da
pactuação estabelecida por uma série de protocolos de responsabilidade
socioambiental. Isso daria não só uma diretriz contemporânea para o modelo de
gestão mineral, como colocaria o país na dianteira do protagonismo global do
setor.
No entanto, como já se viu
acontecer com outras tentativas de certificação, sobre outros produtos, bens e
serviços, o risco de fraudes e a fragilidade de fiscalização podem se tornar
grandes obstáculos para a efetivação do processo e a garantia da sua
credibilidade no mercado. De modo que a ideia não é ruim, muito pelo contrário;
mas, precisa ser bem executada se quiser efetivamente cumprir seu papel.
Inclusive, porque ao se falar
sobre o desmantelamento ocorrido na totalidade da gestão federal, nos últimos
quatro anos, não se trata apenas da desestruturação ou desorganização funcional
e material dos segmentos; mas, particularmente, dos efeitos deletérios que
impactaram de maneira devastadora as crenças, os valores, os princípios e as
convicções, de servidores e da própria população, comprometendo a solidez do
exercício cidadão.
A tentativa de institucionalizar
a ideia de uma terra de ninguém, descumpridora das leis e desafiante explícita da
justiça, por exemplo, é que abriu caminho e consolidou as mais diversas práticas
exploratórias ilegais na região da Floresta Amazônica. Pairava no ar a mais
absoluta certeza de impunidade e de que o crime compensava porque não haveria
obstáculos para impedi-lo.
Por isso o cenário que se tem no
momento precisa ser tratado com muita objetividade, responsabilidade e
viabilidade de execução. Não só para alcançar os objetivos fundamentais e
urgentes; mas, também, mostrar uma possibilidade real de execução e monitoramento.
Os planejamentos têm que ser
estratégicos, pensados em curto, em médio e em longo prazo, para não incorrerem
no seu abandono prematuro. Porque é exatamente isso o que fortalece o
recrudescimento das práxis ilegais no campo da sustentabilidade socioambiental.
Tudo precisa ser medido, pesado, analisado e projetado para suportar e resistir
aos desafios do que pode ser ponderável e do imponderável.
Nesse sentido, analisando essa
questão sob a ótica da dispersão dos garimpeiros, no momento, a prioridade
principal me parece ser a retomada efetiva e consistente da fiscalização das
fronteiras terrestres na Amazônia, tanto pela Polícia Federal (PF), nos postos
legais, quanto pelos comandos regionais do Exército. Dessa forma se torna
possível evitar o regresso de garimpeiros e outros agentes ilegais mais
adiante, após o arrefecimento do clímax de crise, que culminou na debandada atual
deles da região da Amazônia brasileira.
É através desse movimento
consciente e responsável que as populações locais e os povos originários,
especialmente os Yanomamis, se sentirão seguros para retomar a sua vida,
segundo suas organizações sociais, costumes, línguas, crenças e tradições.
Assim, consolidado o respeito nas suas mais diversas expressões humanas, se
tornará possível reestabelecer uma ponte profícua de parcerias
socioambientalmente sustentáveis para aquela região, e por consequência, para o
país.
Como escreveu Albert Schweitzer, “Vivemos em uma época perigosa. O homem domina a natureza antes que tenha aprendido a dominar a si mesmo”. Isso explica porque existir sobre pilares de sustentabilidade parece tão difícil, tão complexo, tão desafiador. Mas, justamente por isso, há de se insistir, persistir, e lutar sempre. Porque “Se você realmente acha que o meio ambiente é menos importante que a economia, tente segurar a respiração enquanto conta o seu dinheiro” (Guy McPherson 3).
1 https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2023-02/garimpeiros-comecam-fugir-da-terra-indigena-yanomami
2 https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2023/02/como-o-garimpo-ilegal-esquenta-ouro-de-terras-indigenas-no-brasil.shtml
3
Cientista americano, professor emérito de Recursos Naturais e Ecologia e
Biologia Evolutiva da Universidade do Arizona, EUA.
*Data original da postagem: 05/02/2023.