Contra ou
a favor
Por Alessandra
Leles Rocha
Uma das grandes dificuldades contemporâneas
está na inconsistência das convicções. A mudança de opinião se altera
abruptamente, sem que haja quaisquer constrangimentos ou pudores. Tudo parece
seguir a lógica de uma conveniência surreal, que não se importa com o grau de contradição
impressa. E o exemplo mais recente é a ideia do governo estadunidense de expulsar
os palestinos de Gaza, de forma permanente, para que sejam “reassentados” em outros
territórios.
Não é novidade que uma das
bandeiras defendidas pelos representantes, apoiadores e simpatizantes da
ultradireita global, é a xenofobia. Um conceito que trata das expressões de
aversão, hostilidade e/ou ódio, contra pessoas naturais de outros países ou
territórios. De modo que países liderados por forças da ultradireita lutam
arduamente contra a presença de migrantes e de refugiados em seus espaços de controle.
Para início de conversa, então, é
importante estabelecer a distinção entre esses termos. Os migrantes não têm necessariamente
uma razão de vida e morte determinando a sua necessidade de deslocamento. Geralmente,
o que eles buscam são melhores condições de vida, oportunidades de trabalho
e/ou educação.
Já os refugiados, são aqueles que
diante de situações de perigo extremo e intolerável se veem obrigados a abandonarem
a sua pátria para escapar de conflitos armados, guerras ou perseguições. Há, também,
os refugiados do clima. Pessoas afetadas diretamente por catástrofes ambientais,
decorrentes de eventos extremos da natureza. Razão pela qual, todo refugiado,
pelo fato de não poder permanecer em seu território, recebe a assistência dos
Estados, do ACNUR (Agência da ONU para Refugiados) e de outras organizações.
Assim, a pergunta que não quer
calar é: como é possível exercer a xenofobia ao mesmo tempo em que se defende a
existência de deslocamentos, sejam eles forçados ou não? Bom, a xenofobia
esbarra em uma outra plataforma importante, e bastante cara, à ultradireita,
que é a liberdade.
Ora, como exercer a liberdade, de
maneira plena e irrestrita, quando outros passam a decidir sobre os rumos que a
sua vida pode ter? Isso não é ser livre! Isso não é ter autonomia! Além disso, por
que alguns podem manifestar esse tipo de poder decisório em detrimento de
outros?
Vejam, “Egito, Arábia Saudita,
Emirados Árabes Unidos, Catar, Autoridade Palestina e a Liga Árabe disseram que
esse movimento poderia ‘ameaçar a estabilidade da região, arriscar expandir o
conflito e minar as perspectivas de paz e coexistência entre seus povos’” 1.
Portanto, essa não é só uma tentativa
de redesenhar territorialmente o globo terrestre; mas, de construir uma única história
do ponto de vista dos dominadores sobre os dominados. Essa é uma nova investida
do imperialismo, em plena contemporaneidade. Com todos os seus vieses,
possíveis e impossíveis, de desumanização.
Sim, porque esse é um tratamento
que objetifica, coisifica, o ser humano, retirando dele a sua dignidade identitária,
a sua voz, a sua vez, os seus direitos. Ele é sumariamente despido dos seus
vínculos históricos, religiosos, culturais, linguísticos, geográficos, para ser
inserido em um outro contexto identitário. As culturas nacionais ao produzirem
seus sentidos sobre “a nação” constroem identidades; portanto, as diferenças
entre as nações residem nas formas diferentes pelas quais elas são imaginadas.
Portanto, esses indivíduos acabam
submetidos a uma série de rótulos e de estereótipos que tendem a obstaculizar a
sua eventual inserção em uma nova realidade. Daí as chances de amplificarem as
tensões socioculturais e geopolíticas são reais e gigantescas. Tudo o que é
arbitrário, impositivo, não demonstra a possibilidade de alcance de sucesso.
Por essas e por outras, prestemos
atenção aos acontecimentos. Façamos nossas análises e reflexões a respeito dos
impactos e desdobramentos que eles causam em todos nós, seres humanos. É
preciso entender que todo o nosso processo de desenvolvimento socioeconômico
esteve atrelado a um movimento de imitação servil a “padrões colonizadores”
que imperam sobre o mundo desde o século XV, de modo que os contatos entre as
pessoas e suas culturas – suas ideias, valores, crenças e modos de vida – foram
sendo subjugados e dicotomizados com um rigor sem precedentes. Isso explica,
por exemplo, a construção da segregação das minorias, nas sociedades
colonizadas, e a lamentável perpetuação da objetificação de determinados grupos
sociais, até os dias atuais.