O
avesso do Brasil...
Por
Alessandra Leles Rocha
De fato, entender o Brasil não é
para principiantes. Vira daqui, mexe dali, e as pessoas se perdem em um
labirinto de contradições que impossibilita se chegar a alguma conclusão
consistente. Estamos em pleno ano eleitoral; mas, não parecem claros os sinais
lançados pela população.
A princípio a insatisfação com a
realidade aponta para um movimento popular que almeja mudança, um desejo de reconstrução
do país. Mas, basta um piscar de olhos, para se descobrir que o tal brado não é
uníssono e que o senso de cidadania do brasileiro é muito frágil.
Duas matérias jornalísticas me
chamaram a atenção. “’Feiras do rolo’ em
SP vendem bicicletas nacionais e importadas sem notas fiscais; polícia apura se
bikes são roubadas. Reportagem gravou vídeos que mostram comércio irregular de
bicicletas importadas sendo vendidas por preços mais baixos de mercado. Pasta
da Segurança informa que polícia irá investigar denúncia. Estado e capital
tiveram aumento de casos de roubos e furtos. Na capital foram 21% entre 2020 e
2021” 1 e “Furto em estação da Deso compromete abastecimento de água em 34
localidades sergipanas. Cabos e componentes elétricos foram levados de estação
do sistema Sertaneja” 2.
Para início de conversa, antes de
qualquer outro comentário, vale destacar que não importa se esses crimes são
cometidos contra entes privados ou públicos. São crimes e ponto final. Mas, não
deixa de ser lastimável se deparar, através deles, com a materialização da
anticidadania.
Ora, na medida em que, sem
qualquer pudor ou constrangimento, certos (as) brasileiros (as) se consideram “acima do Bem e do Mal” não só para desafiar as leis do seu país; mas,
para causar prejuízos aos seus semelhantes e ao próprio erário, eles não deveriam
ser considerados cidadãos. Afinal de contas, a cidadania implica
necessariamente em assumir direitos e deveres dentro de uma sociedade.
No entanto, esse tipo de
comportamento ilustrado acima não começa e termina no ato delituoso em si. O que
leva alguém a praticar crimes dessa natureza é porque tem a certeza de que na
outra ponta da história haverá, sempre, os receptadores e os compradores para
os produtos furtados.
Portanto, a cadeia do “malfeito” costuma ser bem maior do que
se imagina, o que leva a pensar que espalhados dentro da sociedade, nos mais
diferentes espaços, há muita gente que coaduna com tais práticas.
Trata-se de um sinal da existência
real de uma gradação para as situações do cotidiano, a fim de atenuar ou
contemporizar questões que são graves em si mesmas. Não há crime maior ou
menor. Há crime. Não há prejuízo maior ou menor. Há prejuízo. ...
Isso significa que muitos (as)
brasileiros (a) se comportam mal, se desviam da sua cidadania, porque acreditam
na existência de uma suposta legitimidade social. Considerando que os esforços
institucionais e jurídicos parecem insuficientes para conter e coibir a
diversidade de práticas delituosas exercidas recorrentemente no país. De modo
que paira no ar a presença de um pacto velado a esse respeito, favorecendo a
sua manutenção em qualquer tempo, em qualquer lugar.
Sobretudo, porque não se pode esquecer
o fato de que a humanidade vive, mais e mais, enovelada pelas tramas tecidas
por uma sociedade de consumo, enquanto o poder aquisitivo da imensa maioria se reduz
de maneira inversamente proporcional.
Bem estimulado, o desejo de ter
não tem freios, porque ele é um elo com o pertencimento, com a visibilidade,
com a expressão do status social. Então, quando não podem adquirir pelas vias
legais os bens do seu interesse, as pessoas se lançam nessa espiral de transgressão,
de vale-tudo. Se permitem cair na tentação de que “os fins justificam os meios”.
Ora, ora; mas, não é exatamente esse
um pequeno fragmento da realidade nacional brasileira que todos julgam ser
errado, ser ruim, ser prejudicial? Como é que pode? Dois pesos e duas medidas? Essa é a receita do Brasil?
Esse é o modus operandi que nos coloca em xeque quanto à credibilidade da decepção,
do descontentamento, da indignação popular, às vésperas de uma eleição tão importante,
que irá definir os rumos do país, dos estados e do Distrito Federal pelos
próximos 4 anos.
Não dá para relativizar, para
compartimentalizar, para ranquear a cidadania, a fim de fazê-la caber, sem
maiores conflitos, dentro dos interesses individuais e coletivos. Quaisquer manifestações
de anticidadania estão impregnadas de tamanho individualismo que ao beirar às
raias do absurdo não se importam, nem mesmo, em cometer crimes.
Daí fica uma impressão de que
todo o falatório, todas as reclamações, todas as falas ásperas, no fundo, têm
um certo ar de “dor de cotovelo”,
como se quisessem mesmo, era estar naquela posição, naquele lugar, sobre o qual
extravasam a sua raiva.
Talvez, por isso, a classe
política esteja como está. Ela é feita do povo. Ela conhece a fundo o que passa
na alma e na consciência dessa gente. Pode-se pensar até, que são espelhos que
se refletem mutuamente. Daí a reprodução contínua da história, ou seja, “Macaco senta no próprio rabo para falar do
rabo dos outros”.
Acaba-se criando, então, uma zona
de conforto que retém as ousadias, os ímpetos de transformação, porque aqui e
ali todos têm medo do que podem eventualmente perder dentro da sociedade. Desse
modo, se não houver uma ruptura desse processo, algo consciente e
ressignificativo, a sociedade brasileira tende a não alcançar, em nenhum tempo
da sua história, nada de novo para as suas relações sociais e, particularmente,
políticas.