Contemporaneidade.
Tempos de Guerra. Tempos de Páscoa. Tempos ...
Por
Alessandra Leles Rocha
É curioso como as conjunturas da
vida são capazes de nos despertar novos olhares sobre o mundo. Embora tenha
sido lançada em 1993, somente agora a canção “Under the same sun” 1, da
banda alemã Scorpions, me arrebatou da
maneira devida. Falando sobre a violência e o egoísmo humano, ela nos arremessa
em um poço de reflexões profundas, bastante pertinente a esses tempos contemporâneos,
deixando ecoar a pergunta “[...]por que
não podemos viver unidos? [...]” 2.
Essa é a grande questão que paira
sobre guerras e conflitos, sobre violências de todas as formas e conteúdos,
sobre as desigualdades. Nada disso é fruto de outras mãos que não as humanas.
Nós somos responsáveis, direta ou indiretamente, sobre o nosso próprio sofrimento,
sobre a escalada de tragédias e infortúnios que se avolumam diante dos nossos
olhos. Nós produzimos o horror. Nós dissipamos o medo. Nós fabricamos o morticínio.
Nós...
E depois, ainda, temos o desplante
de nos postar crédulos e devotados, como se tivéssemos sido mergulhados no oceano
da mais pura fé. Como prega o evangelho cristão, em Mateus 6:24, “Não se pode servir a dois senhores”. O
Deus da paz, do amor, da fraternidade e do respeito, não é o mesmo da beligerância,
do ódio, da antipatia e do desrespeito. Portanto, o discurso que se ouve por aí
está visivelmente desconectado da prática.
Na verdade, cresce de maneira
franca e aberta, pelo mundo, o movimento de exacerbação dos extremismos, dos
radicalismos, do autoritarismo. Querem transformar o planeta em uma imensa praça
de guerra, como se isso pudesse resultar em algum real benefício para alguém. Em
cada canto o que se vê é o indecoroso e ininterrupto jogo de poder, que utiliza
das mais diversas expressões da violência e da barbárie humana para se
reafirmar.
Então, como pensar em união, se a
humanidade se afasta da possibilidade de um renascimento interior? De se
permitir realizar um rito de passagem para uma condição humana mais altruísta,
mais fraterna? Os seres humanos estão absortos, obcecados, hipnotizados por uma
lista de prioridades que desconsidera totalmente a sua própria presença. Olham para
o mundo como se ele bastasse a si mesmo, não precisasse de pessoas, não
precisasse de vida.
Nesse sentido, a resposta para a
pergunta “[...]por que não podemos viver
unidos? [...]” é simples ... porque não queremos. Porque as escolhas, as
decisões, os objetivos, até aqui, apontam em outra direção. Um caminho que
subtrai a base da nossa essência humana, da nossa identidade, do nosso
coletivo, do nosso instinto de sobrevivência enquanto espécie. Trocamos o SER
pelo TER com uma facilidade espantosa e aterrorizante.
Não é à toa que o psicanalista e
filósofo alemão, Erich Fromm, tenha escrito que “Somos uma sociedade de pessoas com notória infelicidade: solidão,
ansiedade, depressão, destruição, dependência; pessoas que ficam felizes quando
matam o tempo que foi tão difícil conquistar”, porque, no fundo, “O homem moderno vive sob a ilusão de que
sabe o que quer, quando na verdade ele deseja aquilo que se espera que ele
queira”.
E todo esse perfil desconstrói o senso
sobre a nossa humanidade, ou seja, “O
perigo do passado era que os homens se tornassem escravos. O perigo do futuro é
que os homens se tornem autômatos” (Erich Fromm). Há um movimento de
destruição das subjetividades humanas em curso, a fim de que a vida passe a
orbitar no campo da objetividade, da materialidade. Sem sentimentos. Sem
emoções. Sem divagações. Afinal, “A
criatividade exige a coragem de deixar as certezas de lado” (Erich Fromm), e
o ser humano não quer viver sob o manto das incertezas.
Sinceramente, eu gostaria que a
humanidade se dispusesse mais a ouvir. Ernest Hemingway dizia “Gosto de ouvir. Aprendi muita coisa por
ouvir cuidadosamente. A maioria das pessoas jamais ouve”. Ele tinha razão! Porque
“A arte de escutar é como uma luz que
dissipa a escuridão da ignorância. Se você é capaz de manter sua mente
constantemente rica através da arte de escutar, não tem o que temer. Esse tipo
de riqueza jamais lhe será tomado. Essa é a maior das riquezas” (Dalai Lama).
A espiral de loucura que estamos
mergulhados deixa isso muito claro. Ouvir, no sentido literal da palavra, nos
permitiria pensar, analisar, refletir e, quem sabe, redescobrir o que realmente
importa. Ouvir nos permitiria dialogar com mais propriedade, com melhor argumentação,
até encontrar, talvez, um denominador comum. Ouvir ... pessoas, canções,
pássaros, a vida. Mas, como escreveu Rubem Alves, “Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito. É preciso também
que haja silêncio dentro da alma. Daí a dificuldade...”.
Pensando sobre tudo isso, então,
vou ficando por aqui. Vou me dar o prazer de ouvir canções que me levam além da
melodia, além das palavras, além das emoções, para que eu possa pensar sobre a
vida e sobre o mundo por outros vieses, movida por outras emoções e
sentimentos.
Não quero sons de tiros, nem de bombas, nem de gritos, nem de horror, ... Quero sons que me façam sentido, que me apaziguem a alma, que me façam entender além do visível. Assim, ainda que a lista seja longa, estas não irão, com certeza, faltar: “Wind of change” 3, “Imagine” 4, “Give Peace a chance” 5, “Happy Xmas (War is over) 6”, “What a wonderful world” 7, “Dreamer” 8, “Vilarejo” 9, “Epitáfio” 10, “Dias melhores” 11, “Paciência” 12, “A Paz” 13, “Se eu quiser falar com Deus” 14, “Cuide bem do seu amor” 15.
1 Under the
same sun (Mark Hudson / Klaus Meine / Bruce Fairbairn) - https://www.youtube.com/watch?v=bpf-Hu2qP8Q
2 [...] Then
why, why can’t we live as one [...] - https://www.letras.mus.br/scorpions/70194/