quarta-feira, 28 de setembro de 2022

Até o apagar das luzes...


Até o apagar das luzes...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Observando, além da perspectiva eleitoral, os caminhos que segue o Brasil nessa reta final de gestão, o descompromisso com os problemas que afetam diretamente as camadas mais vulneráveis se mostra evidente. Sem quaisquer reticências ou constrangimentos, a verdade é que a governança atual não foi pensada, em momento algum, para o coletivo nacional. Não, ela foi pensada para uma elite e, por isso, nunca importaram os cortes e contingenciamentos no orçamento, a ausência de políticas públicas e/ou o sucateamento dos serviços essenciais, por exemplo.

Mas, o que me parece mais grave, nesse momento, é o fato de que até o apagar das luzes, em 31 de dezembro, muito mais abandonos, negligências e irresponsabilidades sociais devem ser contabilizados no país. Sobretudo, se a reeleição não se confirmar. Aí é que o descaso deverá imperar, como nunca, e o mau uso do dinheiro público deixará suas marcas nefastas como herança maldita à próxima administração.

Vejam as notícias mais recentes: “Governo faz corte drástico em verba destinada a enfrentamento de desastres naturais” 1, “Governo federal corta R$1 bi para orçamento da Educação Básica para 2023” 2, “Para manter orçamento secreto, governo reduz até verba de combate ao câncer” 3, “Corte no orçamento da Farmácia Popular atinge 13 medicamentos” 4, “Cortes em Ciência e Cultura para manter o Sistema da Dívida” 5, “Com recorde de queimadas, governo gasta só 18% do orçamento contra incêndio” 6, ... O cenário de terra arrasada está aí!

Admito que é difícil estabelecer o que seria pior, ou seja, a ausência de um governo ou o desgoverno que pudemos assistir de perto. Porque, no primeiro caso, os novos tempos seriam para recolocar as engrenagens em funcionamento, retirar as poeiras e as teias de aranha, atualizar os planejamentos, colocar o desenvolvimento e o progresso em franca atividade.

Mas, no segundo caso não. Porque a situação de desgoverno implica na existência de um desmantelamento, de uma desorganização e desconstrução voluntárias das estruturas, sem quaisquer propostas substitutivas capazes de satisfazer a gestão a contento. O caos é instalado! Um caos que tem ordem, tem método; mas, que não leva nada a lugar nenhum. Que não passa de uma espiral insana, na qual os erros se repetem indefinidamente. E infelizmente, esse é o cenário do Brasil atual.

Por isso, mesmo com os acenos de uma nova conjuntura nascendo no horizonte, a partir dos resultados da eleição, até que se chegue, finalmente, ao derradeiro fim, os dias ainda serão nessa toada. Nem adianta pensar que se quaisquer movimentos em favor da reeleição mudariam esse panorama, porque não. O ponto nevrálgico dessa história não são escolhas populares, a força do voto; mas, a ideologia colonial rançosa que banha o inconsciente coletivo das elites brasileiras e que controla os poderes.

Quaisquer que fossem os caminhos tomados, o resultado seria o mesmo. As notícias seriam as mesmas. Afinal de contas, tudo foi feito para orbitar os interesses dessas elites, trazendo-lhes a impressão confortável da inexistência de quaisquer ameaças as suas regalias, privilégios e enriquecimentos. Porque essa é a base de convicção que sempre as sustentou até aqui. Então, nunca houve disposição para mudar, para fazer diferente.

Talvez, agora, o que aconteça seja o recrudescimento dos seus posicionamentos, tendo em vista os riscos iminentes que se configuram diante de seus olhos, pelas projeções das pesquisas eleitorais. As atitudes deixariam de se concretizar pelo automatismo do seu modus operandi tradicional, para se transformarem em instrumentos de retaliação, de desforro. Como se a ruína pudesse de fato representar um obstáculo intransponível para a reconstrução e a reafirmação de novas crenças, valores e convicções, tornando-se uma garantia ao seu retorno triunfante daqui a algum tempo.  

Mas, a vida não é simples! E as conjunturas não se escrevem pela força de quereres e vontades alheios. Não há scripts perfeitos. Não há ausência de imprevistos. Uma dinâmica peculiar conduz os acontecimentos, de modo que as interferências humanas não têm um controle absoluto dos movimentos. O fundamental é termos a consciência de que “[...]No novo tempo, apesar dos perigos / Da força mais bruta, da noite que assusta, estamos na luta / Pra sobreviver, para sobreviver, para sobreviver”[...] 7


7 Novo Tempo (Ivan Lins / Vitor Martins) - https://www.letras.mus.br/ivan-lins/46444/