Nada
é igual ... Nem mesmo as guerras.
Por
Alessandra Leles Rocha
Por mais que as experiências
pregressas nos tragam algum know-how
sobre a vida, nada se repete exatamente da mesma forma. Há sempre uma variação
aqui e ali, um elemento surpresa, um certo desalinhamento, para dar contornos e
formas bastante particulares aos eventos.
Portanto, a guerra em curso no
leste Europeu, estabelecida pela invasão da Rússia ao território ucraniano,
pode sim, trazer repercussões e desdobramentos bem mais sinistros e
imprevisíveis do que aqueles que o mundo assistiu durante a Segunda Guerra
Mundial. A começar pelo robusto arsenal nuclear disponível no planeta.
Até aqui, como já era de se
esperar, as grandes potências mundiais conduzem o conflito à certa distância,
esperando um arrefecimento voluntário dos ânimos, embora saibam que isso não
vai acontecer. Foi assim, na Segunda Guerra. Demorou para que elas admitissem o
fracasso diplomático e dialógico; mas, guerras não são meros exercícios
militares, não são estabelecidas para acontecer com prazo mínimo e determinado.
Guerras são guerras e quem as começa não tem a menor intenção de recuar nos
seus propósitos. A verdade, então, é que todos já estão cientes de que a Rússia
pretende levar a situação aos extremos.
E mesmo diante de todos os
prejuízos, especialmente, os de natureza humanitária, eles parecem não se
importar com o estiramento das forças, que vem se configurando no horizonte.
Estão mantendo a crise sob constante vigilância e observação, como se fosse
suficiente.
Mas, será? Na iminência de
completar dois meses de conflito, o mundo já padece efeitos importantes tais
como o aumento dos índices de inflação, do fluxo migratório, da insuficiência
de matérias-primas e commodities
agrícolas para a produção industrial, que geram consequências diretas nas relações
socioeconômicas que já se mostravam instáveis por conta da pandemia do
Sars-Cov-2 e suas variantes.
Assim, caso a imprevisibilidade
venha atuar, mais uma vez, nessa década de tantas incertezas, o mundo pode se
deparar com um cenário irremediavelmente caótico, ou seja, uma guerra nuclear. Tudo
porque o atual potencial bélico, dessa natureza, é muito maior do que aquele da
Segunda Guerra.
Não são algumas poucas bombas
nucleares, são milhares. Que podem destruir o mundo em segundos, colocando-o
sob o impacto de um resfriamento abrupto em razão de uma nuvem densa de poeira
e particulados que encobriria a radiação solar, por um longo período,
impossibilitando a sobrevivência da grande maioria dos seres vivos, incluindo
os humanos.
Isso significa que a vida poderia
ser extinta de acordo com a proximidade do evento. Os mais próximos seriam
aniquilados imediatamente. E a medida em que as ondas nucleares fossem se
afastando do epicentro, os efeitos seriam sentidos a partir do resfriamento
climático intenso, da inexistência de abrigos adaptados para essas condições,
da impossibilidade de produção de alimentos, da escassez e contaminação
hídrica, da poluição do ar, do aparecimento de doenças desencadeadas pela
energia dissipada. Portanto, uma ameaça real a existência dos seres
humanos.
Infelizmente, isso não é tão
impossível quanto se imagina. Basta um descuido, um erro de estratégia, um
arroubo inconsequente, alguém que queira colocar mais tensão nos
acontecimentos, para que isso se torne realidade. O simples fato desse arsenal
existir impõe para a raça humana um risco, porque é impossível estimar o limite
da beligerância alheia.
Aliás, é bom lembrar que apesar
das duas bombas lançadas sobre o território japonês, na Segunda Guerra, com todos
os seus efeitos horríveis sobre a população atingida, nada disso fez o mundo retroceder
nessa ideia. Ao contrário, colocou-se a produzir um arsenal ainda mais
perigoso. O que significa que uma guerra nuclear nunca esteve fora dos planos
das grandes potências.
Nem se pode dizer se tratar de
uma ameaça psicológica, porque no campo da ciência e tecnologia nuclear
acidentes acontecem, mesmo mediante todos os protocolos de controle e segurança
estabelecidos. Haja vista o acidente de Chernobyl, no norte da Ucrânia, em
1986, ou do Césio 137, em Goiânia, em 1987, ou de Fukushima, no Japão, em 2011.
Os desdobramentos diretos e
indiretos desses acidentes permanecem repercutindo sobre suas populações,
obrigando a um processo monitoramento continuo dos níveis de radiação nas
regiões afetadas, o que impede o uso e ocupação irrestrita desses espaços. Então,
quando o assunto é uma bomba, um artefato desenvolvido e programado para
promover um efeito destruidor, devastador, o nível de insegurança que existe é
incomensurável.
Daí a estranheza ao ler nos
veículos de comunicação que informação que dentre as pautas que o Ministro da
Economia brasileiro pretende defender, na viagem que faz aos EUA, está um
posicionamento reservado pela manutenção da Rússia como membro do G20, do FMI e
do Banco Mundial 1, após carta enviada pelo
Ministro das Finanças russo pedindo tal apoio 2.
A Rússia sabe que o Brasil não
tem todo esse protagonismo; mas, representa um de seus pouquíssimos aliados com
acesso ao cenário internacional, então, ela usa desse recurso. No entanto, para
o Brasil isso pode deteriorar, ainda mais, a sua frágil imagem no campo
diplomático e de comércio exterior 3.
Vê-se, portanto, que o Brasil não
está compreendendo nada de nada ao se prestar a esse papel. As sanções
econômicas impostas à Rússia, desde o início dessa guerra, não são um problema
nosso. Aliás, em momento algum, a Rússia tem se preocupado com os interesses
brasileiros, em relação aos impactos econômicos gerados pelo conflito.
Assim, quaisquer atitudes de
alinhamento com os russos podem nos prejudicar ainda mais. Inclusive, se eles
por alguma razão decidirem ultrapassar a última fronteira que limita o uso das
armas nucleares. Aí, não haverá quem nos defenda! Tudo porque o Brasil decidiu
estar do lado da guerra, do morticínio, da destruição.
Estamos brincando com fogo? Não.
Estamos brincando com milhares de ogivas nucleares que podem ser apontadas na
nossa direção. Estamos brincando com coisa séria, com vidas humanas. Tudo para
fazer parecer que somos muito importantes, muito ocupados, muito atuantes;
quando, na verdade, não é nada disso.
O país vai a pique, porque eles
não sabem o que fazem e metem os pés pelas mãos a torto e a direito. Deveríamos
estar pensando nos nossos problemas. Em como vamos sobreviver aos desafios
dessa guerra se ela se prolongar ainda mais. Lá fora o Brasil é só mais um na
multidão. Ninguém está preocupado conosco, com a nossa sobrevivência, com o
nosso bem-estar.
Afinal de contas, as narrativas
estão gastas. Os discursos estão vazios. Conquistamos, sem grandes esforços,
uma identidade caricata. Cada passo dado e o país parece que vai desintegrar,
porque nada se sustenta. Nosso feito será nos destruirmos sem ter ao menos uma
ogiva nuclear, contando apenas com a incompetência e a total inabilidade de
governança.
1 https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,paulo-guedes-washington-investimentos-fmi-g20,70004040966