Esperar
para quê?
Por
Alessandra Leles Rocha
Ouvi certos comentários dos
veículos de informação e comunicação, a seis dias do pleito eleitoral, de que
seria melhor que a disputa presidencial fosse para um segundo turno a fim de se
evitar especulações sobre o resultado.
Bem, minha opinião é a seguinte,
para o mau perdedor quaisquer conjunturas serão motivo de contestação, de
reclamação, de não aceitação, seja em que momento for.
Vejamos que, antes mesmo da ocorrência
do pleito eleitoral, é de conhecimento público que o candidato, em segundo
lugar nas pesquisas, já bradava aos quatro cantos que não aceitaria um
resultado que não lhe favorecesse.
Aliás, isso já diz muito! Foi
justamente com esse tipo de narrativa que as ameaças em torno da Democracia
nacional começaram a ser fiadas, despertando nas pessoas um sentimento de
necessidade em interromper esse processo. Haja vista as inúmeras cartas em
defesa do Estado Democrático de Direito e do sistema eleitoral brasileiro,
lidas no dia 11 de agosto, dentro e fora do país.
Isso é muito importante, porque desconstrói
a ideia de que os apelos para uma solução eleitoral em primeiro turno são motivados
por nome, por indivíduo, por partido.
Não. Absolutamente não. Foi a
elevação das tensões, dos desconfortos, impostos por discursos intimidatórios e
golpistas que despertou a necessidade de um posicionamento social em defesa do
país, das instituições democráticas, dos direitos fundamentais e sociais.
Algo que já seria, então, o
suficiente para que todos se unissem em torno de uma decisão em primeiro turno.
Mas, como é típico do Brasil a complexidade, há um outro aspecto ainda mais
importante a se considerar.
Mais uma vez preocupados somente
com a eleição em si, todos se esquecem de que até aqui o país não foi devidamente
governado e que milhões de brasileiros e brasileiras carregam sobre os ombros o
peso de um cansaço físico e moral que precisa, urgentemente, chegar ao fim.
Ou será que já nos esquecemos dos
quase 700 mil mortos, somente pela COVID-19? Ou das 60 milhões de pessoas
afetadas pela insegurança alimentar? Ou dos 1,4 milhão de trabalhadores
informais? Ou uma Taxa Selic de 13,75%? ...
Aos que tentam condicionar a resolução
do pleito em primeiro turno, a um mero capricho do candidato que se apresenta
na dianteira das pesquisas, essa é uma visão bastante desprovida de humanidade.
Como se mais uma vez, os
interesses da grande massa da população estivessem relegados, preteridos a último
plano e, só o que importasse, no momento, é a decisão sobre quem governaria o Brasil
nos próximos quatro anos.
É, Eduardo Galeano tinha mesmo
razão quando disse, “O que são as pessoas
de carne e osso? Para os mais notórios economistas, números. Para os mais
poderosos banqueiros, devedores. Para os mais influentes tecnocratas, incômodos.
E para os mais exitosos políticos, votos”.
Pois é, milhões de brasileiros
estão ávidos pelo seu exercício cidadão para trazer-lhes um alento, por um
fiapo de esperança, que seja capaz de curar o seu extremo cansaço diante de
lutas tão inglórias quanto as que vêm travando até aqui. E há quem queira
postergar esse direito!
Ora, esse deveria ser, sem sombra
de dúvidas, o motivo maior e mais contundente para que se busque a decisão em
primeiro turno. Pessoas. Seres humanos. Trabalhadores. Cidadãos. Gente que dá
sentido e razão a esse país. Gente que quer e tem o direito de ser feliz. Gente
que quer estancar o sofrimento.
Basta olhar para o mundo para
entender que esses são tempos tão conturbados, tão difíceis, tão sofridos, que
não deveria haver espaços para vaidades, para manifestações de soberba ou de
autoafirmação.
Afinal de contas, queremos ou não
um mundo melhor, um país melhor? Estamos do lado da democracia ou não? Somos ou
não defensores da dignidade humana? Onde está a nossa fé, a nossa conexão com o
Sagrado? Por que subverter as prioridades pelo simples prazer de nos deixar
tomar pelo narcísico individualismo, hein?
Com base na estatística se tem um
cenário muito bem configurado para que se venha contestar o óbvio. Desde o
início das discussões em torno das possíveis candidaturas já se desenhava no
horizonte o predomínio de dois nomes em particular, dadas as circunstâncias que
os conduziram até aqui.
Entretanto, graças aos princípios
democráticos, o direito de participar esteve aberto para quem assim desejasse. De
modo que outros nomes, então, vieram fazer parte das opções.
Acontece que suas presenças não
demonstraram a capacidade suficiente de reverter a decisão já manifesta pelos
cidadãos em todas as pesquisas eleitorais realizadas.
A existência de dois blocos permaneceu,
ou seja, dois candidatos em um e os demais em outro. O que significa que a participação
dos componentes desse segundo bloco demonstra ter um caráter muito mais de
visibilidade.
Sua presença, então, faz com que os
eleitores, além do seu espaço de atuação política, conheçam um pouco mais do
seu trabalho e, dessa forma, em um próximo pleito os elevem ao rol de uma
eventual escolha. Mas, é só.
Diante disso, talvez, a melhor
maneira de reafirmar, desde já, o seu compromisso com o eleitor seria demonstrar-lhe
respeito ao seu cansaço, ao seu sofrimento, a sua tristeza, que se arrastam
nesses últimos anos.
Seria o seu engajamento na defesa
do Estado Democrático de Direito, o qual tantas agressões vem sofrendo, constituindo-se
como mais um elo de agregação e não, de cisão.
E isso não se faz por meio de
palavras, de discursos; mas, de ações simples e concretas, começando pela
disposição em deixar livres os eleitores para manifestarem suas escolhas. Por tudo
isso é que a discussão em torno de um desfecho em primeiro turno é tão
relevante.
Como escreveu Hannah Arendt, “Fluindo na direção da morte, a vida do
homem arrastaria consigo, inevitavelmente, todas as coisas humanas para a ruína
e a destruição, se não fosse a faculdade humana de interrompê-las e iniciar
algo novo, faculdade inerente à ação como perene advertência de que os homens,
embora devam morrer, não nascem para morrer, mas para começar”.
Não nos esqueçamos de que o Brasil tem pressa. Seus cidadãos têm pressa. A vida não quer morrer, ela urge por recomeçar sempre e melhor! Esperar para quê?