terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

Câncer: Uma reflexão que precede a própria doença


Câncer: Uma reflexão que precede a própria doença

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não é de se espantar que o frenesi contemporâneo também tenha o efeito de nos desfocar de nós mesmos. Infelizmente, dia a dia, nos colocamos no fim da fila das prioridades, como se o nosso bem-estar e plenitude existencial fossem desimportantes. Sendo assim, proponho uma reflexão, neste dia, que marca a luta de combate ao câncer.

Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), “Em 2022, houve mais de 4,2 milhões de novos casos de câncer na região, e a projeção é que esse número aumente em 60% até 2045, para 6,7 milhões de casos. O câncer é uma das principais causas de morte nas Américas. Em 2022, foi responsável por 1,4 milhão de mortes, 45% das quais ocorreram entre pessoas com 69 anos ou menos” 1.

Diante disso, é preciso tecer uma análise a partir do cerne desse problema. E qual seria ele? Voltarmos a ser protagonistas da nossa vida. Uma das consequências mais terríveis, imposta aos seres humanos, pela Revolução Industrial, foi justamente se permitir ser desumanizado para ser coisificado. Um número entre tantos nas linhas de produção a fim de que pudesse justificar a sua sobrevivência.

Mas, isso não foi por acaso. A ideia de que “O preguiçoso fica pobre, mas quem se esforça no trabalho enriquece”, “O trabalho é a fonte de todas as riquezas” ou “O trabalho dignifica o homem” tem sido secularmente incorporada ao inconsciente coletivo da humanidade a fim de que as pessoas não se permitam à tentação do ócio. Permitir-se momentos de folga, de descanso, de cessação do trabalho, sempre trouxe consigo a estereotipização pejorativa da inutilidade, da preguiça, da vagabundagem.

Tanto que, lamentavelmente, chegamos a uma das mais abjetas considerações a respeito, inscrita no letreiro de metal da entrada do campo de concentração nazista de Auschwitz: “Arbeit macht frei” (O trabalho liberta ou nos torna livres, em tradução livre). Um lugar que foi transformado no Museu Estatal de Auschwitz-Birkenau, em Oświecim, Polônia, para não se permitir esquecer os horrores e as atrocidades cometidas contra seres humanos. Era um lugar onde prisioneiros eram distribuídos para trabalhos forçados, em longas e extenuantes jornadas e, posteriormente, executados nas câmaras de gás.

Bem, feita essa triste consideração, voltemos, então, a pensar sobre a relação entre o câncer, em suas mais diversas formas, e o modo como encaramos às nossas atividades laborais. Apesar de já comprovados cientificamente alguns gatilhos para o surgimento do câncer, tais como a predisposição genética (hereditariedade), consumo de álcool, tabaco e outras drogas lícitas e/ou ilícitas, exposição a certos agentes químicos, poluição do ar, da água e do solo, a questão do estresse não pode ser descartada.

Os mais de 8 bilhões de seres humanos, sobre a Terra, estão sim, susceptíveis e vulneráveis, desde as mais simples até as mais complexas manifestações, do estresse contemporâneo. São tantas obrigações, tarefas, afazeres, compromissos, deslocamentos, que as agendas ultrapassam quaisquer limites de tolerabilidade impostos pelas 24h do dia.  É aí que, fisiologicamente, o processo de degradação e deterioração do organismo começa a se desenhar.

De repente, você começa a se deparar com o rosto repleto de acne, relembrando seus tempos de adolescência. Dores de cabeça se tornam companheiras fiéis do seu dia a dia. Mas, elas são apenas o ponto de partida, porque, logo em seguida, emergem dores crônicas, como a fibromialgia. Não bastasse isso, as alergias e problemas na pele surgem para recrudescer o cenário. Até que o ponto alto seja a queda abrupta da imunidade. Fatores que somados contribuem para a insuficiência e a ineficiência do sono, deixando os indivíduos, cada vez mais, cansados, fatigados e propensos ao aparecimento de outras patologias: alterações na libido, problemas digestivos, alterações no apetite, queda de cabelo, taquicardia, Bruxismo, sudorese e tensão muscular.

Centenas de alertas, enviados por você mesmo, mas que não são devidamente levados a sério. De modo que por efeito repetitivo, ao longo de semanas, meses e até, anos, vão desregulando o funcionamento corporal e se juntando a todos aqueles gatilhos comprovados cientificamente, para, enfim, transformarem células saudáveis em células cancerosas. O não prestar atenção a si mesmo, por conta do estresse, é um fator que impulsiona, portanto, o aparecimento do câncer.  

Além disso, temos que concordar, também, que nem todos os mais de 8 bilhões de seres humanos são favorecidos pela acessibilidade médico-hospitalar, no sentido de promover não só um acompanhamento regular da saúde; mas, sobretudo, estabelecer um protocolo de prevenção e terapêutica ao primeiro sinal de desajuste. Quando falo nesse “não prestar atenção a si mesmo”, esse aspecto da inacessibilidade está implícito. Muita gente posterga os cuidados com a própria saúde por uma inacessibilidade total ou parcial. Cuidar da saúde é caro; mas, não o fazer pode custar ainda mais. Inclusive, a vida.

Portanto, estamos diante de um contexto que merece a atenção da coletividade humana, de todos, sem exceção. Governos.  Instituições. Organizações Não-Governamentais (ONGs). Cientistas e pesquisadores. Profissionais de saúde. Educadores. Sociedade civil. Se por um lado a expectativa de vida tem se mostrado rumo aos 80 anos, por outro, o modo como estamos deixando fluir o comportamento social está impactando as estatísticas do adoecimento populacional; principalmente, quanto aos casos de câncer.

Sem contar, que o câncer não é só uma doença de difícil e de complexo tratamento; mas, de grande impacto socioeconômico. As terapêuticas são caras e, em muitos casos, demandam suporte multidisciplinar, inacessível a maioria dos pacientes. A necessidade de deslocamento, por parte de muitos doentes, é difícil e gera diversos ônus adicionais. Diversos acometidos pelo câncer e/ou familiares precisam abdicar dos seus postos de trabalho durante o período imposto pelo tratamento, o que impacta o orçamento das famílias. Enfim...

Hipócrates, médico e filósofo grego, dizia que “Antes de curar alguém, pergunta-lhe se está disposto a desistir das coisas que o fizeram adoecer”. Mais do que nunca, podemos dizer que ele tinha razão. Não, “Não é sinal de saúde estar bem adaptado a uma sociedade doente” (Jiddu Krishnamurti – Filósofo e escritor indiano). Desse modo, urge termos que prestar atenção em nós, de uma maneira mais profunda e responsável. Não nos esqueçamos de que a existência humana começa pela defesa exercida por cada indivíduo em relação à sua própria vida. Sendo assim, faça o melhor que puder para cuidar de você!