terça-feira, 27 de setembro de 2022

Esperar para quê?


Esperar para quê?

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Ouvi certos comentários dos veículos de informação e comunicação, a seis dias do pleito eleitoral, de que seria melhor que a disputa presidencial fosse para um segundo turno a fim de se evitar especulações sobre o resultado.

Bem, minha opinião é a seguinte, para o mau perdedor quaisquer conjunturas serão motivo de contestação, de reclamação, de não aceitação, seja em que momento for.

Vejamos que, antes mesmo da ocorrência do pleito eleitoral, é de conhecimento público que o candidato, em segundo lugar nas pesquisas, já bradava aos quatro cantos que não aceitaria um resultado que não lhe favorecesse.

Aliás, isso já diz muito! Foi justamente com esse tipo de narrativa que as ameaças em torno da Democracia nacional começaram a ser fiadas, despertando nas pessoas um sentimento de necessidade em interromper esse processo. Haja vista as inúmeras cartas em defesa do Estado Democrático de Direito e do sistema eleitoral brasileiro, lidas no dia 11 de agosto, dentro e fora do país.

Isso é muito importante, porque desconstrói a ideia de que os apelos para uma solução eleitoral em primeiro turno são motivados por nome, por indivíduo, por partido.

Não. Absolutamente não. Foi a elevação das tensões, dos desconfortos, impostos por discursos intimidatórios e golpistas que despertou a necessidade de um posicionamento social em defesa do país, das instituições democráticas, dos direitos fundamentais e sociais.

Algo que já seria, então, o suficiente para que todos se unissem em torno de uma decisão em primeiro turno. Mas, como é típico do Brasil a complexidade, há um outro aspecto ainda mais importante a se considerar.

Mais uma vez preocupados somente com a eleição em si, todos se esquecem de que até aqui o país não foi devidamente governado e que milhões de brasileiros e brasileiras carregam sobre os ombros o peso de um cansaço físico e moral que precisa, urgentemente, chegar ao fim.

Ou será que já nos esquecemos dos quase 700 mil mortos, somente pela COVID-19? Ou das 60 milhões de pessoas afetadas pela insegurança alimentar? Ou dos 1,4 milhão de trabalhadores informais? Ou uma Taxa Selic de 13,75%? ...

Aos que tentam condicionar a resolução do pleito em primeiro turno, a um mero capricho do candidato que se apresenta na dianteira das pesquisas, essa é uma visão bastante desprovida de humanidade.

Como se mais uma vez, os interesses da grande massa da população estivessem relegados, preteridos a último plano e, só o que importasse, no momento, é a decisão sobre quem governaria o Brasil nos próximos quatro anos.  

É, Eduardo Galeano tinha mesmo razão quando disse, “O que são as pessoas de carne e osso? Para os mais notórios economistas, números. Para os mais poderosos banqueiros, devedores. Para os mais influentes tecnocratas, incômodos. E para os mais exitosos políticos, votos”.

Pois é, milhões de brasileiros estão ávidos pelo seu exercício cidadão para trazer-lhes um alento, por um fiapo de esperança, que seja capaz de curar o seu extremo cansaço diante de lutas tão inglórias quanto as que vêm travando até aqui. E há quem queira postergar esse direito!

Ora, esse deveria ser, sem sombra de dúvidas, o motivo maior e mais contundente para que se busque a decisão em primeiro turno. Pessoas. Seres humanos. Trabalhadores. Cidadãos. Gente que dá sentido e razão a esse país. Gente que quer e tem o direito de ser feliz. Gente que quer estancar o sofrimento.

Basta olhar para o mundo para entender que esses são tempos tão conturbados, tão difíceis, tão sofridos, que não deveria haver espaços para vaidades, para manifestações de soberba ou de autoafirmação.

Afinal de contas, queremos ou não um mundo melhor, um país melhor? Estamos do lado da democracia ou não? Somos ou não defensores da dignidade humana? Onde está a nossa fé, a nossa conexão com o Sagrado? Por que subverter as prioridades pelo simples prazer de nos deixar tomar pelo narcísico individualismo, hein?

Com base na estatística se tem um cenário muito bem configurado para que se venha contestar o óbvio. Desde o início das discussões em torno das possíveis candidaturas já se desenhava no horizonte o predomínio de dois nomes em particular, dadas as circunstâncias que os conduziram até aqui.

Entretanto, graças aos princípios democráticos, o direito de participar esteve aberto para quem assim desejasse. De modo que outros nomes, então, vieram fazer parte das opções.

Acontece que suas presenças não demonstraram a capacidade suficiente de reverter a decisão já manifesta pelos cidadãos em todas as pesquisas eleitorais realizadas.

A existência de dois blocos permaneceu, ou seja, dois candidatos em um e os demais em outro. O que significa que a participação dos componentes desse segundo bloco demonstra ter um caráter muito mais de visibilidade.

Sua presença, então, faz com que os eleitores, além do seu espaço de atuação política, conheçam um pouco mais do seu trabalho e, dessa forma, em um próximo pleito os elevem ao rol de uma eventual escolha. Mas, é só.

Diante disso, talvez, a melhor maneira de reafirmar, desde já, o seu compromisso com o eleitor seria demonstrar-lhe respeito ao seu cansaço, ao seu sofrimento, a sua tristeza, que se arrastam nesses últimos anos.

Seria o seu engajamento na defesa do Estado Democrático de Direito, o qual tantas agressões vem sofrendo, constituindo-se como mais um elo de agregação e não, de cisão.

E isso não se faz por meio de palavras, de discursos; mas, de ações simples e concretas, começando pela disposição em deixar livres os eleitores para manifestarem suas escolhas. Por tudo isso é que a discussão em torno de um desfecho em primeiro turno é tão relevante.

Como escreveu Hannah Arendt, “Fluindo na direção da morte, a vida do homem arrastaria consigo, inevitavelmente, todas as coisas humanas para a ruína e a destruição, se não fosse a faculdade humana de interrompê-las e iniciar algo novo, faculdade inerente à ação como perene advertência de que os homens, embora devam morrer, não nascem para morrer, mas para começar”.

Não nos esqueçamos de que o Brasil tem pressa. Seus cidadãos têm pressa. A vida não quer morrer, ela urge por recomeçar sempre e melhor! Esperar para quê?