Qual
é o preço da teimosia?
Por
Alessandra Leles Rocha
Qual é o preço da teimosia? Depende.
A teimosia não diz respeito apenas ao material da vida. Há quase dois anos nos
deparamos com a vastidão da imaterialidade, através da Pandemia, na
visualização de centenas de milhares de vidas ceifadas abruptamente pelo
Sars-Cov-2. Por isso, já éramos para ter aprendido que determinadas discussões,
e confusões, não cabem em termos de precificação, de valoração financeira. Mas,
ao que tudo indica, parece que não aprendemos, não é mesmo?!
E não digo isso, me restringindo
exclusivamente ao Brasil. O mundo tem agido com teimosia. É uma pena que a
humanidade esteja cada vez mais absorta por uma infantilidade arrogante e
prepotente que não aceita ser contrariada, ou questionada, ou contida no seu
ímpeto, pela força de argumentos claros, coerentes, precisos, advindos
particularmente do campo científico. De modo que se perde um tempo precioso em
discursos e narrativas vazias, inconsistentes, para não dizer vexatórias e
constrangedoras, ao invés de elevar o bom senso e a responsabilidade na tomada
de decisões.
Então, não é à toa que tenhamos
voltado quase à estaca zero do jogo. Não adianta fingir, negar, mentir. O surgimento
da variante Ômicron, ou quaisquer outras variantes já surgidas ou a surgir, é consequência
das teimosias acumuladas ao longo desse período. O fato de estarmos agora
diante de praticamente um vírus novo, dadas as mais de 50 mutações apresentadas
na variante Ômicron, faz com que novas perguntas precisem ser respondidas pela
Ciência, o mais rápido possível.
Mas, para isso é imperioso não
desconsiderar o que já se sabe a respeito dessa doença, não teimar a esse respeito.
Higiene constante das mãos, com água e sabão ou álcool em gel. Uso correto de
máscaras, cobrindo o nariz e a boca; bem como, com sua substituição periódica para
evitar a permeabilidade viral através do material utilizado na confecção do
produto. Distanciamento social a fim de evitar aglomerações e ampliação do
contágio.
É bom lembrar que, no caso
brasileiro, por mais uma ironia ácida do destino, não estamos frente a frente
apenas com o Sars-Cov-2 e suas variantes; mas, com uma nova cepa do vírus da
Influenza (Gripe), o H3N2. Sem contar, outros agentes virais comuns a infecções
do trato respiratório, que têm sido observados em circulação no país, por incrível
que pareça, em pleno verão.
Aliás, já se leem relatos,
através dos veículos de comunicação e informação, a respeito de casos de
infecção simultânea entre o Sars-Cov-2 e o H3N2, os quais vêm sendo denominado
como “Flurona”. O que faz emergir um número ainda maior de questionamentos a
respeito, em termos de diagnóstico, letalidade1,
mortalidade2, morbidade3, sequelas, profilaxia, eficácia de
medicamentos e imunobiológicos, etc.
Portanto, o Brasil vive
literalmente uma “tempestade viral
perfeita”, enquanto teima em manter em níveis pífios a testagem da
população. Enquanto teima em desconsiderar quaisquer estratégias de imunização extra tempore contra a gripe, considerando
que a campanha de 2021 alcançou índices vacinais abaixo das expectativas, por
conta da própria Pandemia da COVID-19. Enquanto teima em obstaculizar a
aquisição e acesso às vacinas contra o Sars-Cov-2 para atender o maior contingente
de estratos etários da população. Enquanto teima em reduzir o orçamento da
saúde pública, da ciência, da tecnologia e da educação, que são os esteios da
biossegurança nacional. Enquanto teima em flexibilizar e/ou negociar as medidas
de prevenção, em nome de não se indispor com a vontade popular de uns e outros.
... Enquanto resiste e persiste em teimar.
Acontece que estamos falando de viroses
de transmissão respiratória, ou seja, altamente dispersantes. Basta um indivíduo
contaminado para dar início ao estrago coletivo. Cada ser humano é um carreador
viral potencial e, além disso, um facilitador para que objetos inanimados
(fômites) possam levar e espalhar os agentes infecciosos. Pode ser um sapato,
uma toalha, uma maçaneta de veículo, um corrimão, um talher, ... basta que eles
tenham entrado em contato com uma ou mais pessoas contaminadas para adquirir o
agente patogênico e possibilitar a replicação da transmissão. Por isso, o trânsito
de uma doença viral respiratória é tão rápido.
Contrariando a crença popular de
que a gripe, por exemplo, é uma doença viral banal, sem maiores preocupações, na
qual basta um analgésico e um antitérmico para solucionar o mal-estar e
aguardar de 4 a 5 dias a recuperação total, a verdade não é tão simples assim.
Segundo a Estratégia Global de Influenza para 2019-2030 divulgada pela Organização
Mundial da Saúde (OMS), em 2019, há uma preocupação mundial em “prevenir a influenza sazonal, controlar a
propagação da influenza de animais para humanos e se preparar para a próxima
pandemia de influenza”4.
Afinal, “a gripe continua sendo um dos maiores desafios de saúde pública do
mundo. Todos os anos em todo o mundo, há cerca de 1 bilhão de casos, dos quais
3 a 5 milhões são casos graves, resultando em 290.000 a 650.000 mortes
respiratórias relacionadas à influenza”; razão pela qual, a OMS recomenda a
vacinação anual contra a influenza como forma mais eficaz de prevenção.
Infelizmente, precisou-se de uma
Pandemia para que houvesse um “despertar”
da população em relação a essas questões que sempre estiveram transitando entre
nós, mas de uma maneira bastante invisibilizada pela ausência de uma
repercussão mais incisiva por parte dos governos e órgãos de comunicação e de
informação. A verdade é essa.
Anualmente, são milhões de vidas
perdidas para doenças infectocontagiosas, muitas delas já preveníveis pela
imunização, ou tratadas por medicamentos; mas, que permanecem negligenciadas,
na maioria das vezes, pelos próprios cidadãos. Seja por más práticas de
higiene. Seja por desconhecimento a respeito dessas doenças. Seja por descuido
na convivência com certas espécies animais que são reservatórios de certos
vírus, protozoários, bactérias e fungos. ...
As pessoas precisam se dar conta
de que a teimosia não garante a imortalidade. Muito pelo contrário. A teimosia
está adoecendo e matando milhões de pessoas por aí e se você não se cuidar
poderá ser o próximo da fila. A teimosia está dilapidando a humanidade naquilo
o que é mais importante, a sua gente. A teimosia está causando dor e sofrimento
físico e moral. A teimosia está nos entristecendo, nos enraivecendo, nos
brutalizando a essência. A teimosia está nos paralisando o desenvolvimento, a
criatividade, a inovação, nos colocando na posição do atraso, da barbárie, da
involução. ... Afinal, teimar quando tudo prova e comprova o contrário é a mais
pura exibição da vaidade ignorante, da estupidez à enésima potência, do abandono
completo da razão.
1
Relaciona o número de óbitos por uma determinada causa e o número de pessoas
que foram acometidas por uma determinada doença.
2
Refere-se ao conjunto dos indivíduos que morreram num dado intervalo de tempo. Representa
o risco ou probabilidade que qualquer pessoa na população apresenta de poder
vir a morrer ou morrer em decorrência de uma determinada doença.
3
Refere-se ao conjunto dos indivíduos que adquirem doenças (ou determinadas
doenças) num dado intervalo de tempo em uma determinada população. Portanto,
ela mostra o comportamento das doenças e dos agravos à saúde na população.