quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Contra ou a favor


Contra ou a favor

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Uma das grandes dificuldades contemporâneas está na inconsistência das convicções. A mudança de opinião se altera abruptamente, sem que haja quaisquer constrangimentos ou pudores. Tudo parece seguir a lógica de uma conveniência surreal, que não se importa com o grau de contradição impressa. E o exemplo mais recente é a ideia do governo estadunidense de expulsar os palestinos de Gaza, de forma permanente, para que sejam “reassentados” em outros territórios.

Não é novidade que uma das bandeiras defendidas pelos representantes, apoiadores e simpatizantes da ultradireita global, é a xenofobia. Um conceito que trata das expressões de aversão, hostilidade e/ou ódio, contra pessoas naturais de outros países ou territórios. De modo que países liderados por forças da ultradireita lutam arduamente contra a presença de migrantes e de refugiados em seus espaços de controle.

Para início de conversa, então, é importante estabelecer a distinção entre esses termos. Os migrantes não têm necessariamente uma razão de vida e morte determinando a sua necessidade de deslocamento. Geralmente, o que eles buscam são melhores condições de vida, oportunidades de trabalho e/ou educação.

Já os refugiados, são aqueles que diante de situações de perigo extremo e intolerável se veem obrigados a abandonarem a sua pátria para escapar de conflitos armados, guerras ou perseguições. Há, também, os refugiados do clima. Pessoas afetadas diretamente por catástrofes ambientais, decorrentes de eventos extremos da natureza. Razão pela qual, todo refugiado, pelo fato de não poder permanecer em seu território, recebe a assistência dos Estados, do ACNUR (Agência da ONU para Refugiados) e de outras organizações.

Assim, a pergunta que não quer calar é: como é possível exercer a xenofobia ao mesmo tempo em que se defende a existência de deslocamentos, sejam eles forçados ou não? Bom, a xenofobia esbarra em uma outra plataforma importante, e bastante cara, à ultradireita, que é a liberdade.

Ora, como exercer a liberdade, de maneira plena e irrestrita, quando outros passam a decidir sobre os rumos que a sua vida pode ter? Isso não é ser livre! Isso não é ter autonomia! Além disso, por que alguns podem manifestar esse tipo de poder decisório em detrimento de outros?

Vejam, “Egito, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Catar, Autoridade Palestina e a Liga Árabe disseram que esse movimento poderia ‘ameaçar a estabilidade da região, arriscar expandir o conflito e minar as perspectivas de paz e coexistência entre seus povos’” 1.

Portanto, essa não é só uma tentativa de redesenhar territorialmente o globo terrestre; mas, de construir uma única história do ponto de vista dos dominadores sobre os dominados. Essa é uma nova investida do imperialismo, em plena contemporaneidade. Com todos os seus vieses, possíveis e impossíveis, de desumanização.

Sim, porque esse é um tratamento que objetifica, coisifica, o ser humano, retirando dele a sua dignidade identitária, a sua voz, a sua vez, os seus direitos. Ele é sumariamente despido dos seus vínculos históricos, religiosos, culturais, linguísticos, geográficos, para ser inserido em um outro contexto identitário. As culturas nacionais ao produzirem seus sentidos sobre “a nação” constroem identidades; portanto, as diferenças entre as nações residem nas formas diferentes pelas quais elas são imaginadas.

Portanto, esses indivíduos acabam submetidos a uma série de rótulos e de estereótipos que tendem a obstaculizar a sua eventual inserção em uma nova realidade. Daí as chances de amplificarem as tensões socioculturais e geopolíticas são reais e gigantescas. Tudo o que é arbitrário, impositivo, não demonstra a possibilidade de alcance de sucesso.

Por essas e por outras, prestemos atenção aos acontecimentos. Façamos nossas análises e reflexões a respeito dos impactos e desdobramentos que eles causam em todos nós, seres humanos. É preciso entender que todo o nosso processo de desenvolvimento socioeconômico esteve atrelado a um movimento de imitação servil a “padrões colonizadores” que imperam sobre o mundo desde o século XV, de modo que os contatos entre as pessoas e suas culturas – suas ideias, valores, crenças e modos de vida – foram sendo subjugados e dicotomizados com um rigor sem precedentes. Isso explica, por exemplo, a construção da segregação das minorias, nas sociedades colonizadas, e a lamentável perpetuação da objetificação de determinados grupos sociais, até os dias atuais.